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Estado de Minas HIST�RIA RESGATADA

"Santo n�o se vende": a mulher que ajudou a fundar campanha pelo patrim�nio

Aos 98 anos, aposentada cuja mem�ria foi um dos pontos de partida para recuperar anjos barrocos, no in�cio de campanha estadual, defende preserva��o de tesouros


23/07/2023 04:00
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A aposentada Luzia Vieira, de 98 anos, moradora de Santa Luzia
Luzia Vieira diante do altar de Nosso Senhor dos Passos, no alto do qual fica um dos anjos resgatados: mem�ria que ajudou a recuperar parte da hist�ria da comunidade (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
 
Ajoelhada aos p�s do altar do Santu�rio Arquidiocesano de Santa Luzia, na cidade da Regi�o Metropolitana de BH, a servidora p�blica federal aposentada Luzia Vieira, hoje com 98 anos, nascida e criada na cidade tricenten�ria, faz suas ora��es e, depois, com um sorriso, parece voltar no tempo, enquanto admira os tr�s anjos barrocos que sua mem�ria ajudou a restituir ao rico ornamento do templo. “Santo n�o se vende. � um bem da Igreja, da comunidade”, afirma

Em 3 de agosto de 2003, ela foi destaque na edi��o do Estado de Minas ao afirmar, categoricamente, que pertenciam ao templo hist�rico os tr�s anjos mostrados no cat�logo de um leil�o no Rio de Janeiro (RJ), com foto reproduzida no jornal em 25 de julho de 2003, na coluna da jornalista Anna Marina. Luzia deu entrevista tamb�m para a reportagem “Hist�ria em ru�nas”, publicada no mesmo dia 3 de agosto de 2003, que ampliava o assunto para constru��es em degrada��o e fazendas coloniais desmontadas para venda da madeira a outros estados.

Suas mem�rias foram fundamentais para determinar a origem dos anjos barrocos que eram ent�o leiloados no Rio. “Eu me lembro bem, pois, quando crian�a participava das coroa��es de Nossa Senhora. Havia quatro anjos, mas eles n�o eram fixos. S� iam para o altar, como ornamentos, durante alguma comemora��o. Depois, eram retirados e guardados”, testemunhou, na �poca.
 
Anjo barroco do santuário de Santa Luzia, um dos três levados a leilão há 20 anos, no Rio de Janeiro
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)
 
Desaparecidas na d�cada de 1950 do Santu�rio Arquidiocesano de Santa Luzia, e, ao que tudo indica, vendidas a um colecionador residente na capital fluminense, as pe�as se tornaram alvo de a��o ajuizada pela Associa��o Cultural Comunit�ria de Santa Luzia, representada pela sua vice-presidente, Beatriz de Almeida Teixeira.

PER�CIA

Na �poca, por determina��o do juiz da 2ª Vara C�vel Santa Luzia, Jair Eduardo Santana, o conjunto, que j� estava na mira de um banco holand�s para compra, foi exclu�do do leil�o, em 12 de agosto de 2003, e entregue ao Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha-MG), ent�o presidido pela arquiteta Vanessa Borges Brasileiro, para ser periciado.

A tarefa, a cargo da equipe da arquiteta Selma Miranda, mostrou que as pe�as eram mesmo do santu�rio, como assegurava Luzia Vieira. Os anjos foram reintegrados em 9 de agosto de 2004, cerca de um ano depois da reportagem do EM, ao acervo da igreja. Desde ent�o, se tornaram s�mbolo da campanha pelo resgate do patrim�nio em Minas.

EMBRI�O

A primeira estrutura do MPMG para combate ao com�rcio il�cito de bens culturais, considerada um embri�o da Promotoria de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico de Minas Gerais (CPPC), foi criada em 4 de agosto de 2003, um dia depois da publica��o da reportagem do EM sobre a dilapida��o de pe�as da hist�ria mineira.

O Grupo Especial de Promotores de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural das Cidades Hist�ricas de Minas Gerais, integrado por Fernando Galv�o (coordenador), Marcos Paulo de Souza Miranda e Rodrigo Rojas, foi o pioneiro. Dois anos depois seria criada a CPPC, tendo � frente Souza Miranda, e em 2008, inaugurada a sede pr�pria.

Atual coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justi�a Criminais, de Execu��o Penal, do Tribunal do J�ri e da Auditoria Militar (Caocrim), Souza Miranda foi o titular da CPPC at� 2016. Foi sucedido por Giselle Ribeiro de Oliveira (at� 2020) e depois por Marcelo Maffra.

