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Estado de Minas RELA��ES EXTERIORES

Elei��es nos EUA: O que o Brasil ganhou e perdeu com a proximidade entre Bolsonaro e Trump

Embora Bolsonaro sempre exalte sua rela��o com Trump, nos dois �ltimos anos o Brasil pouco lucrou com ela. Para estudiosos e especialistas em rela��es internacionais, o Brasil cedeu em quest�es concretas, 'e recebeu em troca apenas promessas'


03/11/2020 15:30 - atualizado 03/11/2020 17:09


Bolsonaro tem se alinhado aos EUA em questões geopolíticas(foto: Isac Nóbrega/PR)
Bolsonaro tem se alinhado aos EUA em quest�es geopol�ticas (foto: Isac N�brega/PR)

Em 16 de maio de 2019, quando visitava a cidade de Dallas, nos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, adaptou seu tradicional bord�o para o seguinte: "Brasil e Estados Unidos acima de todos", disse. Al�m disso, no mesmo evento comercial, o mandat�rio brasileiro bateu contin�ncia para a bandeira americana.

Meses depois, em setembro do mesmo ano, Bolsonaro demonstrou seu apre�o por Donald Trump, em um evento em Nova York. "Eu te amo", disse o brasileiro, em um momento registrado pelas c�meras. O presidente americano, no entanto, n�o foi t�o carinhoso e respondeu apenas: "Bom te ver de novo". Por outro lado, Trump j� afirmou que Bolsonaro e ele s�o "grandes amigos".

Bolsonaro e Trump, candidato � reelei��o no pleito disputado nesta ter�a-feira (3/11), partilham o posicionamento ideol�gico de direita, o conservadorismo nos costumes e o estilo populista e online de fazer pol�tica.

Mas a gest�o Bolsonaro defende que a aproxima��o de agendas dos pa�ses n�o � resultado apenas da simpatia m�tua entre a dupla de pol�ticos, mas o reconhecimento de que a rela��o at� ent�o morna com os americanos representava uma oportunidade desperdi�ada de aumentar o fluxo de neg�cios bilaterais e a influ�ncia pol�tica brasileira na Am�rica Latina.

Mas at� que ponto a dita amizade entre Trump e Bolsonaro de fato se reverteu em benef�cios para o pa�s latino-americano? Em quais pontos houve avan�os e quais outros o Brasil saiu perdendo?

A BBC News Brasil ouviu especialistas em rela��es internacionais e com�rcio exterior para entender essas quest�es.

1 - Assimetria e pol�tica de imigra��o

Para Felipe Loureiro, professor e coordenador do curso de Rela��es Internacionais da USP, a rela��o entre Brasil e Estados Unidos nos dois �ltimos anos, com Trump e Bolsonaro no poder, pode ser classificada como "assim�trica".

"� assim�trica porque Brasil cedeu de maneira concreta em v�rios setores, mas recebeu em troca apenas promessas", afirma. "O governo Trump fez pouqu�ssimas concess�es, de modo que o Brasil ganhou muito pouco nesse per�odo."

Um desses pontos citados pelo acad�mico foram as pol�ticas de visto e imigra��o. Enquanto Bolsonaro extinguiu a necessidade de visto para turistas americanos entrarem no Brasil, Trump n�o fez o mesmo nem anunciou qualquer mudan�a sobre as a��es contra imigrantes brasileiros que estejam de maneira clandestina nos Estados Unidos. Pelo contr�rio: avi�es fretados pelo governo brasileiro trouxeram centenas de imigrantes de volta ao pa�s.

Em 2019, ao anunciar a medida sobre o visto, Bolsonaro justificou sua decis�o afirmando que "americanos n�o v�m ao Brasil em busca de emprego". "Agora, algu�m tem que estender os bra�os em primeiro lugar, estender as m�os em primeiro lugar, e fomos n�s. Creio que podemos ganhar muito na quest�o do turismo", disse o presidente.

Para Loureiro, n�o houve reciprocidade dos Estados Unidos depois da decis�o de Bolsonaro. "O governo brasileiro alegou que o fim da necessidade de visto aumentaria os investimentos e fluxo de turistas americanos ao Brasil. Isso n�o aconteceu na escala que foi anunciada, levando-se em conta o contexto da pandemia", afirma.

"O Brasil cedeu nesse ponto, e recebeu apenas uma promessa de revis�o da pol�tica de imigra��o para os brasileiros, mas isso n�o se verificou. Muito pelo contr�rio: a pol�tica de imigra��o do governo Trump para latino-americanos � muito dura, e desrespeita a acordos internacionais que regem quest�es b�sicas de direitos humanos", completa Loureiro.


