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Estado de Minas

Fentanil, analg�sico � base de opioides que causa depend�ncia em pacientes nos EUA


postado em 18/10/2019 16:43

Em 2002, Andrew Kolodny, ent�o psiquiatra residente, participou de uma palestra de treinamento sobre tratamento da dor na Filad�lfia. Dezessete anos depois, ele ainda balan�a a cabe�a ao recordar o surpreendente entusiasmo do expositor, uma autoridade no assunto, pela prescri��o de opioides.

O opioide virou febre nos Estados Unidos, chegou a outros pa�ses como o Brasil, e acabou se transformando em uma das piores crises do setor farmac�utico americano.

"A mensagem era que as pessoas estavam sofrendo devido a um medo exagerado, e a maneira correta e compassiva de tratar a dor era prescrever agressivamente", lembrou Kolodny.

O expositor, dr. Thomas McLellan, havia exibido um curta-metragem sobre um homem que buscava al�vio para a dor cr�nica nas costas.

O paciente recebeu uma prescri��o forte de OxyContin, o medicamento para dor produzido pelo laborat�rio Purdue Pharma, mas ele queria mais, reclamando de uma dor paralisante.

Ap�s o filme, McClellan pediu aos m�dicos da turma seu diagn�stico.

"Para mim e para a maioria das pessoas presentes, o diagn�stico �bvio foi que esse paciente se tornou viciado em medicamentos", disse Kolodny, atual codiretor de pesquisa de pol�ticas sobre opioides da Heller School da Universidade Brandeis, Boston

A surpresa foi que o expositor disse que "n�o se tratava de um verdadeiro v�cio e sim um pseudo-v�cio".

O problema enfrentado por esses pacientes aparentemente viciados, disse McClellan, � que "eles realmente n�o est�o recebendo opioides suficientes".

Na �poca, a Purdue Pharma e outros laborat�rios estavam promovendo o conceito de "pseudo-depend�ncia" para alavancar seus produtos com opioides.

O OxyContin, um medicamento para dor pr�ximo � morfina, foi introduzido no mercado americano em 1996 com uma campanha promocional que suprimia anos de cautela sobre o uso de opioides, anteriormente reservados apenas a pacientes graves devido a sua natureza altamente viciante.

A campanha contou com marketing enganoso, pr�ticas controversas de vendas e endossos de m�dicos eminentes, generosamente pagos pela Purdue Pharma.

Mas, como resultado, tanto a fam�lia Purdue quanto a fam�lia Sackler, dona do laborat�rio, enfrentam hoje mais de 2.300 a��es judiciais nos Estados Unidos.

Eles s�o acusados de terem causado a crise nacional de opioides.

Segundo dados publicados recentemente, os medicamentos opioides s�o respons�veis por mais de 300.000 mortes por overdose desde 2000.

E mais de 130 mortes por dia hoje.

- Luz verde -

As origens do OxyContin, que gerou mais de 35 bilh�es de d�lares em vendas para a Purdue, remontam a 1990.

A empresa farmac�utica, com sede no estado de Connecticut, buscava um sucessor para seu popular analg�sico MS Contin, � base de morfina receitado principalmente a pacientes com c�ncer, mas que enfrentava uma concorr�ncia crescente por parte de medicamentos gen�ricos.

A Purdue desenvolveu um analg�sico baseado em oxicodona, um opioide semissint�tico inventado na Alemanha em 1916, com efeitos compar�veis ao do MS Contin.

Os opioides geram riscos conhecidos de depend�ncia, mas o laborat�rio tinha como rebater esse argumento: os efeitos ben�ficos do novo medicamento durariam 12 horas, o dobro de f�rmacos similares, o que significava que um paciente tomaria menos comprimidos e enfrentaria um risco menor de v�cios.

Mesmo antes de chegar ao mercado, provas mostraram que os efeitos de OxyContin n�o duravam tanto como se pensava originalmente, descobriu o jornal Los Angeles Times em uma investiga��o de 2016.

Ainda assim em dezembro de 1995, a Administra��o de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) deu ao Purdue luz verde para comercializar OxyContin para o tratamento de dor moderada a intensa, autorizando seu uso para uma variedade de dores, muitas menos graves que o c�ncer.

"No momento da aprova��o, a FDA acreditava que a formula��o do OxyContin resultaria em um menor abuso potencial, j� que o medicamento se absorveria lentamente e n�o teria um efeito imediato", disse um porta-voz da ag�ncia � AFP.

A aprova��o da FDA provocou cada vez mais cr�ticas depois que o dr. Curtis Wright, que dirigiu o comit� da ag�ncia que autorizou o OxyContin, renunciou para assumir um posto de alto n�vel na Purdue em 1998.

Uma vez que a droga foi comercializada e promovida agressivamente, gerou um grande mercado negro que o laborat�rio Purdue, segundo os cr�ticos, ignorou ou minimizou durante muito tempo.

Grandes quantidades de comprimido foram adquiridas - roubadas de farm�cias ou obtidas de m�dicos sem escr�pulos - e mo�das em p� para inalar, o que multiplicou seus efeitos nocivos, segundo relat�rio confidencial do Departamento de Justi�a americano citado por The New York Times em 2018.

As p�lulas de 80 miligramas, a dose mais comum, s�o vendidas por entre 65 e 80 d�lares no mercado negro, em compara��o com os 6 d�lares que custam nas farm�cias, segundo v�rios m�dicos interrogados pela AFP.

