Federico Franco � o nosso homem em Assun��o. Pelo menos � assim que pensam os grandes fazendeiros brasileiros assentados h� d�cadas no Paraguai, que chegam a tratar o m�dico cirurgi�o de 49 anos que sucedeu a Fernando Lugo na presid�ncia de "o nosso Franco".
Para l�deres dos "brasiguaios", a comunidade de brasileiros que h� quatro d�cadas expande a fronteira agr�cola do Paraguai, Lugo era uma amea�a ao agroneg�cio e � propriedade no campo. Franco, do outro lado, � um velho amigo. O ocaso do ex-bispo que rompeu a hegemonia do Partido Colorado, afirmam os produtores brasileiros, dar� in�cio a uma nova era de "seguran�a jur�dica" para os investimentos, cada vez mais lucrativos, no pa�s vizinho. Mas, para isso, � preciso que o governo Dilma Rousseff aceite a legitimidade do impeachment de Lugo e mantenha a fraterna rela��o das �ltimas d�cadas com o Paraguai.
Juacir Jos� Rebossi, mineiro ex-boia fria que se tornou um dos maiores fazendeiros brasileiros em solo paraguaio, onde est� desde 1969, lamenta que tenha levado "tanto tempo" para Lugo cair. Em sua caminhonete, ele passeia pela regi�o de Santa Rita - vila onde 80% da popula��o � brasiguaia, a 70 km de Ciudad del Este - mostrando os sinais do boom agr�cola que mudou a paisagem da regi�o do Alto Paran�. O mato da �poca em que chegou deu lugar a infind�veis campos de milho, trigo e sobretudo soja, pontilhados por enormes moinhos e estruturas ultramodernas de processamento da colheita. Lojas de maquin�rio agr�cola, carros, ag�ncias banc�rias e restaurantes se enfileiram na rua principal que ganhar� asfalto em breve - pago n�o pelo Estado paraguaio, mas pelos propriet�rios locais.
O maior orgulho de Rebossi, por�m, � a Expo Santa Rita, que ele ajudou a criar. Hoje, a feira agr�cola que marca o fim da �poca de colheita, em maio, � o segundo maior evento do agroneg�cio no Paraguai e um s�mbolo do poder e prest�gio da comunidade brasiguaia. Na edi��o de 2012, vieram as duplas sertanejas Fernando e Sorocaba e Chit�ozinho e Xoror�. Franco estava l�, como em todos os anos. Lugo, tamb�m como em todos os anos, n�o.
"Em todo seu governo, ele nos recebeu apenas duas vezes, logo depois que foi eleito, e nas reuni�es ficou calado o tempo todo, enquanto n�s explic�vamos nosso temor das invas�es de terra", explica Rebossi.
Mas, com Franco, "a porteira estar� sempre aberta" para a comunidade brasileira. "Conhecemos ele h� d�cadas, desde que ele foi deputado e governador, falamos diretamente, com a maior abertura. Ele � algu�m realmente aberto aos brasileiros e, por isso, estamos mais otimistas agora."
'Muito obrigado'
A primeira reuni�o do primeiro dia de trabalho do presidente Franco, �s 8h30 de segunda-feira, foi com l�deres brasiguaios. No domingo, pouco mais de 24 horas ap�s a queda de Lugo, eles haviam realizado um encontro com o c�nsul do Brasil em Ciudad del Este, Fl�vio Roberto Bonzanini, a quem entregaram uma carta pedindo o "imediato" reconhecimento brasileiro do novo governo paraguaio.
Os fazendeiros foram especialmente trazidos � capital e recebidos em uma das salas do Pal�cio los L�pez. Com Franco sentado � cabeceira, discutiram formas para desobstruir os canais com Dilma e convencer o governo brasileiro de que a destitui��o em 36 horas de Lugo foi leg�tima. Ap�s alguns minutos de reuni�o, Franco interrompeu subitamente a conversa e, segurando firme um dos interlocutores brasiguaios, soltou: "Muito obrigado pelo que voc�s est�o fazendo por mim."
"O Paraguai fez a coisa mais certa que poderia fazer: tirar Lugo do poder e evitar o caos, a revolu��o", explica Francisco Mesomo ga�cho de 64 anos que, no fim dos anos 70, comprou uma pequena propriedade no Paraguai para cultivar hortel� e, hoje, � um dos grandes produtores de soja, milho e trigo do pa�s. Mesomo e Rebossi fizeram parte da comitiva recebida por Franco na segunda-feira.
O segundo foi ainda a Bras�lia, na quarta-feira, falar com um grupo de senadores - entre eles �lvaro Dias (PSDB-PR) e Ana Am�lia (PP-RS) -, que manifestaram apoio firme � causa dos brasiguaios e ao reconhecimento do novo governo de Assun��o.
Invas�es
Rebossi e Mesomo culpam Lugo pelo movimento dos carperos, o grupo de sem-terra do Paraguai cujo nome vem dos barracos de lona onde se abrigam, as carpas. Para os dois brasiguaios, a transforma��o dos camponeses - que, nos anos 90, dispersos, reivindicavam a reforma agr�ria - em um movimento pol�tico nacionalmente organizado, os carperos dos anos 2000, foi "obra de Lugo".
Durante o governo do ex-bispo, afirmam, o Ex�rcito dava cobertura �s invas�es de terra e o Minist�rio do Interior evitava ao m�ximo cumprir as determina��es judiciais de desapropria��o. Eles alegam ainda que os camponeses eram transportados em ve�culos do Estado, algo que alguns sem-terra ouvidos pela reportagem negaram.
Um dos momentos mais tensos no conflito entre brasiguaios e carperos ocorreu em fevereiro na regi�o de �acunday, perto da fronteira, quando cerca de 10 mil sem-terra ocuparam uma propriedade de planta��o de soja. A pol�cia chegou a prender um dos l�deres dos camponeses acusado de incitar a viol�ncia contra os brasiguaios, mas a quest�o segue sem desfecho. Parte das fam�lias continua na propriedade do brasileiro.
"Os carperos queriam que ocorresse em �acunday o massacre que ocorreu no dia 15 em Curuguaty", diz Fernando Schuster, referindo-se � trag�dia que deixou 17 mortos - 11 sem-terra e 6 carperos - e deu in�cio ao movimento que culminou na deposi��o de Lugo. "Conversei cara a cara com os carperos quando os policiais entraram na propriedade. Eles (os sem-terra) ficavam nos provocando, querendo que houvesse viol�ncia para eles usarem como arma pol�tica", diz Schuster, nascido no Paraguai, em l�mpido portugu�s.
Filho de pai brasileiro e candidato a vereador em Santa Rosa del Monday (cada vez mais, "do Monda�"), outra pequena cidade do Alto Paran�, Schuster afirma que Lugo p�s os carperos "dentro do governo" e, em �acunday, "fez de tudo" para mant�-los nas propriedades.
"� preciso entender que Lugo queria trazer o projeto venezuelano de Hugo Ch�vez para o Paraguai, que ele p�s o Estado contra os produtores rurais, especialmente os brasileiros e seus descendentes", diz o candidato.
Ele afirma ainda que o ex-bispo "fez vista grossa" �s a��es violentas do Ex�rcito do Povo Paraguaio (EPP), "que se est� tornando o equivalente paraguaio das Farc".