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Estado de Minas CHUVAS

Ouro Preto � a cidade brasileira com mais �reas de risco do pa�s

Moradores relatam ang�stia por viver em lugares onde uma trag�dia pode ocorrer


08/01/2023 07:40 - atualizado 08/01/2023 07:43

Morro da Forca
Vista lateral do Morro da Forca, onde rua nos arredores teve que ser interditada neste s�bado (7/1) ap�s amea�a de novos desmoronamentos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Medo, ang�stia, descaso e impot�ncia s�o alguns dos sentimentos relatados pelos moradores de Ouro Preto que vivem em �reas consideradas de risco e alto risco na cidade. Um levantamento do Servi�o Geol�gico do Brasil mostra que o munic�pio – localizado na Regi�o Central de Minas Gerais – tem o maior n�mero de �reas de risco do pa�s. S�o 313, sendo que pelo menos 97% delas est�o no patamar de risco geol�gico alto e 2,8%, muito alto. Ao todo, 6.486 pessoas s�o afetadas pelo problema.
 
Na cidade hist�rica, a popula��o ocupa os espa�os entre as montanhas e o Parque do Itacolomi desde a �poca do Ciclo do Ouro. Muitas constru��es s�o irregulares, erguidas nas encostas. Al�m das moradias irregulares, essas �reas colocam em risco tamb�m o patrim�nio hist�rico e cultural do munic�pio. Um deslizamento de terra no Morro da Forca, localizado no Centro Hist�rico, destruiu dois casar�es que ficavam na Rua Doutor Pac�fico Homem, em janeiro do ano passado. Ontem, o local foi interditado por risco de novos deslizamentos. Em outro ponto do Centro Hist�rico, na Rua Padre Rolim, em frente ao casar�o de nº 455, � poss�vel ver um princ�pio de deslizamento de encosta. Sacos de areia fazem a conten��o no local.

SIL�NCIO E MEDO

Moradores e funcion�rios de estabelecimentos pr�ximos ao Morro da Forca evitam se manifestar sobre a situa��o do local. Uma funcion�ria – que preferiu n�o se identificar – disse que todos sentem medo de viver e trabalhar ali perto, mas est�o saturados do assunto. J� nos bairros da periferia, os moradores contam que o medo � constante. “Mas n�o tem outra op��o, temos que ficar”, diz uma residente do Bairro Piedade. Quando chega o per�odo chuvoso, eles dizem que o que resta � rezar para que uma nova trag�dia n�o aconte�a. “Qualquer barulho j� � motivo de preocupa��o”, afirma outro.
 
várias casas interditada
Bairro Taquaral, em Ouro Preto, registra v�rias casas interditadas e asfalto cedendo em algumas ruas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 
 
V�rios relatam que muitos moradores do bairro vizinho, Taquaral, foram morar ali depois que as chuvas do ano passado deixaram v�rios desabrigados. Segundo eles, a prefeitura pagava um aluguel social, mas ap�s um tempo a maioria retornou para as casas, sem perspectiva de uma solu��o definitiva para o problema.
 
Cl�udia Rodrigues, aut�noma, de 54 anos, conta que mora no local praticamente a vida inteira e j� viu muitas trag�dias por causa das chuvas. “Sempre que a Defesa Civil � acionada ela vem, mas poderiam fazer alguma coisa antes. Infelizmente, eles esperam acontecer a trag�dia.” Ela aponta para um local e diz que ali tem uma mina de �gua e que o muro j� caiu v�rias vezes. “A gente chama, eles v�m, dizem que tem projeto, mas nunca saiu do papel. � muito descaso”, lamenta.
 
A moradora lembra um deslizamento que provocou a morte de duas fam�lias no bairro, anos atr�s. “Foi de madrugada. N�s s� escutamos o barulho, os vizinhos come�aram a gritar. Todo mundo foi at� l� para tentar salvar algu�m e s� se salvou uma menina. As outras duas fam�lias morreram”, recorda-se.  

Foi o aposentado Jos� Gomes, de 79, um dos primeiros moradores do bairro, quem chegou ao local para socorrer as v�timas. “Quando eu cheguei n�o vi nada, as casas estavam soterradas. Os bombeiros tiraram muita terra daqui.”
 
