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Estado de Minas COVID-19

A dor como sobrenome: como fam�lias enfrentam o luto em s�rie na pandemia

Mineiros que perderam mais de um parente, �s vezes em intervalo de poucos dias, falam da dificuldade de lidar com a dor que se multiplicou


18/04/2021 06:00 - atualizado 18/04/2021 07:14

''Se não fosse a fé em Deus, nem sei como seria. É muito difícil aguentar sozinha essa dor'' - Luzia Izabel Augusta Rodrigues, que conta com amparo de filhas, netas e bisneta para suportar a perda de dois filhos e do marido em oito dias (foto: RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS)
''Se n�o fosse a f� em Deus, nem sei como seria. � muito dif�cil aguentar sozinha essa dor'' - Luzia Izabel Augusta Rodrigues, que conta com amparo de filhas, netas e bisneta para suportar a perda de dois filhos e do marido em oito dias (foto: RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS)
Poucas vezes, o sil�ncio se fez t�o importante numa entrevista. Valeu mais, no encontro, observar o olhar, acompanhar o movimento das m�os, sentir a aus�ncia em estado absoluto. Palavras vieram no tempo certo. Fragilizada pela perda recente do marido, Altamiro, e dos filhos Roberto e Elaine Cristina, v�timas da COVID-19, a dona de casa Luzia Izabel Augusta Rodrigues, de 74 anos, busca conforto nas lembran�as, no carinho da fam�lia, na boa energia dos amigos, nas ora��es.

“Se n�o fosse a f� em Deus, nem sei como seria. � muito dif�cil aguentar sozinha essa dor”, conta a moradora do Bairro S�o Geraldo, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. N�o bastasse a morte dos tr�s no curto per�odo de oito dias, o c�ncer ceifou a vida do irm�o de Luzia, Jos� Geraldo Augusto, em 15 de mar�o.

Na varanda da casa, arejada pelo vento da tarde e de onde se v� a igreja matriz da cidade, Luzia se mant�m de p� apoiada no prop�sito de seguir a vida, mas, quando a saudade bate, chora suas l�grimas, que come�aram pouco antes da semana santa e culminaram na v�spera da sexta-feira da Paix�o. Naquele dia, quando o marido Altamiro Rodrigues da Paix�o, de 81, morreu, Luzia refletiu, pensando em Nossa Senhora das Dores: “Ela passou tanto sofrimento com a via-cr�cis de Jesus... Tamb�m terei for�as no meu caminho”.

A exemplo de Luzia, outros mineiros vivem seu calv�rio em decorr�ncia do novo coronav�rus, com a dor da perda – que j� � imensa em qualquer caso –, repetida mais de uma vez. O padre Adriano Luiz da Silveira ficou sem os pais e a irm�, enquanto Val�ria Cassimiro Costa, perdeu os pais. Nas casas, a chama da esperan�a para que a ci�ncia e a f� ven�am a doen�a est� acesa, mesmo com aperto no cora��o diante do aumento de casos no pa�s e com o luto que chegou, potencializado.


PAIX�O

Casados durante 55 anos, Altamiro e Luzia tiveram 10 filhos, que lhes deram oito netos e dois bisnetos. O mais velho, Roberto Augusto Rodrigues, de 55, morreu em 11 de mar�o, um dia depois da irm� Elaine Cristina, que, conta a m�e, sofria de asma. Altamiro, tamb�m hospitalizado, partiu uma semana depois. “Ele recebeu o sobrenome Paix�o porque nasceu na sexta-feira da Paix�o. E morreu na quinta-feira santa”, conta Luzia, rodeada pelas filhas Sandra, Rosil�ia e Milene, as netas Izabela Cristina, J�lia Caroline e Maria Eduarda, e a bisneta Camila.

