
O sil�ncio substituiu a alegria de tambores e chocalhos dos congados na comunidade quilombola dos Arturos, em Contagem, neste 13 de maio. Neste ano, n�o houve colorido de flores e bandeirinhas. A tradicional festa que comemora a Lei �urea, que libertou os escravos, assinada pela princesa Isabel, em 1888, n�o aconteceu. Nesta mesma data se reverencia Nossa Senhora do Ros�rio.
O quilombo est� em luto. Em seis dias, os familiares perderam o patriarca M�rio Br�s da Luz, de 88 anos, o �ltimo filho de Artur Camilo Silv�rio, na quinta-feira (6/5), e, na ter�a-feira (11), a mulher dele, Maria Auxiliadora da Luz, de 84. Ambos v�timas de complica��es da COVID-19.
Os paramentos, instrumentos de reza e benze��o, os altares e bandeiras dos santos permanecem intocados e guardados, da mesma forma que foram deixados pelo casal. At� que o luto se acabe.
'Seu' M�rio era o capit�o da guarda do Congado e D�ra, como a matriarca era carinhosamente chamada por seus descendentes, a rainha de 13 de maio de Nossa Senhora do Ros�rio.
Ap�s passamento e antes do sepultamento, ambos s�o descoroados. No caso do patriarca, a coroa passa de imediato para o vice-capit�o, o filho mais novo, Carlos Ant�nio da Luz.
O filho mais velho, Raimundo Ant�nio Raimundo da Luz, de 58 anos, j� vinha sendo preparado h� quatro anos para as b�n��os rezas e atendimentos. Ele acompanhava o pai em benze��es e ora��es, atendendo e aconselhando pessoas, da comunidade e fora dela.
J� o matriarcado n�o � autom�tico. Dona D�ra foi descoroada durante as cerim�nias de funeral. Agora, a comunidade passar� a discutir quem assumir� o lugar de Rainha e matriarca. Geralmente, o patriarca � a pessoa mais velha a suceder. Patriarca e matriarca exercem pap�is de "grandes pais", conselheiros.

"Eles v�o construindo esse espa�o e a comunidade vai percebendo isso como uma miss�o", explica a rainha de Irmandade h� 32 anos e nora do casal falecido, Maria Gorete Costa Heredia Luz, de 53, professora da rede p�blica.
Sem o tradicional congado
As comemora��es que se inciam uma semana antes, no Dia das M�es, neste ano, devido � pandemia, a comunidade n�o fez cerim�nia de levantamento do mastro da Princesa Isabel, "uma rever�ncia aos ancentrais em gratid�o ao ato da assinatura da Lei �urea", explica a rainha da Irmandade.
"Comemoramos com a consci�ncia de que foi apenas um ato burocr�tico, mas necess�rio de ser referendado. A escravid�o n�o terminou al�. O povo negro foi jogado � pr�pria sorte, n�o recebeu indeniza��o nem sequer um peda�o de terra. Os grandes fazendeiros preferiram doar parte de suas terras a imigrantes europeus brancos."
Os escravos libertos nem sequer tinham direito a estudar. Uma lei do Imp�rio determinava que s� poderiam frequentar aulas ap�s os 14 anos, � noite, e se o professor desse aval.
"Hoje, continuamos sofrendo discrimina��o e racismo. A popula��o de rua, carcer�ria, em sua maioria � de negros. Os filhos de fazendeiros tinham cotas asseguradas de acesso �s universidades. Hoje, quando cobramos cotas, d�o a entender que estamos tirando o lugar dos outros", observa Gorete.
"Hoje, continuamos sofrendo discrimina��o e racismo. A popula��o de rua, carcer�ria, em sua maioria � de negros. Os filhos de fazendeiros tinham cotas asseguradas de acesso �s universidades. Hoje, quando cobramos cotas, d�o a entender que estamos tirando o lugar dos outros", observa Gorete.

