Esgoto, lixo e at� carca�as de carros: o que polui a �gua que beberemos

Das nascentes que brotam em meio a bairros adensados, centrais e comunidades carentes de Contagem, na Grande BH, parte da �gua que ruma para formar a represa de V�rzea das Flores, um dos mais importantes reservat�rios da regi�o metropolitana, j� sai contaminada por esgoto e lixo, ao ponto de em certos trechos se tornar espessa, malcheirosa e escura, como uma nata infecta. No entorno da �rea de preserva��o e recarga h�drica da barragem, mais lixo, desmatamento ilegal, ocupa��es irregulares, descarte impr�prio de entulho e at� desova de ve�culos roubados (veja mapa) poluem e exp�em a inseguran�a na orla de um manancial que abastece as torneiras de 700 mil pessoas de Belo Horizonte, Betim e Contagem, representando tamb�m fonte de lazer para a regi�o.

A equipe do Estado de Minas percorreu e mapeou os grandes afluentes que se tornaram fontes de contamina��o por esgoto para o reservat�rio gerido pela Copasa e integrante do Sistema Paraopeba, que mata a sede de milhares de pessoas nas maiores cidades da Grande BH. Os problemas come�am j� na principal fonte para sua forma��o: o Rio Betim nasce em Contagem e, desde a origem, recebe incont�veis cargas de esgoto clandestino, seja aberta e diretamente pelo leito de seus afluentes ou por liga��es clandestinas que despejam dejetos na drenagem de �guas das chuvas em avenidas sanit�rias do munic�pio.

Os afluentes do Rio Betim onde o esgoto e o lixo chegam com mais evid�ncia s�o o C�rrego Bela Vista (Bairro Colonial), C�rrego Lagoa (Bairro Colonial), C�rrego Ab�boras (Bairro Ch�cara S�o Geraldo), C�rrego da Avenida 2 (Bairro Tr�s Barras), C�rrego Maracan� (Bairro Funcion�rios) e C�rrego da Avenida Ibirapitanga (Bairro Fonte Grande). Outro c�rrego que cai diretamente na represa levando esgoto � o C�rrego �gua Suja, que vem do Bairro Tup�.

Uma das situa��es mais graves se d� no C�rrego da Avenida 2, no Bairro Tr�s Barras. O manancial � cercado por casas humildes do Bairro Funcion�rios, que despejam dejetos e lixo diretamente no leito. O resultado � que na parte mais baixa da comunidade, o que verte das manilhas para o leito natural tem aspecto de esgoto puro.

Ali, um l�quido cinzento corre sob crostas escuras e esverdeadas, em que vermes nadam e sobre o qual moscas voam, consolidando um aspecto repulsivo que se soma ao mau cheiro. Sobre as �guas flutuam garrafas de �gua, recipientes de detergentes, pratos descart�veis, marmitas n�o-retorn�veis e toda esp�cie de lixo.

O volume � t�o grande que, al�m de ser uma forma de contamina��o para V�rzea das Flores, o curso que deveria ser fonte de vida leva transtornos para a popula��o. Quando o leito chega na entrada da galeria subterr�nea constru�da sob uma comunidade do Bairro Tr�s Barras, o represamento causa refluxo e inunda��o, levando toda a �gua acumulada, esgoto e lixo para dentro das casas da regi�o.

“A gente vem sofrendo com esse pesadelo toda vez que chove. Colocamos placas nas portas e port�es, mas nem isso segura a �gua e o esgoto que v�m das enchentes. Vira tudo uma lagoa, pegando as casas, quintais e os carros. J� reclamamos com a prefeitura e a prefeita (de Contagem, Mar�lia Campos) esteve aqui, prometeu que ia resolver, mas at� hoje, nada”, reclama a dona de casa Geralda Santana Ferreira, de 60 anos.

"� desse ponto aberto que v�m as enchentes. Sempre teve esgoto dentro do c�rrego. E vai parar tudo l� na V�rzea das Flores"

Jos� de Souza Severino, gari aposentado, morador de comunidade no Bairro Tr�s Barras

“Depois que sof� e m�veis entram nessa �gua n�o tem mais volta, n�o recupera mais. No terreiro de casa a �gua sobe mais de um metro. O fedor de esgoto, voc� n�o imagina. Fora que temos de conviver com ratos, baratas, escorpi�es, tudo quanto � tipo de bicho vem de l�. Imagina que essa �gua vai ainda para a Copasa tratar l� na V�rzea das Flores. Um absurdo”, completa a costureira Guiomar Santana Ferreira Gomes, de 50 anos.