''Foram momentos terríveis, os piores da minha vida. Perder o pai e a mãe praticamente de uma vez...'' - Valéria Cassimiro Costa, que se despediu dos pais em um intervalo de oito dias e se ressente de ter sofrido também com o preconceito (foto: Álvaro Duarte/EM/D.A PRESS)
''Foram momentos terr�veis, os piores da minha vida. Perder o pai e a m�e praticamente de uma vez...'' - Val�ria Cassimiro Costa, que se despediu dos pais em um intervalo de oito dias e se ressente de ter sofrido tamb�m com o preconceito (foto: �lvaro Duarte/EM/D.A PRESS)

A doen�a pegou de surpresa a fam�lia, que vive bem ao lado da Capela S�o Geraldo. Conforme costume em cidades do interior mineiro, todos ouviram sucessivamente os an�ncios f�nebres no alto-falante do templo. “Mesmo escutando o an�ncio dos falecimentos tantas vezes, custei a acreditar. At� hoje n�o acredito que � verdade. Altamiro gostava de reunir todo mundo aqui. Moramos pr�ximos, ent�o isso facilita as reuni�es familiares. Nesta varanda, por exemplo, a gente gosta de ficar e conversar.”

Luzia, a filha Rosil�ia e a neta Izabela Cristina tamb�m tiveram COVID-19. “Tomamos todos os cuidados, usando m�scara, passando �lcool nas m�os. N�o sei como, fomos contaminadas. Acho que � um v�rus trai�oeiro.” O conforto dos amigos se faz presente, e grupos j� se reuniram na rua, na frente da casa, para rezar o ter�o. “Sempre rezamos em fam�lia e vamos continuar assim”, observa Luzia.


FERIDAS ABERTAS

Longe dali, em Corinto, as marcas ainda n�o cicatrizaram no cora��o, nas lembran�as e nas palavras do padre Adriano Luiz da Silveira, da Par�quia Santo Ant�nio, na cidade da Regi�o Central de Minas. Em dezembro, no per�odo de 15 dias, ele perdeu o pai, a m�e e a irm�, todos em decorr�ncia da COVID-19.

N�o bastasse tanto sofrimento, padre Adriano tamb�m foi acometido pela doen�a, ficou internado e viu mais quatro pessoas da fam�lia contaminadas pelo coronav�rus. “Se n�o fosse a f� em Deus, seria imposs�vel suportar tantas mortes de pessoas queridas”, afirma o p�roco, nascido em Juiz de Fora, na Zona da Mata, criado em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de BH, e que h� 17 anos se dedica � vida sacerdotal na Arquidiocese de Diamantina.

Com a voz embargada pela emo��o e explicando ter ficado com problema de vis�o como sequela da doen�a, padre Adriano conta que a primeira a morrer, em 25 de novembro, foi a irm�, T�nia Mara Silveira de Oliveira, aos 60 anos, vi�va e m�e de Hanns Alberto, de 31.

Depois foi o pai, Ivan da Silveira, de 84, em 1º de dezembro: “V�tima de um AVC (acidente vascular cerebral), ele ficou internado no Hospital S�o Jo�o de Deus, em Santa Luzia. Na sequ�ncia, foi levado para a Santa Casa BH, onde morreu”, conta o padre.

Em 10 de dezembro, foi vez da m�e, Carolina de Oliveira Silveira. Os tr�s vel�rios e enterros ocorreram de forma muito r�pida. “Nem deu tempo de os familiares se despedirem”, lamenta o religioso, irm�o de Ivan Jos� e Mara Beatriz, que ficaram internados, e tio de Gabriella e Dhiego, tamb�m infectados, mas esses sem gravidade.


MISSA EM CASA 

O conforto em meio a toda a tristeza, segundo o padre, foi poder ministrar o sacramento dos enfermos ao seu pai e � sua m�e, fazer a encomenda��o de sua m�e e, em 11 de dezembro, em mem�ria da irm� e do pai, celebrar a missa de s�timo dia na sala da casa da fam�lia no Bairro Carreira Comprida, em Santa Luzia.