Ele conta que se mudou para o bairro em 1970 e o cen�rio era bem diferente do atual. “Tinha poucas casas e as pessoas foram ocupando.” Gomes refor�a que todos os moradores t�m medo de que novos deslizamentos aconte�am. Ele mostra o local onde a terra desceu e matou duas fam�lias. “N�o me lembro a data certa, mas o deslizamento atingiu duas casas e matou nove pessoas. S� se salvou uma mo�a, que hoje mora perto da minha casa.” O aposentado destaca que no local foram plantadas �rvores e n�o se pode mais construir nada no terreno.

DESLIZAMENTOS DE TERRA

No bairro vizinho, o Taquaral, a situa��o � ainda pior. Parte do asfalto de algumas ruas cedeu e deslizamentos de terra interditaram casas. J� em outras, � poss�vel ver rachaduras enormes e algumas foram simplesmente abandonadas. A parte mais alta do bairro tem ares de cidade-fantasma.  
 
O frentista Geraldo M�rcio, de 56, � morador do bairro h� tr�s anos e conta que no per�odo chuvoso do ano passado muitas fam�lias perderam casas na localidade por desmoronamentos. “N�s mesmo sa�mos e acabamos voltando.” Segundo ele, a casa n�o foi afetada, mas o medo fez com que a fam�lia deixasse o local. “Diziam que tinha terra l� pra cima que podia descer”, afirma, ao apontar para uma encosta que fica acima das casas.
 
O homem diz que o medo continua este ano, em raz�o da chuva forte e cont�nua na cidade. “Dormimos com medo. Olha como est� a�”, mostra apontando para a Rua �guas F�rreas, cujo asfalto cedeu. “Est� assim desde o ano passado. A prefeitura veio e come�ou a mexer l� na frente”, afirma. No in�cio da rua h� uma conten��o que cerca o deslizamento de terra que atingiu tr�s casas.

A aposentada Angela Marciano, de 59, � uma das poucas moradoras que continuam na rua. Ela mora sozinha no local h� 40 anos. “Gosto muito de morar aqui, apesar dos problemas. Lutei tanto para construir esse barraco, trabalhava dia e noite”, relembra.
 
frentista Geraldo Márcio
O frentista Geraldo M�rcio mora no Bairro Taquaral h� tr�s anos, uma das regi�es com maior risco de desabamento na cidade hist�rica (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 
 
Angela j� precisou deixar a resid�ncia cinco vezes por causa de problemas decorrentes de chuvas. “Pode contar os col�gios que eu j� n�o fiquei aqui em Ouro Preto. Acho que s� em tr�s, o resto j� fiquei em todos”, diz a moradora, se referindo aos locais que servem de abrigo. “� muito ruim, eles destroem as coisas da gente, que j� n�o temos quase nada. Na chuva do ano passado tive que sair, fiquei uns tr�s meses na casa de parentes”, lamenta. Durante a �poca de chuvas, ela diz que se preocupa, mas n�o tem medo. “Tenho Deus e minha Nossa Senhora est� protegendo essa casa”, e aponta para a imagem na estante da sala.
 
Na rua, apenas duas fam�lias permanecem nas casas, al�m dela. “O resto todo mundo saiu, j� tem mais de um ano. Elas (casas) est�o todas condenadas.” Perguntada sobre como � viver nesta situa��o, ela se mostra sem esperan�as. “N�o precisa esperar nada da prefeitura, s� Deus. A Defesa Civil sempre vem aqui e a assist�ncia social �s vezes vem. Eles olham, v�o embora, somem, depois voltam de novo.”
 
A aposentada diz que n�o compensa sair da casa em que mora para receber o aluguel social, pago pela prefeitura. “O aluguel � mais de R$ 1 mil. A prefeitura d� R$ 700, eu vou pagar o aluguel com esse dinheiro, mas ainda tem a luz, �gua, g�s, alimenta��o para pagar. Ent�o, eu fico na minha casa mesmo, que n�o pago aluguel”, afirma.

POSTES INCLINADOS

Algumas ruas acima vive a tamb�m aposentada Maria Helena da Rocha, moradora do bairro h� 42 anos. Parte da rua da casa dela tamb�m deslizou, o muro ao lado caiu e os postes da rua da frente est�o inclinados. Apesar dos riscos, ela diz que a Defesa Civil fez inspe��o em sua casa e concluiu que as trincas s�o fruto de dilata��o do im�vel. O �rg�o, no entanto, classificou a �rea como de alto risco, segundo ela. “Minha casa se salvou por um milagre. � tenso morar aqui, olha os postes como est�o. N�o d� pra ficar na tranquilidade.”
 
