
Curvelo, Lagoa Santa, Matozinhos e Pedro Leopoldo – Um terreno in�spito, castigado pelo sol forte. Permeado de trilhas incertas em desfiladeiros e galerias subterr�neas obscuras. Ermo espreitado por animais pe�onhentos e ref�gio de traficantes de tesouros naturais. Se ap�s seu trabalho no cerrado mineiro, no s�culo 19, o dinamarqu�s Peter Wilhelm Lund (14/6/1801-25/5/1880) foi aclamado e se tornou conhecido como o pai da paleontologia brasileira, nos idos do s�culo 19 o enfrentamento a um cen�rio desolado e perigoso foi o custo pago para trazer � luz um passado pr�-hist�rico. Hoje, em comemora��o aos 220 anos do nascimento de uma das figuras mais importantes da ci�ncia, sobretudo para Brasil e Dinamarca, reportagem especial do Estado de Minas refaz parte dos caminhos percorridos por Lund na Regi�o C�rstica de Lagoa Santa.
A primeira viagem do jovem m�dico dinamarqu�s ao Brasil foi entre 1825 e 1829, quando estava na casa dos 20 anos. Regressou com ricas amostras bot�nicas e de p�ssaros. Em 1833, Lund retornou para mais explora��es, sendo que em 1834 iniciou as descri��es e trabalhos cient�ficos que lhe valeriam renome, ao lado do artista e auxiliar noruegu�s Peter Andreas Brandt, que ilustrava as descobertas e paisagens.
A parceria entre os dois escandinavos pelo cerrado mineiro parte de Curvelo, na Regi�o Central de Minas. Visitaram muitas cavernas, sendo o primeiro registro gr�fico o da Lapa dos Gentios. A gruta estava desaparecida desde ent�o, mas expedi��o registrada pelo EM, com especialistas do Centro Universit�rio Newton Paiva e do Grupo de Estudos Espeleol�gicos Opili�o, pode t�-la reencontrado.
Foi tamb�m em Curvelo que a dupla enfrentou uma amea�a ainda viva contra o patrim�nio paleontol�gico: os hoje milion�rios tr�fico e leil�es virtuais de f�sseis de pregui�as gigantes, tigres de dentes-de-sabre e de artefatos pr�-hist�ricos brasileiros para a Europa. Outro dinamarqu�s, Peter Claussen, era um dos principais rivais dos trabalhos de Lund, chegando a roubar f�sseis descobertos pelo naturalista e a vend�-los no mercado cladestino, deixando o cientista furioso e obrigando-o a se embrenhar mais cerrado adentro.

Essa interfer�ncia predat�ria fez com que Lund e Brandt se afastassem das cavernas pr�ximas a Curvelo, quase todas j� reviradas por mineradores de salitre. Por outro lado, os levaram aos seus primeiros registros de pinturas rupestres, em 1836, na Lapa dos Po��es, e ao esplendor dessas representa��es do homem pr�-hist�rico na Lapa da Cerca Grande, em Matozinhos. “A admir�vel paisagem que nos rodeia atra�ra a aten��o do homem selvagem. O sop� do rochedo se acha coberto de desenhos. Produ��es do esp�rito humano no mais �nfimo grau do seu desenvolvimento”, disse Lund sobre a Cerca Grande.
Esse extenso e variado mural a c�u aberto tem mais de 10 mil anos. Est� prestes a constituir um parque estadual, com previs�o de ser formalizado em setembro e que poder� ser visitado posteriormente. O Parque Estadual de Cerca Grande tem 134 mil hectares sob gest�o do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG) e � tombado pelo Instituto Hist�rico e Art�stico do Patrim�nio Nacional (Iphan) desde 1962. No local, se destacam a beleza c�nica, a educa��o ambiental e mais de 900 pinturas rupestres.
Castelos de pedra no meio do sert�o

Foi em volta da grande rocha calc�ria que se destaca no cerrado, chamada Pedra dos �ndios, que o homem pr�-hist�rico marcou sua passagem, deixando pinturas em v�rios n�veis externos e em cavernas altas, conhecidas como janelas. S�o desenhos geom�tricos da tradi��o de figuras “S�o Francisco”, e de animais, que lembram porquinhos, p�ssaros, lagartos, veados e macacos, da tradi��o “Planalto”.
