O estudante Charles Wallace dos Reis Aguiar, de 23 anos, aluno de Hist�ria na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), foi encontrado morto na madrugada do �ltimo domingo (21/8), na delegacia da Policia Militar de Ouro Preto, enforcado com um tirante para canecas.
Segundo a Pol�cia Militar, Charles, que era negro, gay e militante de movimentos sociais, foi detido ap�s uma discuss�o com seu namorado, na noite de s�bado (20/8), em Mariana, quando ele teria desacatado os policiais chamados para apartar a confus�o. Levado � delegacia de Ouro Preto, Charles foi colocado em uma cela e, momentos depois, encontrado sem vida.
Apesar da pol�cia sustentar a vers�o de suic�dio, amigos, a Ufop, institui��es estudantis e figuras pol�ticas cobram explica��es sobre o caso, que consideram pouco esclarecido.
‘Ele estava machucado’
Segundo uma fonte pr�xima de Charles, ele ser um homem negro e gay pode ter influenciado na forma em que foi tratado pelos policiais. Al�m disso, segundo a mesma fonte, ele foi encontrado com o rosto machucado.
"O Charles tinha uma tatuagem do s�mbolo do comunismo no bra�o, somado ao fato dele ser negro, gay e estar brigando com o namorado, faz com que qualquer coisa que ele tenha falado � pol�cia j� d� o aval de um tratamento mais bruto. Ele estava todo machucado no rosto, ent�o eu acho que ele apanhou. Ele deve ter apanhado bastante."
O fato de Charles estar com um tirante de canecas numa cela tamb�m gerou cr�ticas da fonte.
"Como voc� prende uma pessoa numa cela com um tirante de canecas, cadar�o do t�nis e n�o tira isso da pessoa? Isso � protocolo. Acho que faltou protocolo na maneira como lidaram com ele."
Uma outra fonte afirmou que os policiais sabiam da exist�ncia do tirante, sendo ele devolvido ao Charles.
"No caminho para Ouro Preto, o tirante estava na frente da viatura, com os policiais. Ao descer da viatura, o cord�o chegou a cair no ch�o, mas o pr�prio policial o colocou no bolso de Charles. N�o sabemos se o PM esqueceu de peg�-lo antes de levar o Charles para a cela."
Vers�o da Pol�cia Militar
Procurado pelo Estado de Minas, o 52º Batalh�o de Pol�cia Militar, que opera nas cidades de Mariana e Ouro Preto, respondeu que “em casos de autoexterm�nio, n�o fazemos a divulga��o de dados da ocorr�ncia.”
Apesar da negativa, um policial que esteve de plant�o no dia da morte de Charles deu uma declara��o ao site Ag�ncia Primaz, onde narrou a vers�o da pol�cia na din�mica dos fatos.
Segundo o PM, a guarni��o foi acionada para conter uma discuss�o acalorada, com agress�es f�sicas, numa travessa entre as ruas Wenceslau Br�s e Marqu�s de Pombal, ambas em Mariana, por volta das 20h30 de s�bado. Chegando ao local, os policiais encontraram Charles e seu namorado e conversaram com ambos, at� que os �nimos se acalmassem. Quando a briga foi apartada, o namorado de Charles saiu da cena, e os policiais ent�o deixaram o local.
Na vers�o do policial, em seguida, pouco depois, houve outro chamado para as proximidades, e outra viatura foi destacada para o local. Chegando l�, os dois estavam novamente em discuss�o. Os policiais mais uma vez apartaram a confus�o e o namorado de Charles teria entrado em uma casa. Quando a viatura se afastou novamente, os policiais afirmaram ter ouvido gritos e voltaram ao local.
Ao tentar apartar novamente a briga, os PMs disseram que Charles teria desacatado um dos militares e recebeu voz de pris�o. O namorado de Charles e uma amiga voltaram para a rua e todos foram encaminhados primeiro � policl�nica de Mariana, para a realiza��o de exames de corpo de delito, onde, de acordo com a pol�cia, Charles teria amea�ado um policial, al�m de ter resistido � pris�o. "Essa � a �ltima pris�o que voc� ir� fazer", teria dito o estudante.
Em seguida, o policial afirmou que os envolvidos foram levados para a delegacia de Ouro Preto. L�, a ocorr�ncia come�ou a ser lavrada, e Charles foi conduzido para uma cela, enquanto o namorado e sua amiga ficaram no p�tio da delegacia.
Durante os procedimentos, a Pol�cia Militar afirmou ter feito a revista no rapaz, encontrando em seus bolsos um celular e um ma�o de cigarros. Sobre o tirante, a PM alegou que o jovem n�o estava com nenhuma caneca. Conforme as autoridades, a revista foi padr�o, e o cord�o poderia ter sido escondido nas roupas do jovem.
Charles ent�o teria ficado na cela enquanto os procedimentos de praxe da PM eram feitos. De acordo com a vers�o policial, um militar foi at� a cela onde o rapaz estava duas vezes para ver se tudo estava bem. Durante a terceira checagem, o militar teria encontrado o estudante sem vida. A pol�cia afirmou que o Samu foi chamado, mas nada p�de ser feito.
