Mortes silenciosas: o perigo dos gases t�xicos no inverno
Poss�vel causa de �bito de casal em chal� de Monte Verde, inala��o acidental de fuma�a e vapores tirou a vida de ao menos 374 pessoas no Brasil em 10 anos
Walther Reis e a esposa Alessandra Aparecida: casal foi encontrado morto em uma pousada de Monte Verde, sem sinais aparentes de viol�ncia (foto: Arquivo pessoal)
O que era para ser o registro de uma viagem rom�ntica em uma pousada de Monte Verde, distrito de Camanducaia, no Sul de Minas, acabou em trag�dia para o casal Walther Reis Cleto Junior, de 51 anos, e a esposa Alessandra Aparecida Campos Reis Cleto, de 49, encontrado morto no s�bado. Familiares levantaram a suspeita de intoxica��o pela fuma�a de uma lareira existente no quarto. Apesar de a hip�tese ainda n�o ter sido confirmada pela Pol�cia Civil, o caso liga o alerta para os riscos de se manter chamas acesas em locais fechados. Durante o inverno, lareiras em pousadas e hot�is de regi�es com baixas temperaturas s�o atrativos tur�sticos para os amantes do frio, mas o aconchego tamb�m exige cuidados. Esse, no entanto, n�o seria o primeiro registro de pessoas que morrem por asfixia acidental por gases e vapores em Minas Gerais, terceiro estado no ranking de ocorr�ncias do tipo nos �ltimos 10 anos, segundo levantamento feito pelo Estado de Minas no Datasus, ferramenta do Minist�rio da Sa�de.
Walther e Alessandra eram moradores de S�o Jos� dos Campos, em S�o Paulo. Eles se hospedaram no Chal� Aroma de Jasmim, no distrito de Monte Verde, na tarde de sexta-feira (23/6) e passariam o fim de semana no local. O casal foi visto com vida �s 18h do mesmo dia, quando recebeu um saco com lenha para a lareira do chal�. O propriet�rio do estabelecimento relatou � Pol�cia Militar ter percebido que a bomba d’�gua do banheiro do quarto do casal seguia ligada ap�s muito tempo. Ele tentou bater na porta e ligar para o casal. Sem resposta, decidiu usar uma chave reserva para entrar no quarto, onde se deparou com Walther e Alessandra ca�dos no ch�o.
O caso est� sendo investigado pela Pol�cia Civil de Minas Gerais. A per�cia esteve no local e encontrou os corpos das v�timas, a princ�pio sem sinais de viol�ncia. Eles foram encaminhados ao Posto M�dico -Legal (PML), em Pouso Alegre. “Os laudos periciais podem ser conclu�dos em at� 30 dias, podendo ser prorrogado a depender de sua complexidade”, informou a Pol�cia Civil por meio de nota.
A Prefeitura de Camanducaia, onde est� localizado o distrito de Monte Verde, confirmou ontem a falta de alvar� de funcionamento da pousada Chal� Aroma de Jasmim. O local, que opera como casa de aluguel, n�o segue as diretrizes de uma hospedagem regular, como necessidade de laudo do Corpo de Bombeiros. � reportagem do Estado de Minas, os militares disseram que a classifica��o da pousada dispensa a vistoria pr�via da corpora��o. “Considerando o levantamento interno sobre as caracter�sticas da edifica��o, em tese, a pousada Aroma de Jasmim poderia ser classificada como Risco I. Isso significa que o empreendimento seria dispensado de licenciamento, restando apenas a instala��o das medidas b�sicas, sem a exig�ncia de vistoria pr�via pelo Corpo de Bombeiros, conforme a legisla��o de inc�ndio e p�nico para edifica��es com menos de 200m² de �rea constru�da”, informou por meio de nota.
Ainda de acordo com a Prefeitura de Camanducaia, Monte Verde tem mais de 7 mil acomoda��es. “Cerca de 95% delas t�m lareira e sistema de aquecimento, e nunca houve nenhum caso do tipo”, disse, por meio de nota. Questionado pela reportagem, o Executivo municipal n�o detalhou se tem um balan�o das hospedagens que contam com alarmes de fuma�a e mon�xido de carbono (CO). Segundo a Ag�ncia de Desenvolvimento de Monte Verde (Move), o estabelecimento n�o est� cadastrado na lista de hospedagens oficiais do distrito. A entidade destaca que a atividade n�o � irregular e se encaixa na Lei do Inquilinato, mas refor�a a import�ncia de se escolher acomoda��es cadastradas nos �rg�os reguladores. “As casas de aluguel n�o possuem nenhuma dessas exig�ncias, n�o existindo fiscaliza��o ou regulamenta��o, que garantem a seguran�a dos h�spedes”, disse por meio de nota.
Apesar de as causas da morte ainda n�o terem sido divulgadas pelas autoridades, a filha do casal, identificada em redes sociais como Bruna Crcc, disse que os pais morreram em decorr�ncia de intoxica��o por mon�xido de carbono (CO), g�s t�xico liberado na queima de combust�veis como a madeira, provavelmente provocada pela lareira existente no quarto. “Entendo a preocupa��o de todo mundo, mas n�o tenho emocional para falar mais sobre isso. Foi uma fatalidade. Deus quis assim. N�o � f�cil”, declarou Bruna em v�deo publicado no domingo (25/6) por meio da fun��o Stories no Instagram. O mon�xido de carbono n�o tem cheiro nem gosto, mas � letal. Segundo especialistas, quando a quantidade de toxinas no sangue aumenta, a pessoa perde a consci�ncia, o que pode lev�-la � morte, j� que continuar� respirando incessantemente o g�s. A reportagem n�o conseguiu contato com o respons�vel pelo Chal� Aroma de Jasmim. O espa�o segue aberto para manifesta��es.