Sugerem a farta presen�a animal nos arredores dos rochedos. Cerca Grande, dizem, foi denominada assim por serem essas rochas calc�rias de 20 metros de altura obst�culos usados para apartar as pastagens do gado, com uma ampla passagem ligando as extremidades por um desfiladeiro e uma caverna em t�nel.
Na seca, a aproxima��o a p� � simples, com as dificuldades chegando junto com as chuvas. Nessa esta��o, de dentro das pedras brotam �guas cont�nuas at� formarem uma lagoa ao redor da Pedra dos �ndios. “Primeiramente, Lund n�o se aprofunda nas interpreta��es das inscri��es, pois julgava terem sido feitas por �ndios contempor�neos (caiap�s). Em Curvelo, as grutas estavam escavadas para minera��es de salitre. Mas, indo al�m, ele encontrou locais mais preservados, onde p�de fazer escava��es durante o tempo seco e estudar os achados at� a passagem da esta��o chuvosa”, afirma o pesquisador e professor do Centro Universit�rio Newton Paiva Luciano Emerich Faria, e doutor em hist�ria da ci�ncia.
As imedia��es da Cerca Grande foram deixadas depois de tr�s meses e explora��es. Lund e Brandt se instalariam em Lagoa Santa, o que possibilitou as descobertas mais importantes e uma reviravolta cient�fica que mudaria o entendimento da ci�ncia sobre a pr�-hist�ria – um caminho de aventuras que a s�rie de reportagens continua a descrever na pr�xima edi��o.
Em Lagoa Santa, a dupla de estudiosos ficaria at� a morte. Num local amplo, com vista para o lago principal, Lund plantou um pequizeiro, � sombra do qual admirava a paisagem e meditava. Naquele terreno, enterrou seu companheiro de pesquisas e expedi��es, Brandt, em 1862. Ao lado dele, escolheu o pr�prio local de descanso. Foi sepultado, � sombra da �rvore, em 1880. O t�mulo deles e o pequizeiro continuam na cidade.
Entrevista
Nicolai Prytz, Embaixador da Dinamarca no Brasil
“Personagem grande para os dois povos”
Como ser� o anivers�rio de 220 anos do nascimento de Peter Lund no Brasil e na Dinamarca?
Estamos extremamente orgulhosos do trabalho de Lund e o anivers�rio � mais uma oportunidade de expressar esse orgulho. � um personagem que ocupa um local de grande import�ncia na hist�ria da Dinamarca e do Brasil. Uma das poucas figuras que ligam substancialmente os dois pa�ses, principalmente pelo fato de o Brasil nunca ter sido um grande destino de nossa imigra��o, ent�o n�o temos tantas personalidades com liga��o entre os dois pa�ses. Fui algumas vezes a Minas Gerais e a Lagoa Santa, e fiquei muito orgulhoso ao ver como a presen�a dele � forte. � como se fosse uma cidade do Lund. N�o s� pelo busto dele na pra�a, mas porque todos conhecem muito bem sua hist�ria.
Qual a import�ncia de Lund na Dinamarca?
Na Dinamarca, isso � mais forte no ensino das �reas de biologia e ci�ncias naturais. Muito presente em c�rculos mais cient�ficos, onde ele � extremamente conhecido e reverenciado, pois mandou muitas amostras para a Dinamarca e h� caixas com seus guardados que s� foram abertas depois de 100 anos. Lund era refer�ncia na Europa, para cientistas franceses e at� mesmo Charles Darwin usou pesquisas dele como refer�ncia.
Qual sua mensagem aos brasileiros neste anivers�rio de 220 anos de Peter Lund?
Os brasileiros precisam saber que seu respeito por Lund nos faz muito felizes. A Dinamarca � um pa�s pequeno, de 5,6 milh�es de habitantes, e nos deixa muito felizes termos rela��es internacionais com um pa�s como o Brasil n�o pelos interesses econ�micos e pol�ticos, mas por termos um personagem que � grande para os dois povos. Lund tornou o Brasil e a Dinamarca mais unidos.