
Oito de janeiro: sob chuvas intensas, uma encosta de 30 metros de altura com rejeitos de min�rio de ferro desaba sobre o Dique Lisa, da Mina Pau Branco, que continha a �gua das enxurradas. A barreira transborda e inunda a rodovia BR-040, em Nova Lima, na altura do trevo de Ouro Preto. O resultado foi bloqueio de quase um dia para o tr�fego, uma fam�lia removida e a declara��o da estrada como �rea de evacua��o de emerg�ncia, enquanto perduram obras de estabiliza��o das estruturas abaladas no incidente. Dois meses depois, na mesma mina operada pela Vallourec, a empresa sobe outra pilha a 150 metros de barragem de igual finalidade, o que lan�a sobre 400 habitantes de Piedade de Paraopeba, em Brumadinho, o temor de que a hist�ria se repita, desta vez tendo a comunidade como v�tima. Os moradores n�o confiam nas estruturas. J� a mineradora garante a seguran�a da constru��o e afirma que as obras s�o de um vertedouro e uma pilha para receber o material das interven��es.
O temor se fundamenta no desastre de 8 de janeiro, quando parte da Pilha Cachoeirinha, de rejeitos, desabou, causando o transbordando de milhares de metros c�bicos de lama, pedras e detritos sobre a estrada de acesso a destinos como Belo Horizonte, Nova Lima, Ouro Preto e Rio de Janeiro. No mesmo dia, uma inunda��o ocorreu do outro lado, atingindo v�rias casas em Piedade do Paraopeba e obrigando moradores a deixarem suas moradias, por medo de rompimento. O aumento de �gua barrenta veio justamente do Ribeir�o Piedade (C�rrego Carrapato), que desce da Barragem Santa B�rbara, tamb�m da Vallourec. (Veja mapa.)

O que assombra a comunidade s�o as muitas coincid�ncias entre a Barragem Santa B�rbara e o Dique Lisa (que transbordou), a Pilha Cachoeirinha (de onde a encosta desabou) e a Pilha Santa B�rbara. Elas ocorrem desde que um projeto de amplia��o (alteamento) em quatro metros da Barragem Santa B�rbara, oficialmente feita para reter sedimentos e �gua de chuva, foi apresentado � Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad), em 2017. Foi o mesmo ano do projeto de disposi��o de rejeitos a seco na Pilha Cachoeirinha e de sedimentos no Dique Lisa.
Em 4 de abril de 2021, a Vallourec informou a comunidade de Piedade do Paraopeba sobre a necessidade de fazer obras emergenciais para a constitui��o de um novo vertedouro e drenagens para a Barragem Santa B�rbara. O projeto previa, ainda, abertura de uma �rea de 9 hectares de mata atl�ntica para a instala��o de uma pilha para conter o material escavado na interven��o. Foi a primeira vez que a comunidade escutou oficialmente da empresa que haveria obras na barragem e a constitui��o de uma pilha acima, em situa��o semelhante � Pilha Cachoeirinha e do Dique Lisa.
“Sobrepondo as obras que a Vallourec fez no local com os projetos de alteamento de 2017, vemos que � a mesma �rea removida, as mesmas linhas. Pior. No projeto de 2017, consta a palavra rejeito. Temos muita desconfian�a. Ser� que em vez de sedimentos e �gua de chuva v�o trazer rejeitos de min�rio para a barragem ou para essa pilha que est�o fazendo? A Pilha Cachoeirinha (que desabou), antes, tamb�m n�o tinha rejeito, mas depois teve projeto e recebeu (rejeitos)”, questiona Reginaldo de Souza Rosa, integrante da associa��o de moradores de Piedade do Paraopeba e que participou de audi�ncia p�blica sobre o assunto na Assembleia Legislativa de Minas, em 24 de fevereiro. A empresa afirmou que n�o faz e n�o se far� deposi��o de rejeitos nas estruturas.