OUTROS CASOS Se confirmado, no entanto, esse n�o ser� o primeiro caso de casais que morrem por inala��o de gases t�xicos. Em 2011, Gustavo Lage Caldeira, de 23, e Alessandra Paolinelli, de 22, morreram de asfixia por CO, na Estalagem do Mirante, em Brumadinho, quando se hospedavam em um dos chal�s para comemorar um ano de namoro. O escape irregular do g�s, que vazou do sistema de aquecimento a g�s da hidromassagem, ocorreu devido a mudan�as feitas no sistema de aquecimento por um bombeiro hidr�ulico aut�nomo, sem contrata��o de um profissional especializado ou elabora��o de projeto t�cnico, de acordo com o laudo da Pol�cia Civil.
Quase 12 anos depois, a pousada foi condenada pela Justi�a a pagar uma indeniza��o de R$ 200 mil aos familiares dos jovens. No ano passado, marido e mulher morreram asfixiados na cidade de Nova Ponte, no Tri�ngulo Mineiro, depois de usar uma churrasqueira ainda em brasa, dentro do quarto para se aquecerem durante a noite de sono. O casal foi encontrado morto pela filha de 14 anos. Os filhos tamb�m tinham brasas em seu quarto e sentiram efeitos de intoxica��o.
Em 10 anos, o Brasil teve 374 mortes de intoxica��o acidental por gases e vapores. Dessas, 41 ocorreram em Minas Gerais, que � o terceiro maior estado em quantidade de registros, ficando atr�s de S�o Paulo (94) e Rio de Janeiro (44). O levantamento foi feito pelo Estado de Minas por meio do Datasus, ferramenta do Minist�rio da Sa�de. Os �bitos catalogados pelo �rg�o incluem, al�m do mon�xido de carbono, diversos gases e vapores, como �xidos de nitrog�nio e di�xido de enxofre.
No caso das lareiras, a seguran�a come�a no projeto, conforme alertam especialistas, para que a canaliza��o da fuma�a seja corretamente executada. “� preciso um profissional especializado para a realiza��o da obra”, adianta o engenheiro C�lio Guedes. Como a lareira tradicional utiliza muito ar de combust�o, � recomendado que se coloque uma grelha de ventila��o em uma parede exterior pr�xima � lareira, a fim de evitar que o oxig�nio da sala se esgote. J� a chamin�, n�o deve ser nem muito alta para os gases n�o esfriarem no meio do caminho e descerem, nem muito estreita para que a exaust�o n�o seja excessivamente r�pida. A chamin� deve ficar de 0,5 a 1 metro acima do n�vel da cumeeira mais alta da cobertura da edifica��o.
Lareira do chal�: h�spedes receberam lenha �s 18h de sexta-feira, �ltima vez que foram vistos com vida (foto: Divulga��o)
Entenda como o mon�xido de carbono age no corpo
Ellen Cristie
Embora ainda esteja em investiga��o, a morte de um casal em um quarto de pousada no distrito de Monte Verde, em Camanducaia, onde havia uma lareira acessa, alerta para os riscos de inala��o de mon�xido de carbono e o uso correto de lareiras, aquecedores, caldeir�es ou outras situa��es, como o motor do carro funcionando em um ambiente fechado, como na garagem. De acordo com a pneumologista Michelle Andreata, da Sa�de no Lar, o mon�xido de carbono tem uma afinidade muito maior com a mol�cula de hemoglobina se comparado ao g�s carb�nico que liberamos em nossas c�lulas. “A liga��o do g�s mon�xido de carbono � feita em 80% a 90% das mol�culas de hemoglobina, fazendo com que a concentra��o desse g�s seja muito maior do que a concentra��o de oxig�nio. Isso leva � hip�xia (aus�ncia de oxig�nio suficiente nos tecidos para manter as fun��es corporais) e depois � morte”, explica. Se a pessoa perceber que est� perdendo o ar (f�lego), � importante lev�-la ao hospital mais pr�ximo imediatamente. “A dica � sair do ambiente fechado onde o g�s est� sendo liberado para que se possa respirar ar puro, al�m de arejar o ambiente onde est� ocorrendo a emiss�o do g�s.”Especialmente com a chegada do inverno, as pessoas, em vez de deixarem o ar circular, acabam fazendo uso desse tipo de recurso para se manterem aquecidas. Por isso, a maior incid�ncia de �bitos. “Al�m de lareiras, que liberam mon�xido de carbono quando existe a queima de combust�veis como a madeira, a lareira a g�s, chuveiros a g�s, aquecedores, caldeiras e at� mesmo fog�es podem fazer com que aconte�a a emiss�o.” Entre os sintomas da intoxica��o, est�o: dor de cabe�a, n�useas, mal-estar e v�mito, inicialmente. “� medida que a inala��o fica maior, o indiv�duo perde a consci�ncia”, acrescenta a especialista.
Como medida de preven��o, ela sugere que os estabelecimentos fa�am manuten��es constantes nos aparelhos, limpeza e higieniza��o da lareira e tamb�m da chamin�. “E, de prefer�ncia, ter dentro do hotel e/ou pousada, pessoas que saibam utiliz�-los e manuse�-los, ensinando o passo a passo para os h�spedes.”
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