Edif�cio JK: gest�o de quase 40 anos no pr�dio vira briga na Justi�a
Ap�s elei��o que reconduziu s�ndica para 38� ano � frente das torres de 5 mil moradores, grupo de cond�minos denuncia sucess�o de irregularidade
Vista do JK, que tem popula��o superior � de 223 munic�pios de Minas Gerais: processo eleitoral � contestado em a��o coletiva na Justi�a (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 25/3/21)
Moradores do Conjunto Governador Kubitschek, mais conhecido como Edif�cio JK, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, brigam na Justi�a para anular a elei��o de novembro do ano passado que reelegeu como s�ndica Maria Lima das Gra�as para seu 38º ano de mandato � frente dos pr�dios
tombados
pelo patrim�nio cultural da cidade e que abrigam uma popula��o estimada em 5 mil pessoas, superior � projetada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) em 2019 para 223 munic�pios mineiros. Uma cidade vertical de 1.139
apartamentos
, que movimenta uma receita declarada de pelo menos R$ 7,2 milh�es a cada ano.
Quem se op�e � continuidade da gest�o t�o
duradoura
denuncia diversas ilegalidades que teriam sido cometidas pela atual s�ndica, entre elas aus�ncia de contagem de votos, obst�culos para candidatura de chapas concorrentes – como exig�ncia de fian�a no impressionante valor de R$ 4 milh�es –, n�o apresenta��o de balancetes de forma transparente e a exig�ncia, por parte do condom�nio, de autoriza��o para reformas dentro dos apartamentos. Apesar de procurada, a gestora n�o se manifestou sobre as den�ncias at� o fechamento desta reportagem,
tampouco
sua defesa o fez.
As
pol�micas
com a administra��o do condom�nio s�o t�o antigas quanto o tempo que ela j� dura. E n�o faltam processos envolvendo a s�ndica dos pr�dios. Mas, agora, uma nova gera��o de cond�minos se uniu em uma cruzada para tentar contestar na Justi�a, de forma coletiva, o que classificam como irregularidades. O processo foi formulado em meio a diversas queixas e questionamentos feitos por moradores diante da nova elei��o. Em car�ter de urg�ncia, foi solicitada
liminar
para a suspens�o imediata do pleito.
“A s�ndica eleita em 4 de novembro de 2020 de forma ilegal e
irregular
exerce esse cargo na requerida h� cerca de 30 anos, e desde ent�o as elei��es que organiza n�o acontecem de forma correta”, afirma o documento. “A requerida manipula moradores e resultado, forja votos, usa de trapa�as e mentiras, cria dificuldades para as chapas concorrentes etc.”, diz trecho da
a��o
.
INVESTIDA COLETIVA
O processo �
movimentado
por quatro moradores. "V�rios processos correm contra a administra��o, mas nunca houve uma a��o coletiva. Decidimos nos unir", afirma o consultor e professor de inform�tica Wellington Alves Berloffa, de 57 anos, que mora h� seis no Bloco B do JK e integra a a��o. O grupo afirma contar com apoio de pelo menos outros 100 moradores que participam de uma
organiza��o
pelo WhatsApp. Tamb�m foi criada uma p�gina no Instagram com mais de 1 mil seguidores, incluindo, ex-moradores e ex-funcion�rios.
Antes mesmo da assembleia que vem sendo
questionada
, conforme o
Estado de Minas
mostrou no fim do ano passado, a �nica chapa opositora
, denominada “Nosso JK”, n�o teve tempo h�bil para formalizar a
concorr�ncia
. Julieta Sueldo Boedo, de 48, nascida em Buenos Aires e moradora de Belo Horizonte h� 20 anos, desde 2015 cond�mina do Bloco B do JK,
integrava a grupo e tem o nome inclu�do na peti��o entregue � Justi�a
. Segundo ela, o
comunicado
da assembleia foi divulgado em 30 de outubro – quatro dias antes da reuni�o. Por�m, ela afirma n�o ter recebido o convite em seu apartamento.
“A assembleia foi
convocada
de forma
irregular
, sem o prazo m�nimo de aviso para os moradores, impedindo com isso que mais cond�minos pudessem comparecer. Alguns moradores foram convocados na v�spera, outros nem chegaram a ser informados, e n�o havia nenhum comunicado nas �reas comuns do conjunto, a n�o ser na v�spera”, sustenta Julieta.