H� 30 anos morando na comunidade, o gari aposentado Jos� de Souza Severino, de 55 anos, conta que a canaliza��o do c�rrego foi abandonada. “� desse ponto aberto que v�m as enchentes. Sempre teve esgoto dentro do c�rrego, que vem de uma mina l� de cima. E vai parar tudo l� na V�rzea das Flores. Tinha de dar um jeito de canalizar o esgoto, porque sen�o, essa mesma sujeira volta para tr�s para a gente tomar. Quando chove, a �gua n�o consegue passar dentro da manilha e sai para fora do c�rrego, entrando nas casas mais baixas”, relata.

Al�m do esgoto que chega principalmente da Bacia do Rio Betim, o reservat�rio de V�rzea das Flores tem outros problemas ambientais e de seguran�a. Segundo ambientalistas, ocupa��es irregulares nas �reas de preserva��o, desmatamento clandestino, descarte de lixo e esgoto s�o os principais problemas da orla.

Nos pontos onde banhistas e pescadores aproveitam seus momentos de lazer � comum ocorrer grande descarte de res�duos de alimentos e bebidas, sobretudo em Betim. Mas na cidade e em Contagem s�o tamb�m depenados e abandonados ve�culos frutos de roubos.

A Avenida V�rzea das Flores, em Betim, � um dos pontos onde carca�as de carros s�o largadas em meio a entulho descartado de forma clandestina, lixo e restos de animais mortos. L�, pr�ximo � Fazenda Monjolo, a equipe de reportagem encontrou uma carca�a depenada de um ve�culo.

Pr�ximo dele, havia uma montanha de encomendas postais rasgadas e violadas, com seus conte�dos removidos, provavelmente fruto de algum roubo de carga ou assalto a entregador particular. Mais abaixo, mesmo dentro da �rea de preserva��o, escavadeiras foram vistas abrindo sulcos na mata para alargamento das estradas.

“O loteamento clandestino � o maior problema das �reas de recarga da represa de V�rzea das Flores. Esses loteamentos estimulam o desmatamento, geram mais lixo na �rea rural e a movimenta��o de terra para constru��o leva os sedimentos para a represa, contribuindo para o assoreamento. A fiscaliza��o � ineficiente”, afirma Cristina Oliveira, integrante do grupo ambientalista SOS V�rzea das Flores. “Cuidar das nascentes � cuidar da represa. A �gua polu�da com esgoto tem um custo de tratamento maior. Quem paga � a popula��o; a Copasa s� repassa”, alerta.

“Este � o �nico manancial constru�do pela Copasa entregue para opera��o sem cercamento. Esse equ�voco permite que essas situa��es aconte�am sem que as autoridades tomem medidas necess�rias para a preserva��o e conserva��o do manancial. Para se ter uma id�ia, o sistema Vargem das Flores (nome adotado pela Copasa) opera sem licen�a ambiental desde o in�cio de suas atividades, h� quase 50 anos. Agora � que se iniciou o licenciamento ambiental”, critica o presidente da Associa��o dos Protetores, Usu�rios e Amigos da Represa V�rzea das Flores, Ronner Gontijo.

O especialista em engenharia sanit�ria e ambiental Paulo Soares Pinto, que j� foi secret�rio adjunto de Gest�o Urbana em Contagem, afirma que as ocupa��es irregulares e lan�amentos de esgotos se deram pelo fato de os afluentes do Rio Betim no Bairro Tr�s Barras estarem em �rea valorizada e central. Inicialmente, havia separa��o de esgoto e c�rregos.

“O Bairro Tr�s Barras recebeu esse nome em fun��o da converg�ncia dos tr�s importantes c�rregos contribuintes da Bacia V�rzea das Flores. Os c�rregos, hoje urbanizados, deram origem a um sistema vi�rio local. Foram canalizados, com a observ�ncia de um tratamento t�cnico e parceria com a Copasa, em 2004, com a separa��o entre as �guas dos cursos naturais e dos efluentes”, afirma.

Procurada para se manifestar sobre a situa��o do manancial, a Prefeitura de Betim informou que promoveu o “recolhimento dos res�duos e entulhos descartados de maneira irregular pela pr�pria popula��o, e o patrolamento na via (Avenida Adutora V�rzea das Flores)”. A administra��o afirma adotar rotineiramente a��es de mobiliza��o socioambiental em todo o munic�pio, inclusive nos arredores da represa V�rzea das Flores.