Segundo a vers�o policial, o per�odo entre a chegada na delegacia e a morte de Charles foi de, aproximadamente, uma hora, pois eles deram entrada pouco depois das 1h da manh� do domingo, e o jovem foi encontrado sem vida �s 2h30.
Nota da Ufop
Em nota, a Ufop prestou solidariedade a amigos e familiares de Charles e afirmou que “A Administra��o Central est� solicitando mais informa��es sobre o ocorrido, assim como uma apura��o rigorosa para que n�o haja d�vidas sobre os fatos.”
Leia a nota da Ufop na �ntegra:
“� com pesar que a Universidade Federal de Ouro Preto comunica o falecimento de Charles Wallace dos Reis, aluno do curso de Hist�ria.
Charles faleceu neste domingo (21), em Ouro Preto, em circunst�ncia ainda n�o esclarecida. A Administra��o Central est� solicitando mais informa��es sobre o ocorrido, assim como uma apura��o rigorosa para que n�o haja d�vidas sobre os fatos.
O Instituto de Ci�ncias Humanas e Sociais (ICHS) se manifestou em nota:
� com extremo pesar e luto que comunicamos a perda de nosso querido aluno Charles Wallace dos Reis. Neste momento de dor, em que buscamos entender ainda o que aconteceu, o ICHS manifesta solidariedade aos familiares, aos amigos mais pr�ximos que com ele conviviam na Rep�blica Canga�o e, tamb�m, aos alunos do Instituto, expressando as mais sinceras condol�ncias. Que possamos nos restabelecer da dor e, juntos, nos fortalecer".
A comunidade acad�mica se solidariza com familiares e amigos.”
Pedido de informa��es
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Universidade Federal de Ouro Preto buscando saber quais foram as atitudes tomadas pela administra��o central da institui��o. De acordo com a assessoria de comunica��o da Ufop, a universidade entrou em contato com a OAB-MG e a Comiss�o de Direitos Humanos da OAB para prestar apoio jur�dico aos familiares.
"Informamos que foram feitos contatos com o vice-diretor da OAB-MG, Subse��o de Ouro Preto, Lucas de Assis Sena Santos, para que a entidade pudesse fazer acompanhamento junto � fam�lia do jovem, assim como atuar com a Comiss�o de Direitos Humanos da OAB-MG/Ouro Preto para verificar o ocorrido na Delegacia."
Al�m disso, a institui��o buscou apoio da Comiss�o de Diversidade Sexual e G�nero da OAB-MG e, segundo ela, foi procurada pela Comiss�o de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG.
"Tamb�m foi feito contato com o professor Alexandre Bahia (UFOP), vice-presidente da Comiss�o de Diversidade Sexual e G�nero da OAB-MG, solicitando tamb�m apoio para verifica��o do ocorrido. A partir desse contato, fomos procurados pela Comiss�o de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG, a partir de assessores parlamentares da presidenta da comiss�o, deputada Andreia de Jesus, que ofereceu apoio para a fam�lia e refor�o na solicita��o de explica��es."
De acordo com a Ufop, familiares e moradores da rep�blica onde Charles morava tamb�m foram procurados pela institui��o, sendo colocados em contato com as comiss�es que acompanham o caso. Tamb�m foram pedidas informa��es adicionais para a Pol�cia Militar.
"Internamente, por meio da Pr�-reitoria de Assuntos Comunit�rios e Estudantis (Prace), que participou de todas as media��es citadas, foram realizadas reuni�es com fam�lia do estudante para prestar condol�ncias e coloc�-los em contato com as comiss�es que est�o acompanhando o caso, ocorrendo o mesmo com os moradores da Rep�blica onde o aluno morava. Ainda, via Reitoria, est� sendo encaminhado of�cio para o Delegado Regional de Ouro Preto solicitando informa��es sobre o falecimento do aluno ocorrido nas depend�ncias da Delegacia."
“Justi�a por Charles”
Outra das manifesta��es sobre o caso partiu do Centro Acad�mico de Hist�ria da Universidade Federal de Ouro Preto (Cahis), que, em nota, prestou condol�ncias, mas tamb�m cobrou explica��es e “justi�a por Charles”. No texto, o Cahis ainda afirmou que repudia “qualquer atitude racista e homof�bica que pode ter conduzido a situa��o da maneira em que se deu”.
A reportagem do Estado de Minas conversou com o Cahis, que cobrou uma investiga��o minuciosa do caso.
"A gente precisa cobrar das autoridades que elas fa�am uma investiga��o mais apurada. Quem garante que foi um suic�dio? Temos acolhido familiares e a rep�blica onde Charles morava. Pretendemos levar as lutas e pautas de Charles adiante. Ele era do Cahis. � algo muito triste."