''Superar três perdas em tão pouco tempo não é fácil, ainda mais de pessoas insubstituíveis'' - Padre Adriano Luiz da Silveira, que perdeu pai, mãe e irmã entre 25 de novembro e 10 de dezembro (foto: ARQUIVO PESSOAL)
''Superar tr�s perdas em t�o pouco tempo n�o � f�cil, ainda mais de pessoas insubstitu�veis'' - Padre Adriano Luiz da Silveira, que perdeu pai, m�e e irm� entre 25 de novembro e 10 de dezembro (foto: ARQUIVO PESSOAL)

“Superar tr�s perdas em t�o pouco tempo n�o � f�cil, ainda mais de pessoas insubstitu�veis. Meu pai e minha m�e sempre estiveram presentes na minha vida. Aprendi com eles a amar a Deus, a ter f�. Meus pais acompanhavam de perto meu trabalho sacertotal.” No momento de tanta tristeza, o religioso recebeu muitos “ombros amigos”, e destaca o apoio do padre Felipe Lemos de Queir�s, reitor do Santu�rio Arquidiocesano de Santa Luzia,  “meu amigo, que esteve comigo nos dias dif�ceis e me ajudou muito, convidando-me para celebrar a missa de Natal no Santu�rio de Santa Luzia.”

Diante da dor, padre Adriano faz quest�o de reafirmar sua f�: “No dia em que recebi alta do hospital, ajoelhado no Santu�rio Santa Luzia, eu dizia: 'Senhor, meu Deus, o Senhor pode levar tudo de mim, mas meu amor pelo Senhor continuar� sendo eterno, pois sei em quem depositei toda a minha confian�a”.

Agora, com a luz da esperan�a a guiar seus passos, o religioso se fortalece na passagem b�blica da carta de Paulo a Tim�teo: “Por essa causa tamb�m sofro, todavia n�o me envergonho, porquanto sei em quem tenho confiado e estou plenamente convicto de que Ele � poderoso para guardar o que lhe confiei at� aquele Dia.” (2Tm1,12).


DOR E PRECONCEITO 

As l�grimas ainda n�o secaram de todo – e v�o ficar assim por um longo tempo. Mas, se a vida segue seu caminho, andam, lado a lado, os longos anos de conviv�ncia, as hist�rias da fam�lia e o amor que jamais ter� fim. Moradora do Bairro Serra Verde, na Regi�o de Venda Nova, na capital, a diarista Val�ria Cassimiro Costa, de 50, casada e m�e de Esther, de 12, perdeu o pai e a m�e no curto tempo de oito dias. E o peito d�i s� de lembrar.

Calixto Cassimiro, de 89, morreu em 7 fevereiro, e a m�e, Maria Beatriz Ferreira, de 88, no dia 15. Val�ria testou positivo em 26 de janeiro. Depois, foram acometidos pela doen�a o marido, a filha e a irm�, mas sem gravidade.

“Meus pais moravam comigo. E pelo fato de ter testado positivo, suspeito que eu tenha passado o v�rus para eles. Tive contato com conhecidos, que, posteriormente, tamb�m testaram positivo. E como n�o sei se foi nesses momentos, ou at� mesmo no transporte coletivo ou no supermercado, fico com o sentimento de culpa e impot�ncia, mesmo tomando os cuidados necess�rios.”

“Foram momentos terr�veis, os piores da minha vida. Perder o pai e a m�e praticamente de uma vez...” Tamb�m incompreens�vel para a diarista foi sentir uma certa rejei��o das pessoas. “Alguns, quando souberam que meus pais tinham morrido com COVID-19, viraram as costas. A gente sofre toda essa carga emocional e f�sica e ainda � obrigada a lidar com o preconceito. Ver que as pessoas n�o querem se aproximar de voc� � muito doloroso. Ainda bem que meu Deus nunca me desamparou”, conforma-se, ainda se esfor�ando para compreender tanto sofrimento.

 


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