No dia da vota��o, os opositores da s�ndica dizem ter sido surpreendidos por um forte esquema de seguran�a, que cerceou a entrada de procuradores regularmente constitu�dos, inclusive de advogados. “Os cond�minos estavam aptos com suas
obriga��es
condominiais e ainda assim foram impedidos de participar por meio de seus procuradores regularmente constitu�dos, devendo a citada assembleia ser declarada nula, pois n�o deixaram todos os condom�nios ter acesso ao local da reuni�o”, sustenta outro trecho da a��o. Julieta afirma que tudo na
assembleia
foi feito para impedir a participa��o dos moradores presentes.
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 25/3/21)
Intimida��es e 'teatro'
Ao fim da assembleia que reelegeu a s�ndica do edif�cio JK, foi inclu�da na pauta a vota��o de exig�ncia de fian�a de R$ 4 milh�es para aqueles que tivessem a
inten��o
de se candidatar ao cargo. O intuito seria “adequar” uma pr�xima disputa ao pleito, mas advers�rios da atual afirmam que a medida inviabiliza qualquer concorr�ncia ao cargo administrativo.
A cond�mina Julieta Boedo afirma ainda que, na assembleia, sofreu humilha��es. “Sofri constrangimento, preconceito e xenofobia. O advogado alegou que eu n�o estava entendendo o portugu�s falado na assembleia, por ser argentina, sendo que sou
tradutora
juramentada concursada de portugu�s e espanhol e formada em letras pela UFMG). No fim da sess�o, a s�ndica disse que o Brasil n�o � uma ditadura como meu pa�s, a Argentina, sendo que a
ditadura
l� terminou em 1983 e hoje � um pa�s democr�tico como o Brasil”, completou.
Outro morador, que preferiu n�o se
identificar
, contou que “as assembleias s�o um grande teatro orquestrado para ela (Maria das Gra�as) sempre se reeleger”. “H� muitos funcion�rios que s�o colocados nas assembleias para fazer coro para ela e de certa forma, intimidar moradores.” O sentimento de medo revelado no pedido de anonimato � percept�vel quando se conversa com quem se op�e � gest�o da s�ndica. At� porque muitos dizem j� ter sido
processados
por se opor a ela.
A pr�pria Julieta, que fazia parte de chapa de oposi��o, afirma ter recebido uma
intima��o
, por iniciativa da s�ndica, em que era acusada de difama��o ap�s dar entrevistas a ve�culos de imprensa sobre a elei��o no JK. Inclusive ao Estado de Minas, que na �poca tentou contato com a s�ndica, mas n�o teve retorno. “Em 4/11/2020, foram publicadas in�meras mat�rias jornal�sticas, nos mais diversos ve�culos de imprensa, em que a requerida, moradora do mesmo condom�nio, em entrevista, fez insinua��es sobre a lisura, a transpar�ncia e a imagem da parte autora”, diz o documento.
A s�ndica incluiu no documento um abaixo-assinado “feito por outros moradores do Condom�nio JK, no qual pedem provid�ncias quanto �s atitudes da r�, pois acreditam que elas possam refletir at� mesmo no valor das unidades imobili�rias
existentes
no condom�nio, desvalorizando seu valor de mercado”.
PROCURA��ES
Outro ponto contestado no processo � a apresenta��o de procura��es que elegeram a s�ndica. "As procura��es que o advogado repete que a
s�ndica
tem, e que lhe d�o maioria em todas as vota��es, em nenhum momento puderam ser verificadas pelos cond�minos, nem por nenhum grupo isento sem v�nculo com a atual administra��o. Ou seja, n�o temos como saber se existem realmente essas procura��es, nem quantas s�o, se s�o vigentes ou se est�o em conformidade com a lei", afirma Julieta.
Moradores
que se op�em � gest�o da s�ndica sustentam ter consultado a ata registrada em cart�rio e l� n�o foi encontrada nenhuma procura��o. “Deveriam ter sido anexadas � ata da assembleia e levadas ao cart�rio para registro, o que n�o foi realizado”, afirma a a��o que questiona o pleito e parte dos votos que levaram a atual s�ndica � reelei��o. “Se em nenhum momento foram apresentadas as procura��es com poderes para vota��o, consequentemente � imposs�vel conhecer o quantitativo de votos que reelegeu a s�ndica, o que demonstra que a vota��o da assembleia � nula de pleno
direito
”, apontou o documento.