Bolsonaro já afirmou 'amar' Trump, mas não foi retribuído pelo americano(foto: Alan Santos / Presidência da República )
Bolsonaro j� afirmou 'amar' Trump, mas n�o foi retribu�do pelo americano (foto: Alan Santos / Presid�ncia da Rep�blica )

2 - Base de Alc�ntara, acordos comerciais e militares

Durante a visita de Bolsonaro aos Estados Unidos, em mar�o de 2019, os dois governos anunciaram um acordo que prev� o uso pelos EUA do Centro de Lan�amento de Alc�ntara, no Maranh�o.

O governo Bolsonaro afirmou que o acordo estimular� o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poder� gerar investimentos de at� R$ 1,5 bilh�o na economia nacional.

Cr�ticos do pacto apontaram, por�m, poss�veis entraves � transfer�ncia de tecnologias para o Brasil, riscos � soberania nacional e efeitos nocivos para moradores de Alc�ntara, entre os quais remo��es de comunidades quilombolas.

"Na minha vis�o, esse � um acordo assim�trico em que o Brasil cedeu muito, sem ter muita certeza do que ganhar� em troca. Al�m da remo��o for�ada de comunidade tradicionais, o Brasil pode perder o direito ao acesso a uma parte do pr�prio territ�rio. Por�m, apesar da assinatura, o acordo pouco evoluiu nos �ltimos meses", explica a analista Maiara Folly, diretora de programas e cofundadora da Plataforma Cip�, dedicada a an�lises sobre clima, paz e coopera��o internacional.


Localização de Alcântara, próxima à linha do Equador, permite economia de 30% no combustível usado para lançar foguetes(foto: Ministério da Defesa)
Localiza��o de Alc�ntara, pr�xima � linha do Equador, permite economia de 30% no combust�vel usado para lan�ar foguetes (foto: Minist�rio da Defesa)

Outro ponto celebrado por Bolsonaro foi um acordo de coopera��o na �rea de equipamentos militares, assinado em mar�o deste ano, pouco antes da pandemia de covid-19.

Segundo pronunciamento do Minist�rio da Defesa na �poca, o objetivo do projeto � "abrir caminho para que os dois governos desenvolvam futuros projetos conjuntos alinhados com o m�tuo interesse das partes, abrangendo a possibilidade de aperfei�oar ou prover novas capacidades militares".

Para Felipe Loureiro, da USP, o projeto pode ser bom para o Brasil. "Apesar de ter pouca coisa concreta at� agora, n�o h� d�vida de que ele pode ser ben�fico se viabilizar a oferta de novos equipamentos, al�m de um moderniza��o do setor no Brasil", diz.

Neste m�s, Brasil e EUA tamb�m assinaram tr�s acordos comerciais depois de meses de negocia��es.

Os termos preveem aboli��o de algumas barreiras n�o-tarif�rias no com�rcio bilateral: a simplifica��o ou extin��o de procedimentos burocr�ticos, conhecida no jarg�o empresarial como facilita��o de com�rcio, a ado��o de boas pr�ticas regulat�rias, que pro�bem, por exemplo, que ag�ncias reguladoras de cada pa�s mudem regras sobre produtos sem que exportadores do outro pa�s possam se manifestar previamente, e a ado��o de medidas anticorrup��o.

3 - Entrada do Brasil na OCDE

Em 2019, o governo Bolsonaro fez uma s�rie de concess�es em troca do apoio dos Estados Unidos � entrada do Brasil na Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE).

A entidade, com sede em Paris, foi criada em 1961 e re�ne 36 pa�ses-membros, a maioria economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Jap�o e pa�ses da Uni�o Europeia. A organiza��o � vista como um "clube dos ricos", apesar do ingresso de v�rios emergentes. Chile e M�xico s�o os �nicos representantes da Am�rica Latina.

Esse "f�rum internacional" realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus pa�ses-membros, fomentando a��es voltadas para a estabilidade financeira e a melhoria de indicadores sociais.

Entre as concess�es feitas por Bolsonaro, houve uma com maior potencial de impacto econ�mico: a ren�ncia do Brasil ao tratamento diferenciado, como pa�s em desenvolvimento, nas negocia��es da Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC).

O tratamento diferenciado prev� benef�cios para pa�ses emergentes em negocia��es com na��es ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determina��es e margem maior para proteger produtos nacionais.