Preocupa��o e ang�stia s�o sentimentos que a acompanham nesta �poca do ano. “Eu durmo pela miseric�rdia de Deus e pela f�. Hoje choveu a noite inteira.” A aposentada diz que tem noites em que acorda e vai para fora ver como est� a situa��o. “A Defesa Civil disse para ficarmos atentos”, ressalta. Ano passado, ela precisou sair de casa devido aos riscos de deslizamentos. “Essa foi a pior chuva que teve aqui. Fiquei um tempo na casa de parentes, mas depois a Defesa Civil falou que a gente podia voltar.”
 
 A aposentada afirma que se a prefeitura oferecesse um outro local, aceitaria se mudar. “Alguma coisa tem que ser feita porque do jeito que est� aqui n�o d� pra ficar n�o. Isso � situa��o de um ser humano viver?”, questiona. Ela relata ainda que as casas abandonadas trouxeram outro problema para o bairro: a inseguran�a. "� noite, sentimos um clima diferente, com usu�rios de drogas. Eles aproveitam os lugares vazios”, explica. Maria Helena conta que antes a pol�cia fazia rondas frequentes, mas depois que o asfalto cedeu n�o tem como os ve�culos acessarem o local. 

MONITORAMENTO

Em nota, a Prefeitura de Ouro Preto afirma que o munic�pio “tem um terreno bastante peculiar, o qual apresenta muitas �reas de risco geol�gico. Com a ocupa��o desordenada de expans�o da cidade desde a metade do s�culo passado, aliada �s chuvas caracter�sticas da regi�o, muitas fam�lias atualmente vivem em �reas de risco”.
 
A administra��o atual diz que tenta minimizar os riscos e retirar as fam�lias das �reas mais cr�ticas. No per�odo pr�-chuvoso, foi feito um mapeamento das �reas de risco e da popula��o que ali vive. As fam�lias em �reas de alto risco foram desabrigadas e encaminhadas para o aluguel social. Ainda de acordo com a prefeitura, atualmente, s�o 178 fam�lias atendidas mensalmente, com investimento de R$ 125 mil mensais. “Al�m disso, foram decretados de utilidade p�blica 30 hectares das terras da antiga Novelis e 40 hectares da antiga Febem com o objetivo de criar habita��es seguras para fam�lias que atualmente vivem em �reas de risco, al�m do in�cio do projeto de reurbaniza��o do Bairro Taquaral (bastante atingido em 2022) para implantar obras de redu��o de riscos de desastres e titula��o de im�veis em �reas seguras.”
 
A prefeitura conta ainda com a contrata��o de cr�dito de R$ 16 milh�es para investimento em moradia para os atingidos pelas chuvas de 2021 e janeiro de 2022. O processo est� em avalia��o no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
 
O secret�rio municipal de Defesa Social de Ouro Preto, Juscelino Gon�alves, frisa que a Defesa Civil Municipal tem implementado e acrescentado recursos humanos e materiais ao seu contingente. Ele afirma que as autoridades est�o acompanhando a situa��o da cidade, em virtude do alerta de grande volume de chuvas para os pr�ximos dias. Um comit� gestor de risco foi criado pelo Executivo. “N�s ainda n�o chegamos no alerta vermelho. Estamos em alerta laranja, que � um alerta moderado”, diz.

Repleta de casar�es hist�ricos, Ouro Preto tamb�m convive com o problema de qualquer deslizamento colocar em risco tamb�m esses im�veis. Sobre esse cuidado com o patrim�nio hist�rico em virtude das chuvas, a Secretaria de Cultura do munic�pio informa que v�rios im�veis nesse perfil j� foram ou est�o sendo recuperados, como a Casa de Pedra de Amarantina, Capela Vel�rio e a Pra�a de Santo Ant�nio do Salto, Parque das Cavalhadas de Amarantina, obras do Teatro Municipal Casa da �pera e do Casar�o Rocha Lagoa.
 
