Cidades onde Padre Eust�quio semeou a f� renovam a devo��o ao beato
Legado de espiritualidade prospera e alimenta fervor em Romaria e Patroc�nio, onde cura de um jovem � atribu�da a milagre em an�lise em processo de canoniza��o
Romaria – Foi ainda nos tempos em que Romaria se chamava �gua Suja, povoado plantado na imensid�o das terras do cerrado mineiro, que Padre Eust�quio (1890-1943), ent�o com 35 anos, chegou � localidade na Regi�o do Alto Parana�ba, na companhia de outros padres da Congrega��o dos Sagrados Cora��es (SS.CC). Por aqui, o religioso holand�s ficou quase 10 anos, iniciando um trabalho, com determina��o, coragem, carisma, que conquistou fi�is, furou barreiras e deixou um legado de f� admirado at� a atualidade. Nas comemora��es, neste m�s, em honra a Nossa Senhora da Abadia, padroeira de Romaria, o nome do Beato Padre Eust�quio � lembrado como s�mbolo de amor aos necessitados e doentes.
“Ele � um santo. E fico feliz por ter conhecido um santo”, diz, com alegria, dona Anita Rosa de Jesus, de 91 anos, certa do reconhecimento, pelo Vaticano, de um milagre para ‘sacramentar’ o processo de canoniza��o de Padre Eust�quio, iniciado h� mais de seis d�cadas. Com uma fam�lia extensa (10 filhos, 20 netos e tr�s bisnetos), da qual muito se orgulha, a senhora de sorriso aberto conta que era bem crian�a, quando Padre Eust�quio foi embora de Romaria. Um dia, segundo ela, dif�cil de esquecer.
Fi�is fazem suas preces em orat�rio com imagem de Padre Eust�quio, em Romaria, no Alto Parana�ba (foto: Fotos: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press
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“Ningu�m queria que Padre Eust�quio deixasse �gua Suja. No dia da partida dele, teve gente que at� se deitou no ch�o, na frente do carro, para n�o deix�-lo passar. A gente foi se despedir...passando debaixo de uma cerca de arame farpado para chegar...e todo mundo chorava. Eu n�o entendi direito porque as pessoas choravam tanto, a� comecei a chorar tamb�m”, conta dona Anita, segurando a imagem do beato, dono de lugar garantido nas casas cat�licas da regi�o.
O beato a cavalo no antigo povoado de �gua Suja
Ao lado, Irene Maria de Miranda, com as m�os marcadas pelo a�afr�o que produz artesanalmente, faz coro �s palavras da m�e, revelando uma gra�a alcan�ada por intercess�o de Padre Eust�quio: a cura de um problema de sa�de. “Ele era amigo dos meus av�s, Jo�o Elizi�rio dos Santos e Jovelina Maria de Jesus. Tenho f�”, revela Irene.
Orat�rio
Perto do Santu�rio Bas�lica Nossa Senhora da Abadia, cuja constru��o foi iniciada por Padre Eust�quio, h� um museu, com fotos, objetos e documentos, e um orat�rio com a imagem do beato. � nesse local sombreado que Jussara Abadia Ribeiro, professora de 55, gosta de rezar, pedir pelas tr�s filhas, Daiane, D�bora e Daniele, e pelos seis netos, al�m de agradecer sempre pelo restabelecimento da sua sa�de.
Batizada Jussara Abadia em homenagem � padroeira da cidade, a professora tem muito a agradecer a Deus, a Nossa Senhora da Abadia e � intercess�o de Padre Eust�quio. Diagnosticada com c�ncer no intestino em 2015, ela viveu o calv�rio provocado pela doen�a, embora sem duvidar, um segundo sequer, da possibilidade de cura, e da sua cren�a.
Dona Anita de Jesus, de 91 anos, se lembra da como��o provocada pela sa�da do padre da cidade: %u201CFico feliz de ter conhecido um santo%u201D
Naquele mesmo ano, Jussara se submeteu � cirurgia para retirada de parte do intestino grosso, fez quimioterapia, at� que, dois anos depois, foi localizado outro tumor, dessa vez entre a bexiga e o �tero. “Continuei com minhas ora��es e, num dia, enquanto rezava, ouvi uma voz dizendo: ‘N�o tenha medo!’”
Os olhos de Jussara brilham enquanto ela narra sua hist�ria, que terminou em “cura milagrosa”, conforme acredita. “A voz, n�o tenho d�vida, era de Padre Eust�quio. Tenho uma pasta com mais de 600 p�ginas, incluindo relat�rios m�dicos, resultados de exames, avalia��es e outros documentos. Fiquei curada, n�o uso bolsa de colostomia, enfim, gra�as a Deus, tenho uma vida normal”, afirma a professora.