Para Maiara Folly, a retirada desse status foi prejudicial ao Brasil. "H� tamb�m um aspecto simb�lico nessa medida, que tem a ver com a identidade da pol�tica externa brasileira. O Brasil tendia a se posicionar como um l�der do mundo em desenvolvimento, o que garantia a lideran�a em discuss�es importantes, como combate � pobreza, quest�es ambientais, quebra de patentes e de direito intelectual. O Brasil era sempre uma voz ser ouvida, o que n�o ocorre mais", diz.

Inicialmente, os Estados Unidos afirmaram que iriam apoiar a entrada da Argentina na OCDE, posi��o reformulada no in�cio deste ano, a favor do Brasil. Por�m, ainda n�o se sabe quando o pa�s vai entrar definitivamente na entidade, pois existe a depend�ncia do apoio de outros membros do grupo.


Em foto de março de 2018, Bolsonaro assina livro de visitas da Casa Branca(foto: Alan Santos/Presidência da República)
Em foto de mar�o de 2018, Bolsonaro assina livro de visitas da Casa Branca (foto: Alan Santos/Presid�ncia da Rep�blica)

4 - Exporta��o de a�o e alum�nio

No setor de siderurgia, Donald Trump tamb�m n�o favoreceu o Brasil. Essa �rea � bastante sens�vel para o governo do Partido Republicano, que foi pressionado por sider�rgicas locais a barrar as importa��es do produto de outros pa�ses, principalmente do Brasil.

Nos �ltimos dois anos, Trump amea�ou sobretaxar o a�o e alum�nio do Brasil, prejudicando os exportadores brasileiros e favorecendo a produ��o local. Nas redes sociais, o presidente ainda acusou o governo Bolsonaro de desvalorizar o real de prop�sito para colher mais lucros com as exporta��es da mat�ria-prima.

Em agosto deste ano, j� em campanha pela reelei��o, Trump reduziu a cota de exporta��es do a�o semi-acabado do Brasil. Segundo Trump, a medida foi tomada porque houve mudan�as significativas no mercado de a�o americano, que se se contraiu em 2020.

O governo brasileiro n�o criticou a medida, o que foi visto por analistas como mais um ind�cio do apoio de Bolsonaro � reelei��o do republicano.

No geral, as exporta��es de produtos brasileiros ca�ram 25% no acumulado de janeiro a setembro deste ano em rela��o ao mesmo per�odo de 2019, o menor patamar em 11 anos.

"H� uma influ�ncia da pandemia nessa queda, mas essa desacelera��o das exporta��es para os EUA j� vinha acontecendo nos �ltimos anos. N�o d� para culpar apenas a pandemia", diz Jos� Augusto de Castro, presidente executivo da Associa��o de Com�rcio Exterior do Brasil (AEB).

5 - A China e o 5G


A Huawei é a maior fornecedora de equipamentos para redes de telecomunicação do mundo(foto: Reuters)
A Huawei � a maior fornecedora de equipamentos para redes de telecomunica��o do mundo (foto: Reuters)

O 5G � outro ponto de influ�ncia de Trump sobre o governo brasileiro, que ter� de decidir como implementar a nova tecnologia em meio a uma das disputas mais acirradas da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Um dos principais concorrentes do 5G no Brasil � a empresa chinesa Huawei.

� primeira vista, o 5G � apenas uma atualiza��o dos sistemas de 4G j� existentes no Brasil — o uso de frequ�ncias de r�dio outorgadas pelo governo a operadoras de telefonia m�vel para transmiss�o de dados digitais. Mas na pr�tica ele ser� muito mais do que isso. A velocidade esperada nas conex�es � da ordem de 10 a 20 vezes maior do que a tecnologia anterior.

Em qualquer cen�rio, as decis�es sobre um leil�o dessa magnitude — que ser� o maior j� realizado no Brasil e um dos maiores do mundo — j� seriam pol�micas e dif�ceis.

Mas o governo Bolsonaro vem sendo pressionado pelas duas superpot�ncias mundiais. Donald Trump chegou a falar abertamente, em julho, que est� em campanha contra os chineses na quest�o.

Nos �ltimos anos os EUA iniciaram uma ofensiva contra a Huawei, que, segundo os americanos, representa um perigo de seguran�a nacional aos pa�ses que comprarem seus equipamentos.

A acusa��o � baseada na seguinte l�gica: se toda a sociedade estiver interconectada usando equipamento de uma empresa chinesa — o que incluiria sistemas de tr�nsito, de comunica��o ou at� mesmo de eletrodom�sticos "inteligentes" dentro dos nossos lares — todos n�s estar�amos vulner�veis a espionagem pelo governo da China.