SUPERA��O

Souza Miranda lembra dos obst�culos iniciais: “O come�o dos trabalhos foi bastante dif�cil, em raz�o da abordagem de um tema que ainda n�o havia sido enfrentado, de maneira sistem�tica, pelo Minist�rio P�blico e pelo Poder Judici�rio. As primeiras grandes apreens�es que fizemos ocorreram em S�o Paulo, antigo nicho de recepta��o do patrim�nio cultural de Minas Gerais”.

Segundo ele, a partir de ent�o os furtos a igrejas mineiras ca�ram drasticamente, e antiqu�rios e colecionadores come�aram a adotar maiores cuidados em rela��o � aquisi��o das pe�as com origem no estado. “Ao fazer esse balan�o, minha convic��o sobre a necessidade de uma atua��o integrada e participativa na defesa do patrim�nio cultural do estado mais se fortalece. Valeu a pena lutar por isso”, constata.

Estima-se que mais da metade do patrim�nio cultural mineiro tenha sido extraviado ao longo da hist�ria – o primeiro registro em igreja data de 5 de outubro de 1789, quando foram roubadas l�mpadas de Nossa Senhora do Ter�o, na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em S�o Jo�o del-Rei, na Regi�o do Campo das Vertente. O respons�vel foi preso e condenado.

Atualmente, apesar dos avan�os na recupera��o de pe�as, ainda existem milhares de bens culturais m�veis de Minas desaparecidos. “A Coordenadoria de Patrim�nio Cultural verificou, ao longo de sua atua��o, que quanto antes o extravio for comunicado aos �rg�os de prote��o, maiores s�o as chances de recupera��o. O MP acredita muito na parceria com integrantes das comunidades, que s�o as verdadeiras detentoras desses bens. A maior parte das den�ncias que recebemos vem de pessoas afetadas pelo extravio de bens sacros e documentos hist�ricos”, informa o promotor Marcelo Maffra.

Depoimento

Caminhos abertos

“At� hoje me impressiono com a quantidade de den�ncias, opera��es especiais para apreens�es de obras de arte e pe�as sacras, muitas das quais acompanhei como rep�rter, al�m de devolu��es espont�neas e restitui��es de objetos de f� a comunidades, que me emocionaram demais. De forma especial, chama a aten��o a conscientiza��o da popula��o sobre a preserva��o dos bens culturais, com fortalecimento da educa��o patrimonial. O ano de 2003 representou um despertar, tendo em vista a escala ascendente, at� ent�o, de furtos e roubos a igrejas, capelas, museus e outros monumentos de Minas. Desde ent�o, o EM se mant�m firme na defesa do patrim�nio cultural mineiro. N�o me esque�o de uma conversa com o ent�o editor-assistente do caderno 'Gerais', Anibal Penna, �s v�speras da publica��o da reportagem 'Hist�ria em ru�nas', em 3 de agosto de 2003, denunciando a dilapida��o do patrim�nio mineiro – sequ�ncia de coluna publicada dias antes pela jornalista Anna Marina. 'Vamos ver  uma nova Inconfid�ncia', previu Anibal, entusiasmado, sobre a cruzada pelo patrim�nio de Minas, que n�o mais sairia do notici�rio. Sei que h� muito ainda a ser feito, mas o caminho, sem d�vida, foi aberto.”
Gustavo Werneck

PERDAS E GANHOS

Conhe�a cinco bens resgatados nos �ltimos 20 anos e outros ainda desaparecidos:

Uns de volta...

1) A imagem de Santo Onofre, do s�culo 18, com 15,5 cent�metros de altura, retornou a Oliveira, na Regi�o Centro-Oeste de Minas, em 22 de agosto de 2019, 25 anos ap�s ser furtada do Museu Diocesano Dom Jos� Medeiros Leite (na �poca, foram levadas 35 pe�as). Foi devolvida espontaneamente, acompanhada de um bilhete, na sede da superintend�ncia do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), em S�o Paulo (SP).

2) Em 17 de novembro de 2021, o MPMG e a Promotoria de Justi�a de Campanha, no Sul do estado, fizeram a devolu��o da imagem de Nossa Senhora da Apresenta��o, furtada havia 27 anos do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha. Em 7 de mar�o de 1994, foram levadas 28 pe�as (quatro j� recuperadas) do patrim�nio sacro dos s�culos 18 e 19. Alvo de den�ncia, a pe�a foi encontrada em site de leil�es de obras de arte.