Em Romaria, conforme os relatos, Padre Eust�quio restaurou a f� da comunidade, estimulou a cria��o de associa��es religiosas, fez uma via-sacra para medita��o da Paix�o de Cristo, editou um jornal, mantinha uma farm�cia para atendimento aos enfermos e foi professor. “Era um mission�rio cheio de dons, e chegou a �gua Suja, quando muitos haviam abandonado sua devo��o”, diz o reitor do santu�rio, padre M�rcio Ruback. Sobre os milagres e feitos extraordin�rios do beato, padre M�rcio tem uma explica��o certeira: “Para Deus, nada � imposs�vel”.
Depois de vencer um c�ncer, Jussara Abadia renova a devo��o ao padre holand�s, que acredita ter contribu�do para sua cura
Intimidade
Genu�no amigo do povo, Padre Eust�quio tem seu nome pronunciado com grande intimidade pelos moradores de Romaria, a exemplo do casal Osmar Lu�s Ramos e Marc�lia Maria dos Anjos, ambos professores e primos de primeiro grau. “Era muito amigo dos nossos av�s”, conta Marc�lia, enquanto Osmar mostra um quadro, do in�cio da d�cada de 1930, dos tempos em que o religioso holand�s chegou a �gua Suja.
A intimidade com o beato � forte tamb�m na casa de Jos� Ramos Ribeiro de Moura, de 81, e Terezinha Neves Ribeiro, de 79. Para cumprir uma promessa, feita em prol da sa�de da esposa, Jos� mandou reproduzir, e distribuir entre fam�lias conhecidas, 10 cartazes com a foto de Padre Eust�quio. “Ele nos ajudou no momento do aperto. Terezinha teve c�ncer na perna e ficou boa. Meu pai, Divinor Ribeiro de Moura, nascido em 1913, conheceu Padre Eust�quio e dizia que ele tratava dos doentes igual um m�dico”. Ouvindo com aten��o as palavras do av�, Manuela Ramos Ribeiro, de 14, estudante, diz que se fortalece com os ensinamentos e a f�.
Hist�ria
A leitura do livro “Padre Eust�quio – O vig�rio de Po�” (1944), do padre Ven�ncio Hulselmans, mostra bem como era �gua Suja, “o povoado de garimpeiros que exploram o vale diamant�fero, trabalhando por conta pr�pria nas terras da “Santa” ou como ‘meia pra�a’ nas de fazendeiros abastados, era cat�lico, mas completamente abandonado espiritualmente”. Enquanto havia “luxo e libertinagem”, a mis�ria era extrema, com a maioria do povo passando fome e os interesses resolvidos “com aux�lio de uma boa garrucha”.
Ros�ngela, Marilene e Lucimara rezam ao beato em Patroc�nio, onde cura de um jovem � atribu�da a milagre em investiga��o no Vaticano (foto: Fotos: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press
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Fervor na “terra do milagre”
Em Patroc�nio, cidade onde o beato Padre Eust�quio viveu durante quatro meses, de outubro de 1941 a fevereiro de 1942, os moradores contam os dias para v�-lo se tornar santo com o fim do processo de canoniza��o, no Vaticano. Motivos n�o faltam, pois pode ser de Patroc�nio, na Regi�o do Alto Parana�ba, a 402 quil�metros de Belo Horizonte, o milagre a ser reconhecido, e ainda em investiga��o, pelo Dicast�rio da Causa dos Santos, em Roma. Um jovem teria sido curado de um c�ncer ap�s seus pais rezarem a Deus pedindo a intercess�o do beato.
Entre os confiantes na decis�o favor�vel da Santa S�, est� a professora de portugu�s Luc�lia Borges Pereira, autora do livro “Bem-aventurado Eust�quio – A estrela holandesa que brilhou na Terra de Santa Cruz”. De fam�lia tradicionalmente cat�lica da cidade, Luc�lia afirma: “O milagre � aqui de Patroc�nio”. Na casa dela e da irm�, Br�gida Borges Pereira, as homenagens a Padre Eust�quio se encontram em todos os cantos: nas almofadas do sof�, na tolha da mesa de jantar, nos quadros na parede, no tijolo da antiga casa na qual viveu o religioso holand�s, e principalmente, no altar � frente do qual rezaram os pais Pedro Pereira e Ant�nia Borges Rodrigues.
J� na Igreja Santa Luzia, no Centro de Patroc�nio, onde Padre Eust�quio celebrou missa e foi capel�o, os vitrais contam um pouco da sua hist�ria, conforme Br�gida vai mostrando, na tarde iluminada pelo sol de inverno. Est�o l� v�rias cenas do seu trabalho pastoral, que criou ra�zes profundas no solo f�rtil da regi�o e frutificou em atos de caridade, solidariedade, ajuda aos pobres e socorro aos doentes.