- Explos�o de vendas -

Apesar dos sinais de alerta, a Purdue continuou a apresentar o OxyContin como menos viciante do que outros opioides. O or�amento de publicidade da empresa aumentou de US$ 187.500 em 1996 para quatro milh�es em 2001, de acordo com documentos internos.

A Purdue tamb�m criou um escrit�rio de palestrantes, principalmente m�dicos altamente remunerados por testemunhar as qualidades "milagrosas" do OxyContin.

As vendas explodiram: passaram de 80 milh�es de d�lares em 1997 para 2,1 bilh�es apenas quatro anos, mostram documentos internos.

A Purdue tamb�m contou com a ajuda da Academia Americana de Medicina da Dor (AAPM) e da Sociedade Americana da Dor (APS), duas respeitadas organiza��es profissionais especializadas no tratamento de dores, para apoiar sua campanha visando a desestigmatizar os opioides.

Purdue ajudou a financiar ambas as organiza��es e v�rios de seus membros trabalharam como consultores para o laborat�rio.

O dr. David Haddox, que liderou um comit� da APS que apoiava o aumento do uso de opioides, foi contratado pela Purdue em 1999, onde permaneceu at� meados de 2019.

O discurso da Purdue com os m�dicos provavelmente foi ajudado pelo fato de o tratamento da dor ser um ramo pouco abordado da medicina, disse o dr. Gregory Terman, diretor do Servi�o de Dor Aguda da Universidade de Washington e presidente da APS de 2015 a 2017.

"At� a crise dos opioides, o NIH (Instituto Nacional de Sa�de, sigla em ingl�s) nunca gastou mais de 1% de seu or�amento em dor, o motivo mais comum pelas quais as pessoas v�o a m�dicos, muito menos dor cr�nica, que preocupa mais de 100 milh�es de americanos", afirmou.

A APS, que enfrenta processos por sua promo��o de opioides e n�o pode pagar a seus advogados, entrou com o pedido de fal�ncia no final de junho.

Os m�dicos da aten��o b�sica "t�m pouco treinamento em depend�ncia ou dor, e muitos deles acreditaram nas promessas da empresa", declarou Keith Humphreys, professor de psiquiatria da Universidade de Stanford, referindo-se � Purdue.

- Problemas legais -

Em 2006, o mundo m�dico finalmente acordou para os perigos do OxyContin, alertado por um artigo do dr. Leonard Paulozzi, do Centro de Controle de Doen�as (CDC), que relatou que as mortes relacionadas aos analg�sicos opioides haviam aumentado 91% entre 1999 e 2002.

Em 2007, pela primeira vez, a Purdue Pharma e tr�s de seus executivos se declararam culpados, na Virg�nia, por terem enganado m�dicos, pacientes e autoridades reguladoras sobre os riscos de depend�ncia ou abuso que o OxyContin representava.

Eles concordaram em pagar 635 milh�es de d�lares em multas.

No entanto, quando os problemas legais da Purdue cresceram nos Estados Unidos e as vendas da OxyContin ca�ram em 2010, a empresa simplesmente recorreu � sua subsidi�ria internacional Mundipharma para promover vendas em outras partes do mundo.

Enquanto os an�ncios de drogas direcionados ao p�blico em geral s�o proibidos na Europa, a Mundipharma emitiu um aviso na Espanha em 2013 para chamar a aten��o para o problema da dor cr�nica e incentivar as pessoas a consultar um m�dico e solicitar tratamento.

Questionado sobre isso, um porta-voz da Mundipharma insistiu que eles n�o t�m mais "essa atividade hoje".

O grupo tamb�m financiou semin�rios para m�dicos de outros pa�ses, especialmente Brasil e China, para promover opioides como um tratamento eficaz da dor, informou o Los Angeles Times em 2016.

Mas Joseph Pergolizzi, m�dico da Fl�rida citado pelo jornal como expositor em 2016 em uma confer�ncia patrocinada pela Mundipharma no Brasil, rejeitou qualquer sugest�o de marketing enganoso.

"Eles me convidaram para uma confer�ncia sobre dor no c�ncer", disse ele � AFP, acrescentando que falou sobre "como tratar a dor severa do c�ncer e quais s�o as op��es". E tamb�m disse que cortou todos os la�os com a Mundipharma h� dois anos.

- Poss�vel fal�ncia -

Contatada pela AFP, a Purdue Pharma se recusou a fazer coment�rios.

O companhia informou repetidamente que o OxyContin � apenas um dos v�rios medicamentos opioides dispon�veis no mercado e que hoje luta ativamente contra o uso abusivo desses medicamentos.

A Purdue procurou declarar fal�ncia em meados de setembro e agora pede aos estados e cidades que exijam que aceite sua transforma��o em fundo fiduci�rio, cuja renda futura iria para o financiamento dos esfor�os para conter a crise dos opioides.

O laborat�rio informou que est� pronto para efetuar pagamentos entre US $ 10 e US $ 12 bilh�es aos autores das a��es, com 3 bilh�es provenientes da fam�lia Sackler, se abandonarem todos processos.

Mas quase 25 estados, incluindo Nova York, rejeitaram a proposta. A oferta de Purdue e Sacklers, disse a procuradora-geral de Nova York Letitia James, n�o � suficiente para pagar "a morte e a destrui��o que infligiram ao povo americano".


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