
Sete Lagoas – No meio da noite, um ru�do irrompeu chacoalhando janelas e vidros em Sete Lagoas, a 70 quil�metros de Belo Horizonte. �s pressas, fam�lias assustadas sa�ram �s ruas do Bairro Novo Horizonte. M�es com filhos enrolados em cobertores e idosos sem ideia do que ocorria temiam que suas casas desabassem.
"Foi um desespero. Todos na rua com medo. O estrondo foi parecido com uma batida de caminh�o, mas que durou mais tempo. As janelas tremiam. Os arm�rios batiam. Foi assustador. Meu filho de 7 anos ficou apavorado. Meu marido e eu, que estou gr�vida de 7 meses, tamb�m. O pior � n�o saber o que causou isso, se � um terremoto", contou a comerciante Rafaela Avelar de Assis, de 33, uma das pessoas que sentiram mais de perto os efeitos de pelo menos cinco tremores de terra que abalaram neste ano a cidade da Regi�o Central de Minas Gerais.
A pergunta de Rafaela e de habitantes dos munic�pios vizinhos de Prudente de Morais, Capim Branco, Paraopeba e Curvelo sobre o que de fato causou os tremores de terra que perceberam pelo barulho e no chacoalhar de suas casas ainda n�o foi respondida.
For�a-tarefa liga tremores em Sete Lagoas � geologia e ocupa��o urbana

"N�o d� para ter certeza, ainda, mas tudo se encaminha para que seja mesmo uma acomoda��o do leito c�rstico (terrenos onde a eros�o qu�mica da �gua na rocha subterr�nea criou t�neis, fendas, cavernas e rios) da regi�o. � o que ganha terreno entre muitos dos especialistas nesse primeiro momento", disse ao EM o secret�rio municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econ�mico e Turismo de Sete Lagoas, Edmundo Diniz, que coordena a for�a-tarefa.
Al�m da secretaria, o grupo � composto por representantes de outros �rg�os municipais, al�m de especialistas do Observat�rio Sismol�gico da Universidade de Bras�lia (UnB) e do Centro de Sismologia da Universidade de S�o Paulo (USP).
Sete Lagoas pede apoio para identificar origem de tremores de terra
"H�, sim, uma grande possibilidade de os tremores estarem relacionados ao substrato c�rstico, com composi��o de rochas carbon�ticas", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SPE), Jos� Roberto Cassimiro, que � ge�logo, com trabalhos na �rea de cavernas e geotecnia e esteve na semana passada na cidade mineira.
A tese ganha for�a diante da realidade geol�gica e o hist�rico de ocupa��o de Sete Lagoas. Fundada h� 141 anos, a cidade se abasteceu exclusivamente de �gua retirada do subterr�neo at� sete anos atr�s, secando essa rede de t�neis e cavernas. O munic�pio chegou, hoje, a 243 mil habitantes, mas s� em 2015, quando tinha 230 mil, depois que a cidade j� havia consolidado seu crescimento, � que 60% de seu abastecimento passou a ser feito com �gua do Rio das Velhas.
Contudo, j� naquela �poca, a expans�o urbana de asfalto e concreto havia impermeabilizdado o solo, impedindo a recarga da �gua subterr�nea pelas chuvas, e a verticaliza��o imp�s ainda mais peso e press�o �s galerias esvaziadas.
O professor de qu�mica Luci- ano Faroa, doutor em hist�ria da ci�ncia e ex-diretor da SBE, faz uma analogia entre os efeitos do esvaziamento dessa rede de t�neis e galeriass com os impactos de um pneu murcho sobre a estabilidade do autom�vel.
"� como pensar em um pneu de carro. Se voc� tira o ar de dentro, diminui a press�o e o pneu fica murcho, n�o consegue sustentar o carro. A mesma coisa acontece quando voc� tira a �gua que preenche os vazios das cavernas, o teto n�o aguenta e pode come�ar a desabar. Isso gera tremores de baixa intensidade, mas pode ser prejudicial �s constru��es que est�o pr�ximas ou mesmo acabar por desmoronar, gerando abatimentos na superf�cie, que chamamos de dolinas", compara o professor Luciano Faria.
LAGOAS ESVAZIADAS
O rebaixamento do len�ol de �gua subterr�nea vem sendo sentido e acompanhado com preocupa��o pelas autoridades municipais, especialistas e ambientalistas h� anos, sendo que, em 2014, muitas das lagoas que d�o nome ao munic�pio estavam secando. Praticamente todas elas s�o formadas pelas dolinas, que s�o abatimentos de solos de cavernas e que permitem o afloramento da �gua subterr�nea. Quando essa �gua � drenada, a lagoa perde volume. A que mais sofre com isso, segundo os estudos municipais da �poca, � a Lagoa Grande, que hoje tem menos de um ter�o do seu volume.
Al�m do abastecimento urbano, atividades industriais e agr�colas tamb�m consomem a �gua subterr�nea e colaboram pela drenagem dos t�neis e cavernas. Oficialmente, segundo o Servi�o Geol�gico Brasileiro (CPTM), h� 223 po�os tubulares ativos em Sete Lagoas, mas n�o h� estimativas de quantos po�os n�o declarados ou irregulares atuam. O munic�pio conta, ainda, com 829 hectares (ha) irrigados, de acordo com a Ag�ncia Nacional de �guas (ANA), sendo que 274ha s�o de culturas anuais em piv�s centrais e 555ha de outras culturas e sistemas.
Outra poss�vel causa dos tremores � a libera��o de tens�es tect�nicas no subterr�neo. “Movimentos de crosta terrestre geram libera��o de tens�es. Essa energia se espalha em ondas s�smicas que abalam a superf�cie. A Serra de Santa Helena, em Sete Lagoas, � parte da Serra do Espinha�o, uma �rea de tens�o onde ocorreu um choque de blocos de crosta e que permitiu �reas fr�geis onde essas tens�es acabam sendo liberadas", afirma Allaoua Saadi, professor titular do Instituto de Geoci�ncias da UFMG.
Isso � corroborado como hip�tese a ser verificada pelo professor Marcelo Peres Rocha, chefe do Observat�rio Sismol�gico da UnB. “Normalmente, esses tremores, no Brasil, s�o devido a al�vios das tens�es tect�nicas em ac�mulo e que chegam ao limite da ruptura das rochas”, descreve.

