
Eles s�o apenas tr�s, e est�o restritos ao Parque Municipal, onde o of�cio, patrim�nio imaterial da capital mineira, come�ou. Foi naquele cen�rio, em 1925, que os primeiros lambe-lambes se estabeleceram quando a fotografia, at� ent�o restrita �s elites, come�ou a se popularizar, gra�as a um avan�o tecnol�gico do fim do s�culo 19 que possibilitou a captura de imagens fora de est�dios: a inven��o da m�quina port�til.
“Com o telefone celular, qualquer pessoa hoje tira fotografia. Com isso, a gente perdeu o status; nem d� mais para viver disso”, testemunha, aos 83 anos, o fot�grafo Francisco Xavier, o mais antigo do Parque Municipal, no of�cio h� 61 anos. Pai de 10 filhos, ele revela que nenhum deles se interessou em seguir a profiss�o. Alguns, conta Xavier, quando pequenos, chegaram a trabalhar com ele como assistentes, mas todos tomaram rumos diferentes na vida.
Com a clientela lentamente desaparecendo da frente de suas lentes, hoje Xavier s� vai ao parque aos domingos, dia de maior movimento. Uma rotina comum a Malaquias Martins, 69 anos, e Jo�o Pereira, de 68. “Estou agarrado aqui h� 30 anos. Antes, vinha todo dia; agora s� venho domingo”, conta Jo�o que, antes de ser fot�grafo de rua, foi t�cnico radialista, e hoje completa o or�amento fazendo servi�os de servente de pedreiro.
Leia: Treze mil fotografias do acervo hist�rico da Casa de Oswaldo Cruz s�o digitalizadas
Leia: Treze mil fotografias do acervo hist�rico da Casa de Oswaldo Cruz s�o digitalizadas
Tamb�m no parque h� tr�s d�cadas, Malaquias conta que come�ou na profiss�o como assistente de revela��o de um outro lambe-lambe. Trabalhou at� quando chegou a m�quina digital e seu servi�o de laboratorista passou a n�o ser mais necess�rio, pois as fotos come�aram a ser registradas em uma pequena impressora.
“O Xavier tinha um carrinho sobrando e me ofereceu. Ent�o, comecei a trabalhar sozinho e estou por a� at� hoje”, conta Malaquias. Segundo ele, nos tempos �ureos os visitantes do parque disputavam para tirar fotos. “O povo fazia fila, porque quando comecei aqui ningu�m entregava na hora a foto. A gente conseguia, porque enquanto um fotografava eu revelava”, descreve, referindo-se � rotina como assistente.
Retratos de perseveran�a
Xavier, Malaquias e Jo�o s�o os �ltimos lambe-lambes em atividade regular, de acordo com as regras da Lei 135, de 1935, a primeira a estabelecer crit�rios para o exerc�cio da profiss�o. Hoje baseados no Parque Municipal, eles j� transitaram, em outras �pocas, pelas pra�as da Esta��o, Raul Soares e Primeiro de Maio, pr�ximo � esquina da Rua Tupis com Avenida Paran�, com suas “m�quinas de jardim”, como eram chamados os equipamentos que ainda hoje fazem parte do imagin�rio da popula��o belo-horizontina quando o assunto � lambe-lambe.
Eram equipamentos fotogr�ficos rudimentares instalados sobre um trip�, com um pano preto na parte posterior, com o qual o fot�grafo se cobria para, no escuro, captar melhor a imagem. Uma dessas m�quinas ainda existe no Parque Municipal. Ela pertence ao lambe-lambe Chico Manco, que j� se aposentou, mas que sempre a empresta quando acontecem a��es educativas que resgatam a hist�ria desse of�cio, revalidado ano passado como patrim�nio imaterial da capital mineira.
Al�m de fotos tamanho padr�o, os lambe-lambes tamb�m ofereciam outros servi�os que eram sucesso de p�blico, como os mon�culos, pequenos cilindros de pl�stico com uma lente de aumento, em que a imagem em miniatura era visualizada contra a luz, e as fotos 3X4 para documentos.
Leia: Famosa fotografia de Churchill � roubada de hotel no Canad�
Leia: Famosa fotografia de Churchill � roubada de hotel no Canad�
Hoje, os que resistem na profiss�o trabalham em um carrinho de fibra de vidro, onde fazem na hora a impress�o da foto, que pode ser registrada ao lado de adere�os que s�o outra marca registrada do of�cio, entre eles miniaturas de cavalos e personagens infantis.
