
A Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) acusou o Vaticano de manter um "sistema de oculta��o" de crimes sexuais contra crian�as, de n�o colaborar com a Justi�a, de promover a impunidade e pede que a Santa F� revele qual a dimens�o dos casos envolvendo padres pelo mundo. Nesta quinta-feira, o papa Francisco enfrentou seu primeiro grande teste internacional ao ser examinado pelas Na��es Unidas em Genebra durante seis horas sobre o que tem feito para proteger crian�as contra abusos sexuais. A sabatina j� estava programa h� meses e foi a primeira em mais de uma d�cada.
A delega��o do Vaticano adotou um tom de transpar�ncia e reconhecimento de que precisa mudar a forma de atuar. A Santa S� admitiu que os crimes foram cometidos pelo clero e que "nada os justifica". O Vaticano tamb�m garantiu que n�o toleraria que casos fossem encobertos para proteger os religiosos.
Enquanto a reuni�o ocorria em Genebra, em Roma o papa Francisco usava sua homilia para admitir a culpa da Igreja. O argentino, por�m, n�o usou a palavra "pedofilia".
"Tantos esc�ndalos que eu n�o quero mencionar isoladamente, mas que todos sabemos quais... Esc�ndalos, nos quais alguns tiveram que pagar caro: E est� bem! Se deve fazer assim... A vergonha da Igreja! ", disse, em refer�ncia � indeniza��o que a Igreja pagou nos EUA. "Mas nos envergonhamos desses esc�ndalos, dessas derrotas de padres, bispos, laicos?".
Ainda assim, a atitude foi considerada insuficiente tanto por parte da ONU quanto por parte de ONGs e v�timas da Espanha, Pol�nia e EUA que lotavam a sala das Na��es Unidas em Genebra. A principal queixa da ONU se refere ao fato de que o Vaticano insistiu no exame de ontem que n�o liberaria dados sobre o n�mero de padres punidos e que, cada vez que um caso era citado, se protegia no fato de que a puni��o cabe aos estados onde os suspeitos estariam atuando.
Sara Oviedo Fierro, relatora da ONU, foi uma das que liderou o questionamento. Segundo ela, a Igreja mant�m 200 mil escolas pelo mundo, com 50 milh�es de alunos. "Quantas pessoas foram consideradas culpadas? Quantos padres foram entregues para a Justi�a?", cobrou.
Fierro apontou que san��es adotadas pelo Vaticano s�o vistas como n�o sendo da mesma magnitude do crime e que o "interesse do clero parece ser mais importante do que o interesse da crian�a". "Existe um sistema de oculta��o dos crimes", afirmou. A relatora ainda acusa o Vaticano de n�o estar divulgando os n�meros reais do problema. "Voc�s sabem o n�mero de casos. Por que n�o difundir?"
Para Kirsten Sandberg, presidente do Comit� da ONU de Prote��o �s Crian�as, a falta de puni��o no Vaticano impera. "A maioria dos padres tem se beneficiado da impunidade", acusou. "As leis can�nicas imp�e o sil�ncio sobre as v�timas e existem in�meros casos nos quais a Santa S� se recusou a colaborar com a Justi�a local", completou. Para ela, apenas a transpar�ncia nos casos pode permitir que novos crimes sejam impedidos.
"Voc�s n�o podem lavar as m�os", disse aos religiosos. "Suas respostas n�o s�o claras sobre como voc�s pensam em prevenir novos casos". "A melhor forma de resolver essa situa��o � remover esses suspeitos de seus cargos e punir os anteriores. Colocar de baixo do tapete n�o � a solu��o".
Hiranthi Wijemanne, outra relatora da ONU respons�vel pelo exame foi direta na cobran�a. "Porque houve a prote��o aos autores dos crimes?", acusou.
A ONU pediu ontem que o Vaticano entregue detalhes de todos os casos conhecidos de abusos sexuais contra crian�as. Mas a Santa S� uma vez mais desapontou a entidade e alegou que � respons�vel pela implementa��o do tratado de prote��o a menores apenas dentro do seu territ�rio, a Cidade do Vaticano, onde vivem 31 crian�as.
O bispo Charles Scicluna, promotor da Congrega��o para a Doutrina da F�, isentou o Vaticano de qualquer responsabilidade. "N�o podemos impor jurisidicao al�m do Vaticano. N�o s�o funcion�rios do Vaticano. S�o cidad�os de seus estados e atendem a essas leis. N�o � obriga��o do Vaticano e sim dos Estados".
Nova Atitude
Ainda assim, num esfor�o para mostrar que n�o estava sendo c�mplice com os criminosos, Silvano Tomasi, n�ncio do Vaticano na ONU, negou que o Vaticano esteja escondendo dados. Segundo ele, desde 2006, a Santa S� publica o n�mero de casos de abusos sexuais que chegaram at� a Igreja. "Em 2012, temos informa��o sobre 612 casos de abusos sexuais, dos quais 418 deles envolvem crian�as", declarou.
Entre 2006 e 2012, o Vaticano confirma que recebeu mais de 3 mil casos de abusos sexuais cometidos pelo clero. Mas n�o informa quantos foram punidos e nem se os respons�veis foram impedidos de praticar suas miss�es religiosas.
O Vaticano, por�m, admite que n�o publica o n�mero final de casos de pessoas que tenham sido punidas ou colocadas na pris�o. "O processo n�o � p�blico", declarou.
Tomasi alagou que a Santa S� tem modificado suas leis e, nos �ltimos meses, abriu um processo contra um funcion�rio por abusos sexuais contra crian�as fora do territ�rio da Cidade do Vaticano. "N�o h� desculpas. Esses crimes n�o t�m justificativa nas estruturas da Igreja", insistiu. "Os abusos s�o cometidos pelo clero e outros funcion�rios da Igreja. Isso � muito s�rio, porque est�o em posi��o de confian�a e devem proteger a crian�a" disse.
Usando dados da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), o n�ncio do Vaticano indicou que 150 milh�es de meninas pelo mundo s�o alvo de abusos sexuais em diferentes inst�ncias da sociedade, al�m de 73 milh�es de garotos, numa tentativa de mostrar que o problema n�o � apenas da Igreja.
Ativista e v�tima de abusos sexuais, Miguel Hurtado tamb�m contestou a avalia��o do Vaticano: "Os dados est�o escondidos. O Vaticano concentra todos esses dados. Public�-los seria uma forma de prevenir novos casos."
Barbara Blain, l�der da rede de vitimas dos EUA e tamb�m abusada por padres em Ohio, alertou que a resposta n�o foi satisfat�ria. "Se eles querem mudar, tem de dizer quantos padres foram punidos", declarou. "Se isso n�o mudar, n�o podemos dizer que algo mudou na Igreja", completou a americana, que acusou os l�deres religiosos de sua regi�o de ter amea�ado seus pais quando ela fez a primeira den�ncia h� 25 anos.