
A recente onda de ataques a escolas no Brasil mobilizou a discuss�o sobre a seguran�a de crian�as e jovens em ambiente escolar no pa�s, provocando a rea��o do Poder P�blico em diferentes esferas e tamb�m sob diferentes olhares para formas de resolver o problema. O governo federal, na figura do ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica, Fl�vio Dino, trava uma queda de bra�o com as plataformas digitais e tenta regular o conte�do divulgado na internet em uma batalha que se arrasta desde o per�odo eleitoral, passando pelos atentados do dia 8 de janeiro e chegando at� os ataques recentes �s institui��es de ensino. No campo legislativo, deputados federais e estaduais formulam projetos de lei em profus�o para responder ao cen�rio, a maior parte deles se baseando em policiamento ostensivo e agravamento de pena para crimes semelhantes aos ocorridos em S�o Paulo no fim de mar�o e em Blumenau (SC) no fim de abril.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas concordam em uma premissa b�sica para prevenir ataques a escolas: n�o h� solu��es simples para problemas complexos. Tanto do ponto de vista digital como da prote��o do espa�o f�sico das institui��es de ensino, escapar do estado de p�nico e anomia envolve discuss�es aprofundadas, com participa��o popular e medidas que apostem mais em efeitos perenes do que em propostas intempestivas sujeitas ao calor do momento.
REGULAMENTA��O DIGITAL
Com agenda cheia desde que assumiu o Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica, Fl�vio Dino tem concentrado parte significativa de seus esfor�os em tentar estabelecer formas de regulamentar conte�do divulgado em redes sociais. O presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) tamb�m tem colocado o tema no centro do debate que busca restringir a dissemina��o de informa��es falsas, conte�do de �dio e amea�as � democracia. O primeiro esfor�o formal do governo se deu ap�s os atentados de 8 de janeiro em Bras�lia e retornou � pauta com a sequ�ncia de crimes em escolas pelo pa�s.
Na �ltima quarta-feira (12/4), Fl�vio Dino editou a portaria 351/2023, que objetiva responsabilizar plataformas digitais pela veicula��o de conte�dos que tenham apologia � viol�ncia nas escolas. A medida determina, entre outros pontos, que as empresas respons�veis pelas redes sejam multadas ou at� tenham sua atividade suspensa caso se recusem a remover publica��es que incitam ataques a institui��es de ensino.
“N�s estamos vendo que h� uma situa��o emergencial que tem gerado uma epidemia de ataques, amea�as de ataques, bem como tamb�m de difus�o de p�nico no seio das fam�lias e das escolas. Foi nesse contexto que resolvemos editar uma portaria, que traz medidas pr�ticas, concretas, a fim de que haja uma regula��o desse servi�o prestado � sociedade, especificamente no que se refere � preven��o de viol�ncia contra escolas”, anunciou Dino.
A portaria levanta discuss�es quanto � sua conformidade com o Marco Civil da Internet vigente desde 2014 e que determina as regras sobre a circula��o digital de conte�dos no pa�s. Para o mestre em Direito por Harvard e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), Jo�o Victor Archegas, a portaria pode suscitar confrontos judiciais entre as plataformas e o governo federal.
“Essa portaria � bem problem�tica e eu avalio que ele seja inclusive ilegal, porque ela vai de encontro ao artigo 19 do Marco Civil, que diz que as plataformas s� podem ser responsabilizadas se n�o cumprirem uma ordem judicial determinando que o conte�do � ilegal. A medida coloca como atribui��o da Secretaria Nacional de Seguran�a P�blica (Senasp) criar um banco de dados de conte�dos que o pr�prio minist�rio julga ser ilegais e ele vai compartilh�-lo com as plataformas. Basicamente, as plataformas v�o receber essas informa��es e, se ela n�o atuar para remover os conte�dos e conte�dos semelhantes, ser�o responsabilizados”, explica o pesquisador.
Archegas explica que o artigo 19 do Marco Civil prev� apenas uma exce��o � regra, que est� relacionada ao compartilhamento da chamada ‘pornografia de vingan�a’, quando conte�do �ntimo de uma pessoa � publicado sem seu consentimento. Para o pesquisador, ampliar as exce��es � uma das possibilidades para incluir conte�do com apologia a ataques a escolas na lei vigente, mas desde que a proposta seja discutida e aprovada no Legislativo.
