
Uma hist�ria iniciada no per�odo imperial, quase oito anos antes de dom Pedro II (1825-1891) deixar o trono e o Brasil, ainda desperta paix�o, curiosidade e, principalmente, interesse por um desfecho. Minas j� teve uma sa�da para o mar, pagou por isso e n�o levou. Por qu�?
Tudo come�ou h� 140 anos, atravessando d�cadas sem resposta e sempre trazendo � tona a compra de uma faixa de terra de 12 quil�metros de largura por 142 quil�metros de extens�o no extremo Sul da Bahia, que acompanhava o leito da antiga Companhia de Estrada de Ferro Bahia-Minas, depois hipotecado ao Banco de Cr�dito Real do Brasil para contra��o de empr�stimo.
A hist�ria da ferrovia – e, por extens�o, do mar de Minas – volta � tona com os debates recentes sobre a reativa��o dos 600 quil�metros de trilhos, na Assembleia Legislativa. Os recursos viriam do acordo judicial a ser fechado devido ao rompimento da Barragem do C�rrego do Fund�o (2015), em Mariana, na Regi�o Central do estado
Voltando � hist�ria do litoral mineiro, da compra de terra e da hipoteca: j� no per�odo republicano, quando houve a liquida��o for�ada do Banco de Cr�dito Real, Minas adquiriu os terrenos por 300:000$000 (trezentos contos de r�is, valor aproximado hoje de R$ 36 milh�es). Mas, apesar do neg�cio pago em t�tulos da d�vida p�blica, o mar nunca banhou o mapa do estado.

O tempo passou e os mineiros ficaram a ver navios – e bem de longe, pois o Oceano Atl�ntico s� aparece mesmo, nessa hist�ria, nas viagens de f�rias e de feriados prolongados.
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Tanto tempo depois, com os novos debates sobre a ferrovia, o Estado de Minas ouve especialista em direito para entender melhor o caso, volta � hist�rica reportagem sobre o litoral de Minas publicada por Fernando Brant (1946-2015), em maio de 1973, e d� voz aos “baianeiros”, mineiros que, ao menor chamado do sol e tempo livre, pegam a estrada rumo ao mar do Sul da Bahia.
Um p� aqui e outro na Bahia
O fim do inverno desperta no banc�rio aposentado Francisco Jos� dos Santos Rocha, de 72 anos, morador de Te�filo Otoni, no Vale do Mucuri, o desejo de trilhar o caminho do mar. Propriet�rio de uma casa de praia em Mucuri (BA), distante cerca de tr�s horas de seu endere�o mineiro, Francisco, nascido em Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, j� planeja com a mulher, Z�lia, e fam�lia, um passeio para dar aquela refrescada.
Conhecedor da hist�ria que ressurgiu na d�cada de 1980, segundo ele, para depois cair no esquecimento das autoridades, Francisco brinca com a hip�tese de Minas ter uma sa�da para o mar. “Acho que s� falta isso, n�? Para o estado ficar completo. Temos tudo, o ideal seria um peda�o salgado.”
Ser ou n�o ser litor�neo – eis a quest�o para muitos mineiros que sentem uma certa nostalgia do mar e, cercados pelas montanhas, imaginam uma vida tranquila sob coqueiros, ouvindo o marulhar das ondas e comendo um peixinho para relaxar. Quer vida melhor? Nascido em Te�filo Otoni e morador de Belo Horizonte h� 23 anos, o banc�rio Bruno Mota Ferreira, de 44, casado, pai de Bernardo, de 9, e Ben�cio, de 3, tamb�m louva as del�cias do Sul da Bahia. “Vou � regi�o desde crian�a, pois meu pai comprou uma casa em Alcoba�a em 1988. Estive l� em julho e voltarei com a fam�lia em janeiro.”
Considerando-se “baianeiro”, Bruno diz que a quest�o territorial n�o importa, pois vale mesmo � a intimidade com o mar. “Mineiro � louco por praia. Em qualquer oportunidade, vai para o Sul da Bahia, Guarapari (ES) ou Cabo Frio (RJ). E temos uma variedade de sotaques, mostrando essa proximidade com os estados vizinhos e a facilidade de deslocamento.”
Sem conhecer a hist�ria que ficou sem desfecho, Bruno diz que os voos para Teixeira de Freitas (BA) e os acessos asfaltados tornam o Oceano Atl�ntico bem mais perto das montanhas, independentemente de a qual estado perten�a a praia.
NO CAMPO DO DIREITO
A hist�ria do “mar de Minas” sempre despertou o interesse do advogado Andr� Mendes Moreira, professor de direito tribut�rio da Universidade Federal de Minas Gerais. De in�cio, ele explica que a compra da faixa de terra pelo governo mineiro n�o significa que o estado tenha aumentado seu territ�rio. “Vamos comparar: Minas tem um escrit�rio de representa��o em Bras�lia (DF), mas isso n�o quer dizer que aquele espa�o fa�a parte do nosso territ�rio. � bem diferente de uma embaixada, que � parte de uma na��o estrangeira em outro pa�s”, explica.
