"Essa terra � nossa! Essa terra � a nossa!" Esse foi o grito de ordem usado por um grupo de pouco mais de dez pessoas que se definiram como "nacionalistas" e "identit�rios" para interromper, h� duas semanas, um debate na livraria Politics & Prose, em Washington. A conversa no local era sobre um livro que discute impactos de um ressentimento de fundo racial nos Estados Unidos.
O epis�dio, sem desdobramentos criminais, ilustra o que especialistas apontam como uma tend�ncia de crescimento dos extremistas que defendem o nacionalismo e a supremacia branca - em oposi��o a negros, judeus e mu�ulmanos. Nem Washington, que j� foi considerada uma das "cidades-santu�rio" para acolhimento de imigrantes, escapa mais das manifesta��es radicais.
Os dados variam dependendo do m�todo usado pela institui��o que conduz a an�lise, mas o aumento � constante. A Liga Anti-Difama��o (ADL, na sigla em ingl�s) aponta que, em 2017, os casos de viol�ncia cometidos por grupos de extrema direita e supremacistas brancos representaram 59% do total de todos os ataques extremistas nos EUA. Um ano antes, eles eram respons�veis por apenas 20% dos casos. Pesquisa do Centro para Estudos Internacionais e Estrat�gicos (CSIS) tamb�m indica um crescimento dos casos de viol�ncia praticada pela extrema direita.
H� duas semanas, um ataque contra uma sinagoga na Calif�rnia reacendeu as preocupa��es com o tema. O suspeito de abrir fogo e matar uma pessoa, al�m de ferir outras tr�s, tem 19 anos e foi acusado de 109 crimes de �dio e crimes federais.
Nos �ltimos dois anos, os EUA foram palco de ataques de crimes de �dio ligados a radicais nacionalistas. O caso mais not�vel foi Charlottesville, em 2017, quando supremacistas brancos e simpatizantes do neonazismo fizeram uma manifesta��o na cidade. Um ato contr�rio ao grupo foi atacado por um motorista, que jogou o carro contra manifestantes, matando uma mulher e ferindo 19 outras pessoas.
Brian Levin, diretor do Centro para Estudo do �dio e Extremismo, da Universidade da Calif�rnia, aponta que o n�mero de homic�dios causados por extremistas de direita e nacionalistas brancos subiu de 13 casos, em 2017, para 17, em 2018, nos EUA. "A quest�o est� afetando n�o s� os EUA, mas muitos pa�ses do mundo", afirma.
"Qualquer movimento radical e de �dio pode cometer um ataque em massa. Mas h� algumas ideologias que est�o tendo um incentivo maior. Hoje, os nacionalistas brancos s�o a amea�a extremista mais proeminente", completa Levin.
Em outubro, um atirador abriu fogo em duas sinagogas em Pittsburgh e mudou a rotina dos judeus da Pensilv�nia. Na ocasi�o, 11 pessoas foram assassinadas. O atirador passou meses usando as redes sociais para fazer postagens racistas, antissemitas, nas quais chamava os imigrantes de "invasores". No dia em que decidiu entrar nas sinagogas com um rifle e tr�s pistolas, ele postou: "N�o posso sentar e assistir a meu povo ser abatido. Dane-se sua �tica, eu estou entrando."
Desde ent�o, as sinagogas passaram a ampliar os bot�es de p�nico espalhados pelo ambiente - de menos de dez para algumas dezenas. O mecanismo permite um comunicado direto �s autoridades policiais. As sinagogas na Pensilv�nia tamb�m realizaram treinamento de como fugir ou se esconder em caso de ataques. A Federa��o Judaica da Grande Pittsburgh promoveu cerca de oito treinamentos por semana depois do atentado.
A a��o em Pittsburgh teve efeitos pol�ticos. Congressistas estaduais da Pensilv�nia anunciaram na quinta-feira, 9, que discutir�o seis projetos de lei com foco no combate aos crimes de �dio. As medidas no pacote incluem a cria��o de um banco de dados de grupos de �dio, a exig�ncia de que os criminosos fa�am aulas sobre diversidade e um rigor maior na investiga��o e na puni��o dos casos, que passar�o para a al�ada do procurador-geral do Estado.
Para Seth Jones, diretor do projeto de amea�as transacionais do CSIS, o atirador de Pittsburgh � um sinal do quadro nacional. "Apesar de a viol�ncia de grupos de extrema esquerda tamb�m representar uma amea�a, as redes de extrema direita aparentam estar mais bem armadas e serem maiores", afirmou. Ainda segundo ele, o n�mero de ataques da extrema direita, desde 2014, foi maior do que os ataques de extremistas isl�micos.
O diretor do CSIS usa dados coletados por um cons�rcio da Universidade de Maryland para estudo do terrorismo. Segundo ele, os ataques terroristas de extremistas de direita subiram nos EUA para 31 casos em 2017. Entre 2007 e 2011, foram contabilizados menos de 5 casos por ano. Na Europa, o n�mero de ataques subiu de 9, em 2013, para 30, em 2017. Em 31% dos atentados, os alvos s�o figuras religiosas ou institui��es e a arma de fogo � usada em 38% das vezes.
Republicanos e democratas divididos
O crescimento dos ataques de extremistas de direita nos Estados Unidos � um dos temas que polariza o cen�rio pol�tico americano. Enquanto os democratas condenam unanimemente as a��es de nacionalistas e de supremacistas brancos, a maioria dos republicanos hesita em critic�-los.
Os deputados estaduais da Pensilv�nia que fizeram o an�ncio de um pacote de lei para combater o extremismo eram todos democratas. "A quest�o precisa ser bipartid�ria e n�o h� raz�o para que isso n�o aconte�a", afirmou o deputado democrata Dan Frankel, que busca apoio de republicanos.
A forma de lidar com o problema divide os dois partidos e exp�e o presidente dos EUA, Donald Trump, a cr�ticas severas. Na �poca das manifesta��es nacionalistas de Charlottesville - e dos protestos contra os supremacistas brancos -, Trump disse que havia "muito �dio e viol�ncia" em "ambos os lados". Em abril, ele voltou a defender a manifesta��o.
"As pessoas estavam l� para protestar contra a retirada de uma est�tua do general Robert Lee", disse Trump, em refer�ncia ao l�der confederado que lutou para manter a escravid�o na guerra civil, no s�culo 19. "Gostem ou n�o, ele foi um grande general."
No entanto, depois do ataque a tiros contra duas mesquitas na Nova Zel�ndia, em mar�o, Trump foi questionado se achava que havia um crescimento dos crimes cometidos por supremacistas brancos. Ele rejeitou a ideia. "Realmente n�o. Acho que � um pequeno grupo de pessoas que t�m problemas muito s�rios", respondeu o presidente americano.
Trump tem sido constantemente criticado e advertido por aliados republicanos que o tema pode entrar no foco da campanha presidencial de 2020 e ser usado contra ele pelos pr�-candidatos democratas, especialmente em Estados com grande n�mero de eleitores moderados e independentes. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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