Imagens de amor ao of�cio
Marco Ant�nio Silva, historiador na diretoria de Patrim�nio Cultural da Funda��o Municipal de Cultura, conta que antes da pandemia os lambe-lambes em atividade em BH eram dez. Mas, com o fechamento do Parque Municipal em fun��o das medidas sanit�rias por causa da COVID-19, seguido de um surto de raiva na unidade, sete deles acabaram desistindo da profiss�o.
Al�m de todas as dificuldades, eles enfrentam o custo do papel fotogr�fico, que eleva o pre�o da foto, tornando-o muitas vezes invi�vel para o or�amento de frequentadores do parque, o que acaba afetando tamb�m o sustento dos profissionais.
Apesar de tudo, Xavier, Malaquias e Jo�o resistem. Mas n�o por motivos financeiros. � por amor que eles seguem no of�cio. “Tenho amor por este parque. Se fico sem vir aqui, at� adoe�o”, declara Jo�o, cujo carrinho fica perto da roda gigante.
Leia mais: Imagem de leopardo-das-neves ganha pr�mio de melhor fotografia do ano
Leia mais: Imagem de leopardo-das-neves ganha pr�mio de melhor fotografia do ano
O mesmo testemunho parte de Xavier, que classifica como “paix�o” sua rela��o com o lugar. E Malaquias conta que at� hoje se emociona quando � procurado por fam�lias que nas gera��es passadas tiraram fotos com ele e hoje voltam com filhos, netos e at� bisnetos para eternizar o momento.
Cronistas do cotidiano
Com o of�cio em vias de extin��o, a Prefeitura de Belo Horizonte tem investido em registrar a hist�ria desses profissionais e garantir a participa��o deles em eventos e exposi��es, para que a sociedade conhe�a mais profundamente esse patrim�nio imaterial da capital mineira. Parte dessas informa��es est�o dispon�veis na aba “patrim�nio cultural” no site da administra��o municipal (prefeitura.pbh.gov.br).
“Os lambe-lambes e suas fotografias registraram momentos cotidianos de in�meras gera��es de belo-horizontinos, moradores e visitantes, produzindo uma vasta documenta��o hist�rica sobre o nosso passado, contribuindo para a preserva��o da nossa mem�ria. Atuaram como cronistas do cotidiano e fazem parte da mem�ria afetiva de grande parte dos moradores da capital ou daqueles que visitaram a cidade em outros tempos e levaram a foto lambe-lambe como marca desse momento”, destaca o historiador Marco Ant�nio Silva.
Segundo ele, foram tamb�m os lambe-lambes com suas fotos 3X4 a pre�os populares que permitiram que muitos trabalhadores tivessem condi��o de tirar documentos como carteiras de identidade, de trabalho ou de motorista, “passaportes” para o mercado de trabalho e vida formal na cidade.
“Para muitos que n�o possu�am um vestu�rio considerado adequado, os fot�grafos emprestavam camisa, palet� e gravata para melhorar a apresenta��o do fotografado. Para outros tantos que n�o podiam pagar, os servi�os foram feitos gratuitamente. Alguns apareciam meses ou anos depois – quando j� estavam estabilizados no trabalho – para acertar a d�vida com os fot�grafos”, conta Marco Ant�nio.
Veja tamb�m: A imagem feita por intelig�ncia artificial que enganou jurados de um grande pr�mio de fotografia
Ele constata que a adapta��o dos lambe-lambes ao mundo digital � cada vez mais dif�cil, o que faz desta a �ltima gera��o a exercer o of�cio. “Atualmente, tr�s fot�grafos resistem bravamente ao tempo e continuam trabalhando no Parque Municipal nos fins de semana. Como n�o existem novos aprendizes da profiss�o que sempre foi repassada entre gera��es, talvez sejamos os �ltimos belo-horizontinos que ter�o acesso direto a esses profissionais, guardi�es de uma tradi��o centen�ria que se confunde com a pr�pria hist�ria da cidade”.
Mas por que “lambe-lambe”?
O termo lambe-lambe se consagrou para distinguir fot�grafos de rua que trabalhavam com a tradicional c�mera em trip� (foto). Mas a pr�tica de passar a l�ngua na chapa de revela��o, origem do nome, era atribu�da a todos os profissionais da imagem, inclusive os que trabalhavam nos est�dios que, nos primeiros tempos de BH, se concentravam na Rua da Bahia, e s� eram acess�veis � popula��o mais abastada. A pr�tica vinha da necessidade de descobrir o lado certo da chapa de vidro em que a imagem era registrada, o negativo. A “lambida” permitia identificar em qual lado era aplicada a emuls�o fotogr�fica.