
O eletricista Wagner Pereira Guedes, de 37 anos, saiu do Eldorado, em Contagem, para passear com a fam�lia na Pra�a da Esta��o, na Regi�o Central de Belo Horizonte. De folga, pai separado, aproveita todo o tempo livre para participar da cria��o dos filhos. Al�m da mocinha Beatriz, de 13, e do atleticano Henrique, de 10, Wagner trouxe a sobrinha Tatiane Rodrigues, de 19, vinda do interior, para a tarde de lazer no ponto mais bonito do Bulevar Arrudas.
Bastante satisfeito com o dia de sol entre os que ama, ele quer uma foto para a posteridade. Valdiney Mauro Oliveira, de 38, � outro que precisa de registro. O motivo � simples, mas n�o menos importante: 3x4 para documenta��o de trabalho. Para ambos os casos, um �nico sujeito. � quando entra em cena um ilustre senhor, especialista na arte da fotografia instant�nea: Jos� Marcos da Silva, de 85. O lambe-lambe, com 55 anos de pra�a, � um dos dez profissionais que, a partir de amanh�, ter� o of�cio protegido como bem cultural imaterial pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio de Belo Horizonte.
Os outros nove companheiros de hist�ria ficam no Parque Municipal Am�rico Renn� Giannetti. Na segunda-feira, est�o de folga. Nessa segunda-feira, �nico a dar expediente, Jos� Marcos teve jornada movimentada na Pra�a Rui Barbosa. Enquanto aguardava a revela��o do retrato caprichado, Valdiney falou sobre a import�ncia do lambe-lambe para a cidade: “Eles j� fazem parte da hist�ria. Voc� pode ver que mesmo com a evolu��o tecnol�gica eles se readequaram para n�o deixar de existir”.
O funcion�rio p�blico confere o resultado: “�… a gente nunca fica bem em foto 3x4. Para a ficha da empresa t� bom, n�!?”, sorri. “Voc� vai levar oito. Duas s�o de brinde”, oferta o lambe-lambe, sorridente, que cobra R$ 8 por meia d�zia de fotografias. Com o servi�o na carteira, Valdiney agradece e segue para o metr�.
Mem�rias
Orgulhoso do of�cio – primeiro bem cultural imaterial a receber prote��o oficial –, Jos� Marcos aproveita o vazio da banqueta de armar para explicar a automa��o do neg�cio. D� aula dif�cil de acompanhar: “Tinha o revelador, a prensa, a gelatina, a flanela para secar, a luz que entrava e dava um choque e passava a imagem para o papel. E a gente via a pessoa de cabe�a para baixo, sabia?”, empolga-se na volta no tempo e no espa�o.
Mostra a c�mera digital, o papel especial e a pequena impressora de pouco mais de palmo, na parte baixa do carrinho de ferro e velhas rodas emborrachadas. “Vou fazer uma reforma para o pr�ximo ano. Quero trocar a lona que faz a cobertura e vou dar uma pintura. Tudo vai ficar bem novinho”, anuncia. Homem que valoriza a lei e a ordem, Jos� Marcos exibe a licen�a anual renovada “dentro dos conformes” na prefeitura. “Olhe bem a data de validade… ‘10 de fevereiro de 2012’. Pago quase R$ 300 todo in�cio de ano para n�o ter nenhum aborrecimento. Muita gente dizia que eu era bobo de pagar, porque nunca tirariam a gente daqui… J� fomos sete, quatro. Hoje, apenas eu continuo aqui na pra�a”, comenta.
“Meu senhor, quanto � para fazer uma foto com todo mundo?”, pergunta Wagner, o eletricista, morador do Eldorado. Com os filhos e a sobrinha, que veio de Taiobeiras, Norte de Minas, o aut�nomo diz ter carinho pela cidade, especialmente, pela Pra�a da Esta��o. Satisfeito com a boa companhia, Wagner quer uma, duas fotos. Entre as mocinhas e o rapaz com a camisa do Galo, elegante, faz express�o de gal�, com a Avenida dos Andradas ao fundo.
O processo � r�pido. Jos� Marcos respira fundo, desce o dedo na pequena c�mera digital, dessas que cabem no bolso, e faz a conex�o com a impressora. Em menos de dez minutos, as duas fotos est�o prontas. A fam�lia confere se est� todo mundo bem na foto e o eletricista paga R$ 10, sorrindo. “Esta daqui vou levar comigo”, festeja Tatiane, de passagem pela cidade.

Of�cio caiu do c�u
Dif�cil n�o ter a aten��o chamada pela vitalidade do senhor lambe-lambe, nascido em Taquara�u de Minas, na Regi�o Central. Forte, bem apessoado, com um olho azul e o outro verde, Jos� Marcos, nos anos 1950, foi aposentado por invalidez ao ter confirmado problema grave no cora��o. Na �poca, sem nenhuma intimidade com a fotografia, ele atuava como guarda no Parque Municipal.