Diante dos fatos hist�ricos, h� v�rias quest�es a serem examinadas antes de se sonhar com uma sa�da para o Atl�ntico. Em primeiro lugar, ressalta Andr�, o valor pago pela faixa de terra n�o foi ao governo da Bahia, mas ao Banco de Cr�dito Real do Brasil ap�s a fal�ncia da Companhia de Estrada de Ferro Bahia-Minas. “O trecho da ferrovia estava hipotecado ao agente financeiro como garantia para contra��o de empr�stimo.”
E o valor pago por Minas ao Banco de Cr�dito Real do Brasil?, pergunta o rep�rter. “Mesmo que o banco tenha sofrido liquida��o h� 111 anos, alguma institui��o o sucedeu, e a massa falida tem suas obriga��es”, explica o advogado tributarista. “Pelo que se sabe, n�o houve o resgate da propriedade imobili�ria. Mesmo o caso ficando em aberto, nada muda a divisa do estado. Valem mesmo a discuss�o e o sonho sobre uma negocia��o a respeito de troca de territ�rio”, acrescenta.
VINDO � TONA
Foi com muita compet�ncia e talento que o jornalista e integrante do Clube da Esquina Fernando Brant publicou na extinta revista “O Cruzeiro”, em 23 de maio de 1973, a reportagem “Olha a� o mar de Minas”. E na m�sica “Ponta de Areia”, em parceria com Milton Nascimento, eternizou a emo��o: “Ponta de areia, ponto final, da Bahia a Minas, estrada natural, que ligava Minas, ao porto, ao mar, caminho de ferro mandaram arrancar...”Na reportagem, o jornalista enfocava o trecho que come�a na divisa dos munic�pios de Serra dos Aimor�s (MG) e Mucuri (BA) e termina no mar, incluindo parte da cidade hist�rica de Caravelas e seus dois distritos, Ponta de Areia e Barra de Caravelas. Mais de quatro d�cadas depois, em 2015, uma equipe do Estado de Minas, formada pelos jornalistas Paulo Henrique Lobato e Beto Novaes, tamb�m esteve na regi�o para mergulhar na hist�ria e trazer os fatos mais uma vez � tona.
Origens do “mar dos mineiros”
Nos trilhos da hist�ria, a pol�mica do suposto “litoral mineiro” come�ou com a Baiminas (Bahia-Minas), a ferrovia que ligou Ponta de Areia (BA) a Ara�ua�, no Vale do Jequitinhonha. Foi inaugurada em 1881 e desativada em 1966. De forma a incentivar a constru��o da linha pela iniciativa privada, dom Pedro II concedeu � Companhia de Estrada de Ferro Bahia e Minas seis quil�metros de terras devolutas em cada uma das margens dos trilhos.O tempo passou e a empresa, enfrentando dificuldade financeira, hipotecou as terras ao Banco de Cr�dito Real do Brasil. Em 1908 (veja linha do tempo abaixo), a institui��o financeira executou a d�vida. Dois anos depois, quando foi a vez de o banco entrar em liquida��o for�ada, o governo de Minas adquiriu as terras em escritura de cess�o de cr�dito e transfer�ncia de direito, com pagamento efetuado por meio de t�tulos da d�vida p�blica.
Vale dizer que Minas jamais se apossou das terras. O assunto caiu no esquecimento por quase quatro d�cadas at� que, em 1948, o ent�o advogado-geral do estado, Darcy Bessone (1910-1997), alertou o governador Milton Campos (1900-1972) sobre o poss�vel mar de Minas. Dias depois, o ent�o secret�rio de Finan�as, Magalh�es Pinto, reiterou a lembran�a.
Escreveu Magalh�es Pinto: “Senhor governador, tenho a honra de submeter � elevada considera��o de Vossa Excel�ncia o presente processo relativo ao dom�nio do estado sobre terras marginais da estrada de ferro Bahia-Minas, no qual se encontra c�pia do parecer emitido pelo doutor advogado-geral do estado, pedindo a Vossa Excel�ncia deliberar sobre a orienta��o que se deva imprimir ao caso”.
Na sequ�ncia, Milton Campos determinou ao advogado-geral que encaminhasse um expediente ao governo baiano. A ordem foi cumprida em 1949: “Tenho a honra de submeter � elevada considera��o de Vossa Excel�ncia os inclusos documentos relativos a terras marginais da Bahia-Minas, de propriedade deste estado (Minas). (…) Como v� Vossa Excel�ncia, exclui-se do dom�nio desse estado (Bahia), ao qual n�o se contesta, todavia, o poder jurisdicional resultante dos limites que o separam do territ�rio mineiro”.
A hist�ria parou por a�. Em resposta ao questionamento do EM, a assessoria do governo da Bahia informou, por e-mail, que “n�o foi localizado, nos arquivos p�blicos do estado, qualquer registro referente a esta transa��o especulada entre Minas Gerais e a Bahia”. J� o governo de Minas n�o se manifestou sobre o assunto. A leg�tima praia dos mineiros segue, portanto, como mais um saboroso peda�o da hist�ria, a ser degustado – quem sabe? – � beira do mar da Bahia.