Integrante da Pastoral da Terra, Alexandre Gon�alves aponta que, em 7 de abril de 2021, quando a Barragem Santa B�rbara acionou o n�vel 1 de instabilidade (necessidade de obras urgentes de estabiliza��o) do Plano de A��o de Emerg�ncia, a empresa se aproveitou para preparar a �rea para receber rejeitos. “A empresa fez uma manobra para ampliar a capacidade da barragem, para aumentar o ac�mulo de rejeitos da sua explora��o. No licenciamento, consta a abertura de �rea para pilha de material da constru��o do vertedouro, mas quando entraram nesse n�vel de emerg�ncia, desmataram 9 mil metros de mata atl�ntica para a Pilha Santa B�rbara. Com todo esse tamanho, n�o � poss�vel s� receber isso. E se depois vier o rejeito e desmoronar, como ocorreu na BR-040?”, pergunta o integrante da pastoral.
“Basta que uma mineradora afirme que sua barragem est� sob risco de colapso para que possa fazer interven��es sob esse pretexto, sem a necessidade de licenciamento, segundo o Decreto Estadual 48.140/2021. Isso precisa ser mudado”, alerta o advogado Matheus Mendon�a, que presta aux�lio jur�dico aos amea�ados por meio da PUC Minas. Ele cita o artigo 18 da Lei Federal 14.066/2020, o qual prev� que em empreendimento com pessoas na Zona de Autossalvamento abaixo do barramento, como ocorre na Santa B�rbara, deve-se descaracterizar a estrutura, ou remover as pessoas ou refor�ar a constru��o, quando for anterior � comunidade. “Piedade tem 300 anos de exist�ncia e a comunidade j� expressou que quer a descaracteriza��o”, afirma o advogado.
Empresa atesta que complexo tem seguran�a
A Vallourec informa, por meio de sua assessoria, que mesmo em fun��o das fortes chuvas nos primeiros dias de janeiro, a Barragem Santa B�rbara continuou operando normalmente, fazendo o papel de controle do fluxo da �gua pluvial. “� importante esclarecer, ainda, que a estrutura da barragem n�o apresentou nenhuma anomalia e que o transbordamento do Dique Lisa n�o tem nenhuma rela��o com a Barragem Santa B�rbara”, acrescenta.
A empresa informou tamb�m que a Barragem Santa B�rbara � monitorada 24 horas por dia, sete dias por semana. “De hora em hora, t�cnicos fazem a leitura dos equipamentos de seguran�a, que medem a press�o no interior da barragem e o n�vel de �gua, bem como detectam qualquer movimenta��o na sua estrutura. Tamb�m s�o feitas inspe��es semanais nos taludes, vertedouros, canais perif�ricos e na cobertura vegetal de seguran�a, para verificar a exist�ncia de qualquer altera��o. Al�m disso, temos c�meras de v�deo instaladas por toda a barragem.”
A Vallourec nega que tenha utilizado a obra de seguran�a como pretexto para amplia��o ou alteamento do barramento. “� totalmente infundada e equivocada (a alega��o). A obra n�o foi de alteamento da barragem. Todas as a��es desenvolvidas na Barragem Santa B�rbara seguem estritamente a legisla��o vigente e as recomenda��es dos entes de regula��o e fiscaliza��o”, conclui a empresa.
Enquanto isso...
...Vazamento em mina da AngloGold
Depois que moradores de comunidades de Sabar� denunciaram polui��o das �guas do C�rrego Cuiab�, que adquiriram uma tonalidade cinza, a mineradora AngloGold Ashanti informou ontem ter identificado vazamento de material no sistema de disposi��o de rejeitos da Mina Cuiab�, na cidade da Grande BH, que atingiram o leito. A companhia sustentou pela manh� que o problema j� havia sido contornado e que o material que chegou ao curso d'�gua n�o seria t�xico. Segundo a AngloGold, trata-se de rocha, que, ap�s passar pelo processo produtivo, � classificado como rejeito n�o perigoso, conforme as normas ambientais. Ainda de acordo com a empresa, a ocorr�ncia n�o tem rela��o com a barragem Cuiab�, que se encontra “segura e est�vel”, com os controles de seguran�a implantados. O N�cleo de Emerg�ncia Ambiental da Funda��o Estadual do Meio Ambiente foi acionado e enviou t�cnicos ao local para avaliarem a extens�o dos danos.