3) Pe�as de outros estados tamb�m foram recuperadas e devolvidas. Em 14 de fevereiro de 2014, autoridades mineiras entregaram � diocese de Nova Friburgo (RJ) um crucifixo do s�culo 18, apreendido pelo MPMG, depois que equipe da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico (CPPC) identificou a pe�a anunciada em um site. O crucifixo havia sumido em 1950, durante obra em uma igreja, sendo fundamental para a identifica��o uma fotografia de 1945, quando ocorreu na cidade fluminense um congresso eucar�stico regional.

4) Muitos fi�is cuidaram de pe�as de igrejas e as devolveram aos templos anos depois de elas serem retiradas para grandes obras. Em julho de 2021, terminou na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte, um mist�rio que durava 50 anos, com a restitui��o de uma balaustrada de 15 metros de comprimento, em duas partes, esculpida em m�rmore de Carrara e usada, at� o fim da d�cada de 1960, para as pessoas se ajoelharem no momento comunh�o.

5) Um dos exemplos mais surpreendentes nos 20 anos da campanha em Minas ocorreu na Matriz de S�o Jos� da Lagoa, em Nova Era, na Regi�o Central. Em janeiro de 2005, uma pessoa devolveu tr�s crucifixos e uma imagem de S�o Sebasti�o, do s�culo 18, furtados havia mais de 50 anos do templo. A entrega ocorreu durante confiss�o ao padre Eug�nio Ferreira Lima. A identidade que quem devolveu as rel�quias – e contou ao sacerdote que as pe�as pertenciam ao acervo da igreja – n�o foi revelada, por estar protegida segredo de confiss�o.

...outros � espera

1) Moradores de Serranos, no Sul de Minas, n�o perdem a esperan�a de ter de volta a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso, desaparecida h� quase 30 anos. O furto, ocorrido em 14 de julho de 1994, deixou desolada a comunidade cat�lica, que, a cada 8 de setembro, data consagrada � padroeira, renova seus votos de ter de volta seu bem mais precioso ao seguir, em prociss�o, a r�plica da imagem. Procedente de Portugal, a pe�a original era esculpida em cedro com detalhes em ouro.

2) A esperan�a move tamb�m os moradores do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na Regi�o Central do estado. Com campanhas em redes sociais e participa��o em encontros ligados ao patrim�nio, a Associa��o Sociocultural Os Bem-te-vis fortalece sua luta para ter de volta 18 pe�as do s�culo 18 furtadas da Matriz Santo Ant�nio, em 16 de novembro de 1994. Do conjunto levado pelos ladr�es, foram recuperados um crucifixo e imagens de S�o Jo�o Batista Menino e S�o Domingos Gusm�o. Entre os itens ainda desaparecidos, est� a imagem de Nossa Senhora do Ros�rio.

3) Completa, em setembro, meio s�culo de um dos maiores ataques ao patrim�nio de Minas. No dia 2 daquele m�s, em 1973, ladr�es levaram 17 pe�as sacras do museu localizado no subsolo da Bas�lica Nossa Senhora do Pilar, no Centro Hist�rico de Ouro Preto. Entre os objetos furtados, havia uma cole��o formada por uma cust�dia, de 7 quilos, e tr�s c�lices de prata folheados a ouro, de origem portuguesa, usados no Triunfo Eucar�stico, em 1733, a maior festa religiosa do Brasil colonial. At� hoje, n�o h� sequer uma pista do valioso tesouro de Minas.

4) Duas vezes furtada, a imagem de Santana Mestra do distrito de Inha�, a 45 quil�metros de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, � sempre um destaque das campanhas de resgate dos bens desaparecidos. Integrante do acervo da Igreja Matriz de Santana, a escultura do s�culo 18 foi levada por ladr�es, na primeira vez, em 1997. Os moradores n�o perdem a esperan�a de encontrar o objeto de f�, e renovam as preces a cada 26 de julho, data consagrada � av� de Jesus.

5) Em Rit�polis, na Regi�o do Campo das Vertentes, foi criada uma cruzada para recuperar as imagens de S�o Sebasti�o e S�o Manuel, do s�culo 18, furtadas em 27 de mar�o de 1998 do Santu�rio Diocesano Santa Rita de C�ssia. A imagem de S�o Sebasti�o pode ter pertencido � capela onde Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes(1746-1792), her�i da Inconfid�ncia Mineira (1788-1789), foi batizado. Na �poca, tamb�m foram furtadas, e posteriormente localizadas em Campinas (SP), as imagens de Santa Rita e S�o Jos�, que voltaram aos altares. J� as outras continuam desaparecidas.



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