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Estado de Minas Esquizofrenia

Pacientes sofrem tamb�m com a incompreens�o

Preconceito, viol�ncia e falhas na assist�ncia m�dica s�o alguns dos entraves enfrentados por quem recebe o diagn�stico do dist�rbio


01/08/2022 18:54

Protesto pela morte de Genivaldo dos Santos
Protesto pela morte de Genivaldo dos Santos, esquizofr�nico, causada pela viol�ncia de agentes da Pol�cia Rodovi�ria Federal, em Umba�ba, Sergipe (foto: Mauro PIMENTEL / AFP - 28/5/22 )


�s 11h de 25 de maio, uma quarta-feira, Genivaldo dos Santos, 38 anos, trafegava, de motocicleta, no km 180 da BR-101, em Umba�ba, em Sergipe. No bolso, carregava uma cartela de comprimidos, parte do tratamento para uma doen�a com a qual fora diagnosticado aos 18. Abordado com trucul�ncia por tr�s policiais rodovi�rios federais porque n�o usava capacete, o homem ficou nervoso e questionou a opera��o.
 
Segundo o sobrinho, que testemunhou a cena, mesmo informados que Genivaldo tinha esquizofrenia, os agentes bateram nele e o encerraram no cambur�o da viatura, n�o sem antes jogarem spray t�xico no compartimento. Quase seis horas depois, o laudo do Instituto M�dico Legal (IML) apontou a causa do �bito. Assim como centenas de milhares de doentes mentais que padeceram no regime nazista alem�o, exterminados em c�maras de g�s, ele morrreu por asfixia mec�nica e insufici�ncia respirat�ria.
 
A viol�ncia contra pacientes psiqui�tricos, incluindo os com esquizofrenia, � documentada h� mil�nios. At� muito recentemente, eles foram isolados, tratados como p�rias, julgados, condenados e executados maci�amente tanto em atos genocidas, como o j� bem conhecido exterm�nio em instala��es nazistas, quanto em epis�dios como o que matou Genivaldo.
 
Diversos estudos constataram que, comparado � popula��o em geral, pacientes com dist�rbios mentais sofrem mais viol�ncia f�sica e psicol�gica. Um deles, realizado com dados de sete pa�ses europeus, mostrou que pessoas com sintomas psic�ticos relatam um alto �ndice de vitimiza��o f�sica: at� 37,8% sofreram algum ataque do tipo no ano anterior � pesquisa. N�o � toa, segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), pessoas com esquizofrenia vivem at� 25 anos menos do que as que n�o t�m o dist�rbio. Os fatores que contribuem para a mortalidade precoce incluem neglig�ncia com cuidados m�dicos e suic�dio.
 
Viol�ncia 
dentro de casa 
 
Outro artigo, divulgado na Revista de Epidemiologia e Sa�de P�blica, uma publica��o francesa, constatou que 82,1% das mulheres e 86,1% dos homens com diagn�stico psiqui�trico foram vitimizados ao longo da vida. No Brasil, um estudo de revis�o da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com dados nacionais encontrou percentuais de viol�ncia contra 57% das mulheres e 58% dos homens. Os principais algozes, mostrou a pesquisa, foram os pr�prios parceiros, mas tamb�m houve relatos de agress�es dentro de institui��es de sa�de, por outros internos e por funcion�rios. “Os lugares de ocorr�ncia foram predominantemente o ambiente dom�stico para mulheres e as ruas para homens”, diz o trabalho, publicado na Revista de Psiquiatria Cl�nica.
 
“H� um estigma que associa muito o paciente de esquizofrenia � viol�ncia. Por�m, eles s�o muito mais v�timas do que algozes”, afirma o psiquiatra Leonardo Palmeira, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor, entre outros, do livro “Entendendo a esquizofrenia: como a fam�lia pode ajudar no tratamento”. Embora os pacientes possam cometer atos violentos, estudos epidemiol�gicos constataram que isso � mais comum em um pequeno subgrupo que tem hist�rico de viol�ncia familiar e de abuso de subst�ncias.
 
Al�m disso, especialistas associam o estere�tipo ao fato de not�cias sobre crimes cometidos por pacientes mentais receberem mais destaque do que os perpetrados por pessoas sem diagn�stico. Filmes e seriados tamb�m contribuem para isso. Um artigo publicado na revista Psychiatric Services mostrou que, em 41 filmes estudados, a maioria dos personagens com esquizofrenia cometia atos violentos contra eles mesmos ou outras pessoas, e quase um ter�o deles era caracterizado como homicidas em potencial.
 
“O setor de entretenimento � frequentemente citado como um dos contribuintes para a forma��o e o refor�o de desinforma��o e atitudes negativas sobre a doen�a mental”, relata a autora, Patricia R. Owen, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de St. Mary, nos Estados Unidos. “Os filmes populares s�o considerados influ�ncias especialmente poderosas na forma��o de atitudes sobre a doen�a mental”, destaca.
 
Outro equ�voco sobre a esquizofrenia, segundo o psiquiatra Leonardo Palmeira, refere-se ao tratamento. Embora os medicamentos sejam importantes para lidar com os chamados sintomas positivos — alucina��es, del�rios, confus�o no pensamento e movimentos descoordenados —, eles s�o apenas parte de uma abordagem que, de acordo com o pesquisador da UFRJ, precisa ser multifatorial.
 