 
Em Minas, 600 mil pessoas vivem em lugares inapropriados
 
Clara Mariz, N�via Machado * e Maicon Costa *Especial para o EM

Minas Gerais tem 2.600 �reas em risco geol�gico em decorr�ncia do per�odo chuvoso. Dados do Servi�o Geol�gico apontam que, desses locais, 602 est�o em situa��o de risco extremo e quase 600 mil pessoas vivem em lugares inapropriados. Al�m disso, a cidade de Ouro Preto, na Regi�o Central, � o munic�pio com mais pessoas e moradias em situa��o de risco geol�gico, com 33 locais que enfrentam problemas como deslizamentos, inunda��es e eros�es. 
 
De acordo com o Servi�o Geol�gico do Brasil (CPRM) em Minas Gerais, 195 munic�pios apresentam risco geol�gico. Isso faz com que Minas seja o segundo estado do Brasil com maior incid�ncia de ocorr�ncias do tipo, perdendo somente para Santa Catarina, que tem 294 cidades nessa situa��o. Os dados s�o de 22 de dezembro de 2022.
 
Os riscos apresentados no levantamento se dividem em deslizamento (75,34%), inunda��o (15,49%), eros�o (3,22%) e outros (5,95%).
 
Logo ap�s Ouro Preto vem Ipatinga, com 99 �reas de risco; Juiz de Fora, com 80; Santa Luzia, com 75; e Muria�, com 54. Em Ant�nio Dias, onde quatro pessoas morreram soterradas ap�s um deslizamento de terra em 25 de dezembro �ltimo, o sistema contabilizava 45 locais de perigo em sua �ltima atualiza��o.
 
Em entrevista ao Estado de Minas, o chefe da Divis�o de Geologia Aplicada do Servi�o Geol�gico do Brasil (CPRM), Tiago Antonelli, explicou que o relevo acidentado de Minas Gerais, com muitas montanhas, morros e serras, al�m de ocupa��es em �reas impr�prias para habita��o, funciona como facilitador para deslizamentos de terra e inunda��es. “Esse conjunto de um relevo acidentado, a ocupa��o de �reas impr�prias para habita��o, como encostas, lugares pr�ximos a plan�cies de inunda��o, fazem com que o estado de Minas Gerais, sofra bastante em �pocas de chuva”, diz. 

CHUVAS


Em Ouro Preto, a situa��o tende a piorar com o risco de deslizamentos de terra e inunda��es, de acordo com o alerta da Defesa Civil municipal de que haver� chuvas de 100 a 200 mil�metros (mm) acumulados at� hoje. Nos pr�ximos sete dias, o �ndice pode chegar a 300 mil�metros de chuva.

At� sexta-feira (6/1) j� choveu 30% do esperado para o m�s todo – a m�dia hist�rica de chuvas para janeiro � de 330 mil�metros. Em dezembro de 2022, choveu 300 mil�metros, que corresponde a 94% da m�dia esperada para o m�s. Ao comparar com dezembro de 2021, o �ndice de chuvas chegou a 380 mil�metros e ultrapassou em 20% a m�dia esperada para o m�s.
 
Em janeiro de 2022, o volume de chuva foi de 425 mil�metros,  30% superior � m�dia esperada para todo o m�s. Devido ao ac�mulo dos dois meses, v�rios escorregamentos de solo aconteceram, um deles no Morro da Forca, que soterrou o casar�o hist�rico Solar Baeta Neves.

PREVEN��O

Questionada sobre como tem atuado no apoio a munic�pios com �reas de risco geol�gico, a Defesa Civil de Minas afirmou que realiza a capacita��o, atualiza��o e nivelamento dos agentes regionais. Al�m disso, o �rg�o disse que tem articula��o com outras entidades para organizar as a��es de resposta e restabelecimento � normalidade, distribui��o de material de ajuda humanit�ria e envio de equipe de resposta para auxiliar o munic�pio quando necess�rio. 
 
Segundo o chefe da divis�o de geologia aplicada da CPRM, Tiago Antonelli, para minimizar os estragos do per�odo chuvoso os munic�pios devem utilizar mapeamentos de riscos geol�gicos e, a partir da�, fazer obras de mitiga��o para minimizar os riscos, ou, em �ltima inst�ncia, retirar pessoas de locais impr�prios para habita��o. “A longo prazo, � preciso minimizar ocupa��es irregulares, aumentar o n�mero de insumos voltados � preven��o de desastres. E uma vez que os munic�pios t�m conhecimento do problema, que ajam para resolv�-lo”, concluiu Antonelli. 


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