O CA ainda criticou o abuso policial recorrente no Brasil. "Sempre que vemos not�cias de jovens que morrem pela PM ficamos revoltados, mas, quando acontece com um dos nossos, a gente v� muito mais nitidamente o tamanho e a gravidade desse problema. Pode, sim, existir racismo e homofobia inclu�dos. A gente vive no Brasil, � muito preconceito. A quest�o � o abuso de poder. Sob tutela deles, o corpo aparece morto? As coisas est�o muito confusas. A gente n�o sabe o que aconteceu dali pra dentro."
Leia a nota do Cahis, na �ntegra:
'Primeiramente, diante do falecimento de nosso querido amigo Charles Wallace Dos Reis Aguiar, gostar�amos de desejar nossos sentimentos � fam�lia e � Rep�blica Canga�o.
O CAHIS (Centro Acad�mico de Hist�ria), a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), o movimento pol�tico e a educa��o brasileira perdem uma pessoa de muita for�a e coragem, que n�o se calava diante das injusti�as e que tinha pela frente um futuro de muitas conquistas.
Charles dava a vida pelas causas e vivia por elas, para honrar sua enorme for�a e coragem, levaremos suas lutas adiante. Sempre foi quem era, pura e verdadeiramente; cheio de vida, de um carisma e car�ter admir�veis. Nunca deixou de acreditar e lutar pelo que lhe cabia.
N�s exigimos justi�a por Charles! Exigimos que o caso seja investigado a fundo e melhor esclarecido; n�o aceitaremos sermos reprimidos pela Pol�cia Militar, pela for�a que deveria nos proteger.
Repudiamos qualquer atitude racista e homof�bica que pode ter conduzido a situa��o da maneira em que se deu. Em um mundo onde ser preto, gay e politizado � o mesmo que segurar um alvo, viver � um ato de insurrei��o.
Charles, presente!
“A liberdade � a possibilidade de ser feliz sem medo” - Odo Marquand.'
Comiss�o de Direitos Humanos
Apesar da vers�o policial, familiares e �rg�os pol�ticos n�o se mostram satisfeitos com as explica��es. A deputada estadual Andr�ia de Jesus (PT/MG), presidenta da Comiss�o de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, publicou em seu Twitter sobre o caso, afirmando que “a fam�lia do jovem tem d�vidas sobre a hip�tese de suic�dio e exige que o Estado explique o motivo pelo qual algu�m sob sua responsabilidade tenha morrido sem explica��o".
A deputada ainda falou sobre os pr�ximos passos da Comiss�o de Direitos Humanos. Veja as declara��es de Andr�ia na �ntegra:
'DEN�NCIA
#Comiss�odeDireitosHumanos
Recebemos den�ncias de que, no �ltimo dia 20, por volta de 20:30, um jovem negro homossexual foi conduzido pela pol�cia, ap�s uma suposta briga com seu namorado, e depois foi encontrado morto.
Este triste fato teve in�cio na cidade de Mariana/MG e terminou em uma delegacia de Ouro Preto/MG. Segundo relatos, �s autoridades disseram que ele se enforcou, mas n�o deram as explica��es devidas.
A fam�lia do jovem tem d�vidas sobre a hip�tese de suic�dio e exige que o Estado explique o motivo pelo qual algu�m sob sua responsabilidade tenha morrido sem explica��o.
Assim que recebeu a den�ncia, a Comiss�o de Direitos Humanos:
1- Conversou com Universidade de Ouro Preto - Professor Alexandre Bahia e Pr�-Reitora Natalia Lisboa;
2- Informou aos representantes do representante - CELLOS e Abglt;
3- Ligou para a fam�lia e prestou solidariedade;
4- Recebeu o Boletim de Ocorr�ncia;
Agora, � fazer of�cios, cobrar das institui��es e pensar em mais a��es.
Seguimos atuando e cumprindo nosso papel.'
DEN�NCIA#Comiss�odeDireitosHumanos Recebemos den�ncias de que, no �ltimo dia 20, por volta de 20:30, um jovem negro homossexual foi conduzido pela pol�cia, ap�s uma suposta briga com seu namorado, e depois foi encontrado morto. %uD83E%uDEA1%uD83E%uDDF5
%u2014 Andr�ia de Jesus %u270A%uD83C%uDFFFPreta Voz de Vidas Negras13050 (@andreiadejesuus) August 22, 2022
Posicionamento da Pol�cia Civil
Em sua vers�o � Ag�ncia Primaz, a Pol�cia Militar afirmou que as investiga��es da morte ficariam a cargo da Pol�cia Civil. O �rg�o emitiu nota sobre o caso. Veja:
“A Pol�cia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que a per�cia esteve no local fazendo os levantamentos necess�rios que ir�o subsidiar a investiga��o que apura a morte de um detento em uma cela em Ouro Preto nesse domingo (21/8). O corpo foi encaminhado ao Posto M�dico-Legal, onde foi submetido a exames. Um inqu�rito foi instaurado para apurar a causa e circunst�ncias da morte.”
O laudo da morte tem prazo de at� 30 dias para ficar pronto.
O namorado de Charles n�o foi encontrado para dar sua vers�o dos acontecimentos.