O especialista destaca que decis�es de regula��o de conte�dos na internet precisam ser discutidas de forma profunda, com participa��o popular e debate em �mbito legislativo para entrarem em vigor. Al�m disso, a��es como a portaria do governo federal abrem precedentes para que outros governos tomem decis�es da mesma natureza. Archegas ressalta que o momento � prop�cio para debater as leis atuais e usa o exemplo de um projeto de lei j� em tramita��o no Congresso Nacional para apontar como o controle de conte�dos relacionados aos ataques nas escolas pode ser devidamente inclu�do na legisla��o.
“Estamos num momento de debate sobre regula��o das plataformas do pa�s e v�rios especialistas concordam que o artigo 19 j� n�o � mais eficiente para a modera��o de conte�do e comportamento no ambiente digital. Temos, desde 2020, o PL 2630, que ficou conhecido como ‘PL das fake news’, que apresenta novas formas de regula��o desses servi�os. O governo vem buscando acelerar essa discuss�o, especialmente desde 8 de janeiro. A Secretaria de Comunica��o Social, inclusive, vai propor de forma oficial ao Orlando Silva (PCdoB), que � o relator do projeto, uma nova proposta que inclusive incorpora elementos da portaria. Isso vai demorar um tempo, porque � uma decis�o que tem de envolver diferentes setores da sociedade e a portaria atropela todo esse debate”, analisa.
Atrito na rela��o com as plataformas
O pesquisador Jo�o Victor Archegas explica que a inten��o do governo � aprovar medidas de regulamenta��o nos moldes da Lei de Servi�os Digitais (Digital Services Act – DSA), aprovada pela Uni�o Europeia em abril de 2022 e fruto de anos de delibera��es. Uma das propostas das regras europeias � criar um ambiente de relacionamento entre as redes sociais e os governos para facilitar a regulamenta��o, um cen�rio t�cito de troca de informa��es.
Na �ltima segunda-feira, o ministro Fl�vio Dino se reuniu com representantes das empresas Meta, Kwai, Tik Tok, WhatsApp, YouTube, Twitter e Google para debater formas e mecanismos de controlar os conte�dos potencialmente perigosos que circulam nestas plataformas, que s�o as principais em atividade no Brasil no formato digital. O encontro ficou marcado pela falta de di�logo entre governo e Twitter, que defendeu a perman�ncia de perfis apontados como nocivos pelo Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica, afirmando n�o haver viola��o aos termos de uso da rede.
A portaria do minist�rio veio na esteira do desentendimento com a plataforma e, na vis�o de Jo�o Victor Archegas, pode resultar na cria��o de atritos com outras empresas que antes se mostraram dispostas a trabalhar conjuntamente na modera��o de conte�do.
“Esses contatos entre governo e plataformas muitas vezes ocorrem at� de um ponto de vista informal. O pr�prio �rg�o respons�vel come�a a compilar essas informa��es e apresenta isso �s plataformas, e elas aceitam aquele material e essa ajuda para agir de acordo com o que viola as regras de seus servi�os. Pontos de atrito entre o governo e plataformas digitais deveriam ser evitados para construirmos um ecossistema regulat�rio que permita atingir melhores resultados do ponto de vista da modera��o de conte�do. Temos que olhar para outras experi�ncias ao redor do mundo para construir um modelo chamado corregulat�rio”, aponta.
PREVEN��O
Para Archegas � importante destacar que a regulamenta��o das m�dias digitais n�o � uma medida capaz de sanar problemas como a dissemina��o do discurso de �dio, mensagens antidemocr�ticas e conte�do de incita��o � viol�ncia. No caso discutido atualmente no Brasil, por exemplo, h� uma limita��o relacionada �s grandes plataformas digitais �s quais a atua��o de grupos extremistas n�o est� restrita.
“Existem estudos que demonstram que a constru��o de extremismos acaba acontecendo em f�runs mais obscuros da internet, principalmente vinculados a jogos digitais e n�o indexados, a chamada ‘deep web’. Existem locais que essa regula��o n�o alcan�a. Estamos endere�ando boa parte do problema, mas n�o todo o problema”, conclui.
Portaria editada pelo Minist�rio da Justi�a da Seguran�a P�blica
» Prev� aplica��o de multas at� a suspens�o das atividades de plataformas que n�o removerem conte�dos considerados apologia � viol�ncia nas escolas.
» A Secretaria Nacional de Seguran�a P�blica fica respons�vel por criar um banco de dados de conte�dos ilegais para facilitar a identifica��o pelos sistemas das plataformas.
Cr�ticas
» A portaria atropela o di�logo no Congresso Nacional e pode criar atrito na rela��o entre governo e plataformas, dado como importante para construir ambiente corregulat�rio.
» A portaria pode judicializar a rela��o entre governo e plataformas por ferir o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prev� a obrigatoriedade de exclus�o de conte�dos apenas a partir de decis�o judicial.