Maria Goretty, Maria de F�tima e Marilene: tr�s irm�s empenhadas na transmiss�o da devo��o ao religioso holand�s �s novas gera��es
Olhando os vitrais, a banc�ria aposentada Ros�ngela Botelho, hoje zeladora da Igreja Santa Luzia, diz que traz a devo��o da inf�ncia. E essa f� a ajudou num dos momentos mais dif�ceis da sua vida: a perda do marido, M�rio L�cio, h� dois anos, v�tima das sequelas da COVID-19. Para aplacar o sofrimento, ela conta que colocava uma ora��o com a foto de Padre Eust�quio sob o travesseiro do marido, quando ele estava na UTI, onde ficou durante 80 dias. “Isso dava uma certa tranquilidade. Meu marido faleceu aos 65 anos, e houve, sim, um milagre. O milagre da fortaleza espiritual, uma forma de suportamos a dor”, conta Ros�ngela, que tem tr�s filho e a neta Melissa, de 8 anos.
Tr�s irm�s
Quando mais se caminha, mais se ouvem relatos ligados ao beato. Propriet�rias, h� quatro d�cadas, de uma loja de roupas em Patroc�nio, as irm�s Maria de F�tima Cunha, Maria Goretty Cunha e Marilene Ferreira Cunha traduzem, na for�a de viver, a f� que devotam a Padre Eust�quio. “Somos de uma fam�lia muito cat�lica. Minha tia, Maria, que mora em Uberl�ndia e est� bem l�cida, foi batizada por ele”, conta a sobrinha Maria de F�tima.
Na loja, no centro comercial de Patroc�nio, as tr�s irm�s mostram que o beato est� presente em todos os momentos e lugares. Enquanto Marilene busca o quadro, Goretty, a ca�ula de sete irm�os, retira uma pequena imagem sob uma caixa de vidro. As tr�s enfrentaram e superaram um caso de c�ncer na fam�lia, com muitas ora��es para acompanhar o tratamento m�dico, e rezam o ter�o, todo dia 30, pela canoniza��o de Padre Eust�quio. Al�m disso, participam do grupo de WhatsApp “Amigos do Padre Eust�quio”, no qual rezam pela sa�de das pessoas.
“A cada dia, aumenta nossa devo��o, e isso � transmitido aos mais jovens, a exemplo dos sobrinhos. Nem gosto de falar muito, pois engasgo e choro”, diz Marilene, entre o brilho nos olhos e a voz embargada. “Minha m�e, Luiza Pereira Cunha, morreu em 1982, aos 54 anos. E nos deixou, como heran�a, o profundo amor a Deus e a f� em Padre Eust�quio”, conta Goretty. ”Sofremos muito com a perda de familiares, mas devemos entender que a morte � a volta � casa do Pai, e a f� nos ajuda nessa passagem”, acrescenta.
Em Patroc�nio, a cren�a vai al�m dos exemplos de Padre Eust�quio. Passa, tamb�m, pelo seu grande mission�rio inspirador. Assim, h� uma par�quia dedicada a S�o Dami�o de Molokai (1840-1889), o mission�rio belga, da Congrega��o dos Sagrados Cora��es, que cuidou de leprosos desprovidos de assist�ncia material e espiritual, na Ilha Molokai, no antigo reino do Hava�. “Ele tem uma hist�ria bonita e comovente. Conhecendo sua trajet�ria, valorizamos ainda mais os caminhos do Padre Eust�quio”, destaca Lucimara do Ros�rio Silva Reis, pedagoga e empreendedora residente em Patroc�nio. De S�o Dami�o, ficou a frase inspiradora: “Sou o mission�rio mais feliz do mundo. Minha maior felicidade � servir o Senhor em seus filhos doentes, rejeitados pelos outros homens”.
Capel�o
Em Patroc�nio, Padre Eust�quio residiu na comunidade do Col�gio Dom Lustosa e foi capel�o da Igreja Santa Luzia. De acordo com a publica��o “Beato Eust�quio – Vida e espiritualidade”, do Secretariado Nacional da Causa de Canoniza��o, “ele atendia no confession�rio, onde conseguiu muitas convers�es”. Em 2 de fevereiro de 1942, foi nomeado vig�rio da Par�quia S�o Pedro de Alc�ntara, do munic�pio vizinho de Ibi�. “Embora por um curto per�odo, Padre Eust�quio celebrou uma Semana Santa e deixou o projeto de uma Santa Casa, que hoje leva seu nome”. (GW)
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