“Milh�es de pessoas em todo o mundo vivem com esquizofrenia, mas muitas n�o recebem o tratamento e apoio de que precisam”, destaca Gordon Lavigne, CEO da organiza��o internacional Schizophrenia & Psychosis Action Alliance. “Essa lacuna � causada pelas complexidades da pr�pria condi��o, mas tamb�m pelo estigma social, limita��es do sistema de sa�de, discrimina��o e baixo reembolso do tratamento”, concorda. “A esquizofrenia � uma doen�a cerebral trat�vel que merece a mesma urg�ncia e aten��o que qualquer outra doen�a cr�nica baseada em �rg�os”, acredita. 
 
Ilustração
 
 
Projeto 
terap�utico 
 
Para Palmeira, o erro come�a na abordagem. O psiquiatra lembra que a maioria dos pacientes se assusta com o diagn�stico e, como os sintomas positivos parecem reais, pode se negar a receber tratamento. Em vez de apenas prescrever os rem�dios, o m�dico ressalta a necessidade de questionar as pessoas com esquizofrenia sobre como a vida delas tem sido afetada pelos sintomas negativos — a vontade de se isolar, o des�nimo para fazer qualquer coisa, a perda de interesse por coisas que antes eram prazerosas. “Muitas vezes, o paciente deixa de estudar, de trabalhar, por causa da esquizofrenia. � nisso que o m�dico deve focar e apresentar um projeto terap�utico do qual a medica��o � s� uma parte”, diz.
 
Terapia familiar, treinamento vocacional, reabilita��o cognitiva e participa��o em atividades art�sticas comunit�rias s�o algumas das estrat�gias que ajudam o paciente a recuperar a funcionalidade. “� perfeitamente poss�vel uma recupera��o sem reca�das, e muitos podem at� n�o precisar mais de rem�dios”, afirma Palmeira. Para isso, por�m, a sociedade precisa se envolver. “A incompreens�o em rela��o aos sintomas faz muitas pessoas criticarem o paciente e, quando ele se retrai, aumentam os riscos de crises, medicamentos e hospitaliza��es”, diz.
 
A partir da d�cada de 1970, o Brasil come�ou a discutir uma nova abordagem terap�utica, que j� vinha sendo adotada, 20 anos antes, nos Estados Unidos e na Europa. Em 2001, a reforma psiqui�trica foi sancionada no pa�s, com a substitui��o dos manic�mios e hosp�cios pelos centros de aten��o psicossocial (CAPs). Segundo o Minist�rio da Sa�de, hoje existem mais de 2,6 mil espalhados pelo pa�s. O n�mero, por�m, � considerado insuficiente: somente com diagn�stico de esquizofrenia, a estimativa epidemiol�gica � de entre um e sete casos por 10 mil habitantes.
 
O sucateamento da �rea da sa�de mental, que sofreu cortes de programas nos �ltimos seis anos, � uma preocupa��o de especialistas. “Os tratamentos, que j� eram limitados, sofreram um retrocesso enorme desde 2016, com sucateamento dos servi�os comunit�rios”, lamenta Leonardo Palmeira. 
 

"Ter a consci�ncia do problema pode n�o resolver, mas ajuda muito"

 
 
Depoimento 
 
"N�o sou um diagn�stico"
 
“Aos 30 anos, tive o primeiro surto. Comecei com muita mania de persegui��o. Eu via as pessoas e achava que estavam falando de mim. Para fugir delas, larguei o emprego de operador de som, sa� da minha cidade (Tim�teo, MG) e comecei a viajar. Sete meses depois, tive outro surto. Achava que as pessoas queriam me matar. Fui embora para Belo Horizonte e cheguei a tomar veneno de rato. Eu n�o tinha diagn�stico e achava que essas vozes eram de ordem espiritual. Eu tinha um complexo messi�nico, achava que tinha de ser sacrificado, sentia uma culpa exagerada, porque, na esquizofrenia, tudo � exagerado. Desde os 17 anos, eu morava sozinho. Minha m�e tamb�m tinha esquizofrenia, mas ela negava.
 
Em BH, passei a morar na rua. Tive a sorte de encontrar uma boa pessoa que me ajudou a ter tratamento e aux�lio-doen�a. Mas as consultas sempre foram muito r�pidas, os m�dicos n�o me ouviam e, em cinco minutos, preenchiam uma receita. Tive muito efeito colateral, andava sem parar, como se a perna tivesse vontade pr�pria, a musculatura n�o relaxava. Depois eu soube que esse efeito pode ser diminu�do com o uso de outro medicamento, mas, morando nas ruas, eu nem imaginava isso.
 
Eu tamb�m sentia muito sono e lentid�o, n�o conseguia trabalhar. At� que fui atendido por um bom psiquiatra em um hospital. Melhorei os sintomas e comecei a pesquisar na internet, fiz um curso de computa��o em 2012 e, ent�o, passei a me informar melhor e ver que n�o estava sozinho, que n�o era s� comigo. Isso foi fundamental no meu tratamento. Ter a consci�ncia do problema pode n�o resolver, mas ajuda muito. De vez em quando, ainda ou�o vozes, mas eu consigo raciocinar e perceber que n�o s�o reais. Por exemplo, pensei que uma pessoa que estava a 30m estava rindo de mim. Mas, ent�o, vi que isso era imposs�vel, porque eram sussurros, e ela estava distante.
 
N�o somos culpados, mas a sociedade sempre joga a culpa na gente por tudo. Al�m de sofrer com o transtorno, temos de lidar com o preconceito. Voc� tem de ser perfeito. As pessoas falam que quem tem esquizofrenia � violento, eu tinha at� medo de me tornar violento por causa disso e ficava pensando: 'mas eu nunca nem bati em ningu�m!' Mas, me conhecendo melhor, hoje, sei que n�o sou um r�tulo, n�o sou um diagn�stico.” 
 

J�lio C�sar, 53 anos. O entrevistado pediu para n�o ter o sobrenome publicado 
 
 
 
 


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