A rede de quinta geração promete mais velocidade, conexão melhor e economia de bateria(foto: Getty Images)
A rede de quinta gera��o promete mais velocidade, conex�o melhor e economia de bateria (foto: Getty Images)

A Huawei � uma empresa privada, mas uma lei de seguran�a aprovada pela China em 2017 permite, em tese, que o governo de Pequim exija dados de companhias privadas, caso a necessidade seja classificada como importante para soberania chinesa.

A China nega todas as acusa��es e diz que o �nico interesse dos EUA � minar o crescimento tecnol�gico chin�s, que vem fazendo face aos americanos.

Os Estados Unidos querem que o Brasil adote uma licita��o que exclua o uso de equipamentos da Huawei por parte das operadoras — algo que j� foi adotado em outros pa�ses do mundo, como Reino Unido, Jap�o e Austr�lia.

"A rela��o entre Brasil e Estados Unidos, muitas vezes com um car�ter de subservi�ncia e autom�tico por parte do governo brasileiro, tem causado muitos desgastes com a China, que � nosso principal parceiro comercial desde 2009. Seria muito bom se o Brasil conseguisse encontrar um equil�brio para manter uma boa rela��o com os dois pa�ses, mantendo uma postura de independ�ncia", diz Maiara Folly.

6 - Covid-19 e meio ambiente


Bolsonaro chamou a covid-19 de 'gripezinha' no início da pandemia(foto: REUTERS/Adriano Machado)
Bolsonaro chamou a covid-19 de 'gripezinha' no in�cio da pandemia (foto: REUTERS/Adriano Machado)

Durante a pandemia de covid-19, Bolsonaro teve posturas semelhantes ao de seu colega americano. Ambos apostaram na cloroquina como tratamento para a doen�a, mesmo sem provas cient�ficas de que o medicamento era eficaz e mesmo ante ind�cios de que seus efeitos colaterais poderiam ser graves.

Trump e Bolsonaro tamb�m desdenharam repetidas vezes o poder destrutivo da doen�a, embora ambos tenham adoecido. Estados Unidos e Brasil s�o hoje os pa�ses do mundo com maior n�mero de mortos pelo coronav�rus, com 231,6 mil e 160 mil v�timas fatais, respectivamente (at� esta ter�a, 3/11).

Na �rea do meio ambiente, os dois pol�ticos tamb�m s�o vistos como negacionistas e negligentes — ou seja, eles negam informa��es cient�ficas e evid�ncias comprovadas do alcance das mudan�as clim�ticas e da destrui��o de florestas, como a Amaz�nia.

Se de um lado Trump saiu do Acordo de Paris, tratado que cria regras e medidas para redu��o de gases de efeito estufa, do outro Bolsonaro culpou, sem provas, ONGs de defesa do meio ambiente e at� ind�genas pelo crescimento exponencial das queimadas na Amaz�nia em seu governo.

Para Felipe Loureiro, a imagem internacional do Brasil hoje, em fun��o do descaso com o meio ambiente, tem mais relev�ncia por quest�es negativas do que positivas.

"A quest�o do meio ambiente � muito importante e vai ser o tema principal da agenda internacional nos pr�ximos anos. Se o Brasil n�o fizer a li��o de casa, a tend�ncia � que exista ainda mais press�o por boicote de empresas brasileiras no exterior e at� san��es econ�micas", explica o professor da USP.

Para Jos� Augusto de Castro, da Associa��o de Com�rcio Exterior do Brasil, uma eventual vit�ria de Joe Biden nas elei��es desta ter�a-feira criaria ainda mais press�o sobre o governo brasileiro na pauta ambiental. "Biden j� se posicionou sobre isso. Quando falamos de meio ambiente, falamos de agroneg�cio. O Brasil vai precisar rever suas posi��es para n�o ficar cada vez mais isolado", diz.

J� Maiara Folly, da Plataforma Cip�, cita que as posi��es de Bolsonaro em rela��o � destrui��o do meio ambiente, al�m de postura reativa a quest�es de direitos humanos, "transformaram o Brasil em um Estado p�ria, arranhando a imagem do pa�s" na comunidade internacional.

"Bolsonaro cultivou uma rela��o personalista com Trump, e n�o fez isso com o Partido Democrata. N�o acredito que o Biden, caso ven�a como indicam as pesquisas, v� tomar uma atitude dr�stica em rela��o ao Brasil logo no come�o. Mas, se o Brasil for um empecilho na quest�o ambiental, que � um das principais plataformas dos democratas, � poss�vel que haja muitas tens�es entre os dois pa�ses", diz.


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