“Cuidava dos animais, quando o zool�gico era l�. N�o eram tantos quanto hoje, mas tinha muitos bichos. Gostava do trabalho. Quando me aposentei, fiquei perdido, sem saber o que fazer”. E no parque, mo�o, com 30 anos incompletos, encontrou um novo rumo e a oportunidade para inteirar o “sal�rio pouco”. “Tinha amigos lambe-lambes no parque que me incentivaram a aprender a profiss�o. Gra�as a eles estou aqui hoje”, considera.
Das imagens do veterano, a mais forte � a da mulher Dirce Mariana da Silva, com quem foi casado por 40 anos. “� saudades demais. Foi uma excelente esposa. A melhor que um homem podia ter. Tinha na minha cabe�a que eu iria primeiro. At� ajeitei a vida e as minhas coisinhas para deix�-la em boa condi��o. Mas Deus sabe o que faz”, emociona-se. Com dona Dirce, Jos� Marcos teve seis filhos.
“Todos nascidos na minha casa, no Bairro Sagrada Fam�lia. Em casa mesmo, pelas m�os da parteira Dona Danila, quase m�dica, infelizmente, j� falecida”, conta. Orgulha-se em dizer que ajudou no parto de todos os filhos: “N�o tinha hora… era meia-noite, 6h, 16h, meio-dia. Eu tava l�, sempre, para ajudar no que fosse preciso. Isso n�o � para qualquer homem n�o”. Dos grandes feitos na vida, enumera mais um apenas: manter a fam�lia unida. Na alegria e na tristeza.
O segredo para a boa e longa vida ele diz conhecer. “� n�o se envolver em brigas bobas; ser um homem de fam�lia, companheiro da esposa e dos filhos. Trabalhar com prazer; estar em paz com os deveres; evitar aborrecimentos com coisas que n�o t�m import�ncia. Para que perder a paci�ncia com bobagem? � isso que estressa, que atrapalha a vida de qualquer pessoa”, afirma.
Aos 85 anos, alimenta o sonho de ter for�as para continuar firme seu of�cio de lambe-lambe, desempenhado com dedica��o e alegria h� mais de meio s�culo. Realizado, senhor Jos�? “E como, meu filho!”, conclui, como quem saber sorrir para a vida.
EXPOSI��O E FILME
A Funda��o Municipal de Cultura inaugura no pr�ximo s�bado, dia 17, �s 16h, na Casa do Baile, a exposi��o Fot�grafo lambe- lambe: retratos do of�cio em Belo Horizonte. Haver� tamb�m lan�amento de document�rio em homenagem ao of�cio. A mostra fica em cartaz at� 18 de mar�o de 2012 e pode ser visitada de ter�a a domingo, das 9 �s 19h, com entrada franca.
OUTROS TEMPOS: Personagem universal
Arnaldo Viana
Lambe-lambe n�o � personagem s� dos parques e das pra�as de m�dios e grandes centros. Eles andavam pelo interior, nos tempos da jardineira, do trem de ferro. Lembro-me da minha primeira vez. Eu, cal�as de suspens�rios com um pequeno remendo quadrado na parte posterior. Sapatos sujos de poeira depois da caminhada de duas l�guas e meia da pequena fazenda at� o com�rcio (assim a gente denominava a cidade). Nosso pai nos colocou de frente para aquela caixa preta sobre o trip� de madeira. O homem ajeitou a lente e, depois, os ombros da meninada (er�mos oito). Voltou � caixa e seu rosto desapareceu sob um pano preto. Ele saiu e disse: “Sorriam”. E apertou um bot�o. Eu estava apavorado. A foto chegou em semanas. Minhas fei��es sa�ram assustadas. Hoje, os caras est�o de m�quina digital. N�o h� mais pano preto para meter medo em menino da ro�a, se � que ainda h� roceiro neste mundo.
SAIBA MAIS: A ORIGEM DO NOME
Existem diversas teorias para a origem do nome lambe-lambe. Uma delas � a de que, na �poca em que as chapas de vidro eram usadas como negativo, os fot�grafos tinham o h�bito de usar a l�ngua para identificar a posi��o correta da l�mina, com um lado diferenciado pela emuls�o. Outra atesta que a revela��o das fotos exigia um tempo m�nimo de lavagem e uma m�nima quantidade de �gua. Portanto, para garantir a qualidade do trabalho, os fot�grafos passavam a l�ngua nas fotos durante a lavagem para avaliar a qualidade da fixa��o. Uma terceira explica��o � de que, em �pocas passadas, era obrigat�rio que as fotografias dos documentos fossem datadas. Para isso, costumava-se fazer uma plaquinha de papel fotogr�fico. Como no instant�neo o negativo � em papel, a plaquinha era feita em um min�sculo pedacinho de papel fotogr�fico. Para fazer a colagem, o fot�grafo passava a l�ngua na plaquinha para criar ader�ncia.