O filho de Gorete, formado em Fisioterapia, pela PUC Minas, Hiago Daniel Heredia Luz, de 25, entrou na universidade pelo sistema de cotas. Ele � coordenador do grupo de combate e preven��o � COVID-19 na comunidade. Os pr�prios moradores delegaram a ele essa tarefa. � um dos primeiros homens integrantes da comunidade a se formar em curso superior.
Pandemia limitou celebra��es
Assim como em todos os anos, para cumprir os rituais sagrados foram homenageados os santos devotos: Nossa Senhora do Ros�rio, Santa Efig�nia e S�o Bendito. Os mastros erguidos, por�m, foram descidos � noite para que n�o houvesse aglomera��es e as pessoas n�o ficassem muito tempo juntas.
Na pandemia, esse ano n�o houve convidados. Ficou restrito s� a comunidade. S� pessoa do reinado num grupo bem restrito que participou. Nas ocasi�es anteriores, eram convidados 15 guardas de Congo e Mo�ambique, vindas de outras cidades de Minas.
Uma novena em inten��o dos enfermos pela COVID-19, que acometeu 45 moradores da comunidade, com cinco mortos, aconteceu com abertura na capela, reunindo apenas 10 pessoas. "A novena veio nos fortalecer. Combinamos que rezar�amos todos no mesmo hor�rio, durante os nove dias, cada fam�lia em suas casas", diz a rainha da Irmandade
Pela primeira vez, o congado n�o saiu �s ruas e se dirigiu � Igreja de Nossa Senhora do Ros�rio, do Bairro Alvorada, onde todos os anos � celebrada a missa conga. A missa aconteceu para n�mero reduzido de fi�is, no Dia das M�es, na pr�rpia comunidade com participa��o de um grupo reduzido a dois representantes de cada fam�lia e alguns representantes das guardas de congado.
O desfile, nos anos anteriores eram acompanhado por pessoas vindas de v�rias cidades da Grande-BH e por um grupo de teatro formado pelos jovens da comunidade, representando os tempos da escravid�o e a vida do povo negro hoje.
Um grande grupo de pessoas, de fora do corpo reinante, faz doa��es e ajuda na recep��o, enfeites, alimenta��o e limpeza. Neste n�o n�o houve essa participa��o.
Entre as celebra��es dos Arturos, destacam-se, al�m da festa da capina �s v�speras do Natal, o Batuque, a Folia de Reis, a Festa da Aboli��o e, principalmente, o Reinaldo de Nossa Senhora do Ros�rio, festa popularmente conhecida como Congado.
Eles tamb�m formam o grupo art�stico Arturos Filhos de Zambi (deus dos negros da na��o banto) que trabalha percuss�o, dan�a afro e teatro em torno da hist�ria dos negros.
Eles tamb�m formam o grupo art�stico Arturos Filhos de Zambi (deus dos negros da na��o banto) que trabalha percuss�o, dan�a afro e teatro em torno da hist�ria dos negros.
Navio negreiro partiru de Angola
A comunidade negra dos Arturos descende de Camilo Silv�rio da Silva que, em meados do s�culo 19, chegou ao Brasil em um navio negreiro vindo de Angola. Do Rio de Janeiro, veio para Minas Gerais onde casou-se com uma escrava alforriada chama Felismina Rita C�ndida. Dessa uni�o nasceram seis filhos.
Entre os irm�os, Artur Camilo Silv�rio foi o que mais prosperou. Nasceu em 1885, �poca da Lei do Ventre Livre, e se casou com Carmelinda Maria da Silva. Os dois tiveram 10 filhos e vieram morar em Contagem, na localidade ent�o conhecida como Domingos Pereira, onde adquiriram a propriedade na qual ainda hoje vivem seus descendentes.
A comunidade se encontra na s�tima gera��o. S�o 110 fam�lias. Artur teve 11 filhos 10 leg�timo e 1 de cria��o.