O ex-ditador Jorge Videla, 87 anos, que enfrenta desde esta ter�a-feira seu quarto julgamento por viola��es aos direitos humanos, vive seu decl�nio em c�rcere, escreve mem�rias e reza junto a uma modesta cama com um crucifixo no alto, condenado � pris�o perp�tua por tornar o desaparecimento de pessoas uma pol�tica de Estado na Argentina.
"Digamos que eram 7 ou 8 mil pessoas que deveriam morrer para ganhar a guerra contra a subvers�o, n�o pod�amos fuzil�-las. Tamb�m n�o pod�amos lev�-las para a Justi�a", disse Videla em uma entrevista em sua cela ao jornalista Ceferino Reato, segundo o revelador livro "Disposici�n Final" (Disposi��o Final, em tradu��o livre).
Videla carrega sobre nas costas duas condena��es � pris�o perp�tua e outra a 50 anos por crimes contra a humanidade e roubo de beb�s entre 1976 e 1981 - os piores anos da ditadura, durante os quais desapareceram entre 10.000 e 30.000 pessoas, segundo entidades humanit�rias.
O ex-general, que governou entre a cruz e a espada como na era das Cruzadas, comentou sobre esses crimes que "est�vamos de acordo (os militares) que era o pre�o a ser pago para ganhar a guerra e necessit�vamos que n�o fossem evidentes para que a sociedade n�o se desse conta".
"Por isso, para n�o provocar protestos dentro e fora do pa�s sobre a campanha, se chegou � decis�o de que essa gente tinha que desaparecer", argumentou o ex-ditador.
Ap�s a publica��o do livro, Videla criticou que sua confiss�o havia sido mal interpretada, mas Reato, que n�o p�de entrar na cela do ex-ditador com gravador, afirmou que as anota��es foram lidas e aprovadas pelo entrevistado antes de sua publica��o.
Agora, o ex-comandante e tamb�m chefe das For�as Armadas regressa ao banco dos r�us acusado de participa��o no Plano Condor - de repress�o na Am�rica do Sul dos anos 70 - perante ju�zes civis ante os quais costuma ficar de p� numa postura marcial t�pica de um general formado na antiga educa��o prussiana do ex�rcito argentino.
"Combatemos a subvers�o marxista", chegou a dizer certa vez � Justi�a que seu inimigo eram as guerrilhas dos Montoneros (de cunho peronista) e o Ex�rcito Revolucion�rio do Povo (ERP, guevarista), enquanto durou a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a hoje extinta Uni�o Sovi�tica.
As senten�as contra ele revelaram a exist�ncia de um "plano sistem�tico de elimina��o de opositores", segundo a justi�a argentina, como ativistas pol�ticos, sindicalistas, estudantes, movimentos sociais, religiosos da Teologia da Liberta��o, artistas e intelectuais, milhares deles desaparecidos.
Desmantelados os grupos armados, isolados e sem apoio popular, a repress�o continuou com militantes, amigos e suspeitos, parentes e familiares.
Foram v�timas da repress�o as freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, o bispo cat�lico Enrique Angelelli, do movimento de sacerdotes do Terceiro Mundo, a estudante sueca Dagmar Hagelin, os comit�s sindicais de companhias montadoras como Ford e Mercedes Benz e at� diplomatas do pr�prio regime, como Elena Holmberg e H�ctor Hidalgo Sol�.
Diferente de outros ditadores como o paraguaio Alfredo Stroessner e o chileno Augusto Pinochet, Videla careceu de partid�rios e nenhum partido pol�tico o apoia na Argentina, com exce��o de min�sculos grupos de ex-militares ou seus familiares.
Em seu auge, Videla media 1,80 metro, sempre muito magro, de rosto fino, grandes olhos escuros, bigode espesso e cabelo engomado em estilo antiquado.
Ele lia os discursos com voz grave e estridente, mas um sorriso nervoso fazia latejar suas ma��s do rosto em p�blico, enquanto costumava esfregar as m�os em gesto de desconforto ao ser confrontado com uma vida pol�tica de rela��es sociais fora da severa rotina de um quartel.
Videla comandou o golpe que derrubou a ex-presidente Isabel Per�n, em 1976, suspendeu a Constitui��o, proibiu os partidos pol�ticos e instituiu a censura nas r�dios e televis�es.
O general governou aliado ao grupo civil chamado 'Os Chicago Boys' e deu todo o poder administrativo a um economista de uma fam�lia da aristocracia 'crioula' (espanh�is nascidos na Am�rica), Jos� Mart�nez de Hoz, admirador do Pr�mio Nobel Milton Friedman.
Por ordem sua e dos generais, autom�veis sem patente e com comandos encapuzados sequestravam militantes e os levavam para tortur�-los nos cerca de 500 centros clandestinos de deten��o distribu�dos em todo o pa�s.
Fotografias e v�deos no YouTube o relembram em dois momentos chave: ao entregar em 1978 a ta�a da Copa do Mundo de futebol para a sele��o argentina e quando deu um abra�o for�ado ao ditador chileno, Augusto Pinochet, ap�s a media��o do Vaticano que impediu uma guerra fronteiri�a naquele mesmo ano entre os dois pa�ses.
Videla ordenou ainda a queima de livros em um terreno baldio na localidade de Sarand�, na periferia ao sul da Argentina. Na ocasi�o, mais de 1,5 milh�o de preciosas obras do Centro Editor da Am�rica Latina (CEAL) foram destru�das.
Em seu governo, a Argentina se alinhou aos Estados Unidos, mas teve atritos com o ent�o presidente James Carter, cujo governo criticou as viola��es aos direitos humanos, e tamb�m por ter ignorado o embargo de cereais contra a Uni�o Sovi�tica em raz�o da press�o dos influentes exportadores agr�colas argentinos.
Sem carisma nem aspira��es pol�ticas, o ex-general interveio na Suprema Corte para nomear ju�zes submetidos ao seu capricho e instalou um plano econ�mico de altas taxas de c�mbio que ficou conhecido na hist�ria como "la plata dulce" (prata doce, em portugu�s) que permitia os argentinos viajar cheios de d�lares a Miami e comprar in�meros eletrodom�sticos.
Em 1981, cedeu o poder a Roberto Viola para come�ar uma lenta transi��o � democracia, mas o general Leopoldo Galtieri deu um golpe palaciano e desencadeou a triste hist�ria da guerra das Ilhas Malvinas contra a Inglaterra, em 1982.