Cond�mina desde 2015, Julieta Boedo, que nasceu na Argentina, diz ter sofrido 'constrangimento, preconceito e xenofobia' na assembleia (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 3/11/20)
Balan�o das despesas
A presta��o de contas � uma obriga��o legal dos s�ndicos conforme o artigo 1.348, VIII, do C�digo Civil, ao prever que as contas devem ser prestadas em assembleia ou quando exigidas. E esse � um ponto importante no processo movimentado pelos moradores que se op�em � gest�o de
d�cadas
do JK.
Segundo o processo, ap�s a assembleia que reelegeu a atual gest�o, cond�minos se dirigiram � sede da administra��o geral para ter acesso aos balancetes, no intuito de vistoriar se os documentos est�o em dia com os pagamentos de impostos, empregados e demais obriga��es. Por�m, segundo o grupo de oposi��o, a s�ndica n�o quis apresentar os pap�is, alegando que estavam em poder da
contabilidade
.
“Muito embora os requerentes tivessem visto alguns destes
documentos
nas m�os de determinada funcion�ria na administra��o”, informa outro trecho da a��o. O resultado dos balancetes de mar�o, abril e maio deste ano mostram despesas de mais de R$ 800 mil por m�s. O grupo de moradores que questiona a atual gest�o pede guias de
recolhimento
, comprovantes de pagamento de encargos sociais e de contas, relat�rio de receitas e despesas dos �ltimos cinco anos, extratos banc�rios, valor atual do fundo de reserva, entre outros documentos, para que possam fazer uma auditoria.
Ainda segundo o processo, no dia da
vota��o
, o presidente da assembleia disse que a receita mensal do condom�nio gira em torno de R$ 600 mil. "A pergunta que aqui fica �: como assim gira em torno? Como pode em uma assembleia de presta��o de contas ser trazido valor aproximado?", questiona Julieta.
SIL�NCIO
O
Estado de Minas
tentou entrar em contato com Maria Lima das Gra�as por cinco vezes, durante tr�s semanas, por meio da administra��o do condom�nio. Diante da informa��o de que n�o seria poss�vel fornecer um n�mero para falar diretamente com a s�ndica, contatos foram deixados com os atendentes, com pedido de retorno. Tamb�m houve contato com o
advogado
que a representa na a��o, da mesma forma sem retorno.
Diante da falta de resposta aos relatos dos
denunciantes
, a reportagem buscou em trechos da defesa da s�ndica argumentos que se contraponham �s acusa��es. Em um dos documentos a que o EM teve acesso, o advogado que representa Maria Lima das Gra�as classifica um dos moradores respons�veis pela a��o contra a cliente como “demandante compulsivo" e "morador
antissocial
” e alega que os outros tiveram problemas com a administra��o.
A defesa dela sustenta que os moradores se uniram com o intuito de formar um "grupo
minorit�rio
" de cond�minos, que vem criando "inacredit�veis" problemas ''pelo �nico motivo de a s�ndica ocupar o cargo h� mais de 30 anos.'' Segundo o documento, diante da expectativa fracassada de se candidatar, o grupo busca confundir a Justi�a na tentativa de anular a assembleia, classificada como “
democr�tica
”.
A defesa afirma que a reelei��o da s�ndica ocorreu de acordo com o disposto na Carta de
Conven��o
e nas leis civis. E sustenta que a elei��o de Maria Lima das Gra�as “se deu pela maioria absoluta dos presentes, quase que un�nime, al�m de votos por procura��o”. As alega��es quanto �s irregularidades na presta��o de contas, assim como todas as outras, s�o equivocadas, segundo a defesa, que argumenta ainda que a ata tratou de forma clara e abrangente a assembleia.
Como meio de solucionar as preocupa��es de cond�minos devido, segundo a
defesa
, ao receio de terem o valor de suas propriedades afetado, foi inclu�do na vota��o o arbitramento da fian�a no valor de R$ 4 milh�es, a ser exigida de s�ndicos profissionais que viessem a gerir o condom�nio, e cuja aprova��o se deu pela maioria absoluta dos
votantes
.
Na ocasi�o, foi informado que tal valor corresponderia a aproximadamente seis meses de receita do condom�nio. “Desta feita, note-se que todos os assuntos colocados em vota��o foram aceitos e aprovados por centenas de cond�minos, contra apenas meia d�zia da oposi��o”, argumenta a defesa de Maria das Gra�as.
CIDADE VERTICAL
1.139
N�mero de apartamentos do Conjunto Governador Kubitschek, conhecido como edif�cio JK
34
Total de andares na torre mais alta do JK. A outra tem 22
R$ 7,2 milh�es
Receita anual declarada pelo condom�nio
5 mil
Popula��o estimada que vive nas duas torres, projetadas em 1952 pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012)