Trincas em casa e vidros quebrados
Enquanto a for�a-tarefa montada pela Prefeitura de Sete Lagoas inicia os estudos para identificar a causa de tantos tremores, a popula��o descreve danos a edifica��es, que ampliam a sua preocupa��o. Depois de ter ido para a rua com seus familiares e vizinhos ao ver a sua casa tremendo, a comerciante Rafaela Avelar de Assis, de 33 anos, conta que, em um dos demais tremores, as ondas s�smicas (a energia do fen�meno se propagando pelo solo) espatifaram a porta de vidro temperado que separa a garagem dos fundos na casa da m�e dela, no Bairro Novo Horizonte.
No acesso, s� restaram as dobradi�as e a falsa testa da porta ainda presas � parede. O vidro verde estilha�ado encheu um caixote de papel�o. "Imagine o susto que a minha m�e levou quando essa porta de vidro inteira veio abaixo, deixando esses milhares de cacos de vidro afiados. Na hora, voc� n�o sabe se tem algu�m invadindo a casa ou se o tremor vai derrubar a casa toda", relata a comerciante.

Assim como ela, muitas pessoas, sobretudo nos bairros vizinhos de S�o Crist�v�o, Mata Grande e Vale das Palmeiras, relataram trincas nas paredes e vidros quebrados que relacionaram aos tremores. No im�vel da dona de casa Terezinha Lima dos Santos, de 71, no Bairro Vale das Palmeiras, surgiu uma trinca de 1,5 metro que desce pela parede do teto em dire��o ao solo, depois da s�rie de tremores.
“Fico com medo dessas coisas, mas a gente fica na m�o de Deus. Quando escuto, acho que parece uma bomba muito forte e que demora na explos�o. Depois disso � que apareceu no dormit�rio de visitas uma trinca que n�o tinha. Na casa n�o tem nenhuma trinca. Mas n�o avisei � Defesa Civil, porque fico com medo de quererem me tirar daqui”, disse.
A irm� dela, a tamb�m dona de casa Serenita Ant�nia de Jesus, de 80, � moradora do Bairro S�o Crist�v�o e por dormir sempre mais tarde, conta que ouve muitos dos estrondos e percebe as janelas tremendo. “O �ltimo (abalo) foi na madrugada de quarta-feira (1º/6). Est� tendo sempre. Este �ltimo at� balan�ou a casa. A janela treme. Mas fiquei em paz, porque � coisa de Deus, ent�o Ele sabe o que faz”, disse.
Segundo o coordenador da for�a-tarefa e secret�rio municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econ�mico e Turismo de Sete Lagoas, Edmundo Diniz, descobrir as causas dos tremores trar� tranquilidade para a popula��o. “As pessoas est�o preocupadas. Tem muita informa��o que n�o � real e gera p�nico. Gente dizendo que s�o explos�es em pedreiras. Queremos dissipar esse clima de inseguran�a”, disse.
BAIXA INTENSIDADE
O n�mero exato de tremores neste ano, em Sete Lagoas, � um dado controverso, girando entre cinco e sete registrados pelas medi��es dos sism�grafos da rede da Universidade de Bras�lia (UnB) e da Universidade de S�o Paulo (USP), entre abril e junho, sendo as intensidades entre 1,7 e 3 pontos da escala de momento ou que ainda se referem � Escala Richter, que mede o poder do tremor e at� hoje n�o chegou a 10.
Mas os relatos da popula��o s�o diferentes, com at� cinco sendo relatados em hor�rios diferentes do mesmo dia, podendo se tratar de efeitos de um �nico evento ou realmente acontecimentos distintos, segundo os especialistas.
Um dos desabamentos ocorridos no subterr�neo do terreno c�rstico, segundo o coordenador da for�a-tarefa, Edmundo Diniz, foi registrado pela UnB em 29 abril, e atingiu 3 graus, o que � considerado um pequeno sismo, que � sentido com frequ�ncia, mas raramente causa danos. (Veja a tabela acima.) "Foi registrado pelos sism�grafos da UnB esse desabamento. Mas n�o � em uma caverna pr�xima, mas a 14 quil�metros de profundidade", afirma Diniz. (MP)