“O Grupamento de Meio Ambiente (GMA) da Guarda Municipal fiscaliza a orla da Lagoa V�rzea das Flores frequentemente, em a��es que ocorrem principalmente nos fins de semana. Em algumas opera��es, inclusive, j� foram encontrados carros furtados e abandonados. Todas as ocorr�ncias s�o devidamente encaminhadas para a Pol�cia Civil”, completa.

Tamb�m questionada sobre a situa��o, a Prefeitura de Contagem informou, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, que “demandas de esgotamento sanit�rio devem ser encaminhadas para a Copasa” e que somente depois ocorrem as autua��es da Vigil�ncia Sanit�ria. “A prefeitura tamb�m possui um programa de limpeza e desassoreamento de c�rregos chamado Caminho das �guas. Os servi�os est�o em andamento e, para 2023, 35 c�rregos passar�o por limpeza e recupera��o dos leitos”, informou a administra��o municipal.

J� a Copasa informou que “o reservat�rio de Vargem das Flores ainda possui uma boa capacidade de depura��o do grau de polui��o atual. Sendo assim, o ponto de polui��o ainda n�o influenciou os custos de tratamento”. “A companhia destaca que, apesar disso, as a��es degradadoras devem ser freadas, principalmente as que afetam a preserva��o das �reas verdes e por consequ�ncia a �rea de recarga hidr�ulica”, acrescentou.

“Em rela��o ao esgoto evidenciado em alguns c�rregos, a Copasa informa que realiza um trabalho cont�nuo de mobiliza��o social para ades�o � rede existente, em conjunto tamb�m com a��es de fiscaliza��o e autua��o da Vigil�ncia Sanit�ria de Contagem”, prosseguiu a concession�ria de saneamento. O trabalho de mobiliza��o social tamb�m ocorre em �reas onde se evidencia o crescimento do munic�pio, segundo a Copasa, com iniciativas de conscientiza��o sobre a import�ncia da coleta e tratamento do esgoto.

 

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad) informa que, em consulta aos nossos sistemas de gest�o ambiental, verifica-se a exist�ncia de diversos registros de a��es fiscalizat�rias da Semad, bem como a��es conjuntas com a Prefeitura Municipal Contagem, na regi�o da APA Vargem das Flores. Quanto ao fato espec�fico relatado, n�o consta registro at� o momento.

Cabe esclarecer que, ao tomar conhecimento de irregularidades ambientais, por meio de den�ncias de cidad�os comuns ou requisi��es de �rg�os de controle, a Semad, atrav�s de suas unidades gestoras, realiza a triagem das demandas as encaminhando as suas equipes competentes pela apura��o ou ao munic�pio da ocorr�ncia, de acordo com as compet�ncias institucionais. Ressaltamos que se encontra em vigor um termo de coopera��o t�cnica, pelo qual a Semad e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) delegam ao munic�pio de Contagem as a��es de licenciamento e fiscaliza��o ambiental de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores, bem como para a delega��o das a��es relacionadas a interven��es ambientais pass�veis de autoriza��o pelo �rg�o ambiental estadual.

Diante do exposto, informamos que um relato das interven��es ambientais supostamente irregulares ser� encaminhado ao munic�pio, para conhecimento e ado��o das medidas administrativas cab�veis.  

Sobre o hist�rico de fiscaliza��es realizadas na APA V�rzea (Vargem) das Flores, no munic�pio de Contagem, relacionado a demanda de polui��o das �guas, por lan�amento de efluentes ou deposi��o de lixos, foram identificadas na base de dados do Sistema de Fiscaliza��o - SISFIS, que apresentam dados de 2017 � atualidade, o registro 70 fiscaliza��es, das quais duas s�o relacionadas a res�duo s�lidos e efluente. Com rela��o �s atividades de desmatamento, foram identificados 68 registros, baseado no mesmo hist�rico temporal citado acima, que geraram um total de 28 multas ou advert�ncias.

J� na �rea da APA V�rzea (Vargem) das Flores pertencente ao munic�pio de Betim, foram identificados na base de dados do SISFIS o registro de 29 fiscaliza��es relacionadas a demanda de polui��o das �guas, devido ao lan�amento de efluentes ou deposi��o de lixos, sendo uma relacionada a res�duos s�lidos. Com rela��o �s atividades de desmatamento, foram identificados 17 registros de fiscaliza��es, com a aplica��o de tr�s multas ou advert�ncias. 

 

A reportagem do EM procurou a Pol�cia Militar para que se manifestasse sobre a situa��o, mas n�o obteve retorno at� o fechamento desta edi��o.