
Um grupo de cerca de 50 golfinhos se aproxima da praia. Os animais nadam at� a parte mais rasa, atolam e s�o brutalmente mortos por ca�adores com golpes de lan�a no espir�culo — orif�cio por onde o animal respira. A cor vermelha toma conta do mar azul-esverdeado.
S�o poupados apenas os animais mais jovens, sem cicatrizes e com maior expectativa de vida. Eles s�o mais valiosos para os ca�adores, pois s�o vendidos a parques aqu�ticos, onde s�o treinados e viram atra��o em troca de ingressos caros. Os outros s�o abatidos e sua carne � vendida em restaurantes e supermercados.
Essas mortes em massa, conta o ativista e conselheiro da Sea Shepherd Brasil (ONG internacional que atua na prote��o marinhada), Guiga Pir�, s� ocorrem porque, antes de serem mortos, os golfinhos sofrem uma tortura sonora por ca�adores para que eles desviem de suas rotas originais e sejam mortos na costa."Os ca�adores fazem uma barreira sonora martelando uma barra de ferro dentro da �gua. O ca�ador, que tem uma vis�o privilegiada da movimenta��o dos animais, orienta as batidas para encurralar os animais", afirmou o brasileiro, que viaja o mundo protegendo golfinhos e baleias da matan�a, em entrevista � BBC News Brasil.
Por conta de suas a��es de combate e repress�o � matan�a de golfinhos, Guiga tamb�m atua como fot�grafo e tripulante da ONG em miss�es, mas n�o vai mais ao Jap�o, onde � considerado persona non grata.
Animais vivos
Um golfinho morto, estima o ativista brasileiro Guiga Pir�, que viaja o mundo tentando evitar a matan�a dos animais, rende em m�dia cerca de 600 d�lares (cerca de R$ 3,3 mil) depois de ter sua carne vendida no Jap�o. J� um golfinho vivo e treinado pode valer at� 200 mil d�lares (R$ 1,1 milh�o) ao ser comercializado para resorts, aqu�rios e a ind�stria do entretenimento em geral.
Esses animais s�o geralmente usados para que turistas tirem fotos nos parques aqu�ticos para onde s�o levados. � comum que os pr�prios treinadores que trabalham em resorts, explica Guiga Pir�, se desloquem at� o local da matan�a para selecionar os melhores animais.
� justamente o dinheiro que os pescadores conseguem com a venda de golfinhos vivos que banca a compra de novas embarca��es e estrutura para as ca�as, explicam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Essas ca�as s�o legalizadas e ocorrem principalmente nas ilhas Faro�, territ�rio dependente da Dinamarca, e em Taiji, no Jap�o. Mas a matan�a tamb�m � registrada na costa oeste africana.
Al�m do fator cultural, pescadores no Jap�o tamb�m alegam matar golfinhos para evitar que eles comam os peixes da regi�o e prejudiquem a pesca local.
O coordenador de pesquisa do Instituto Baleia Jubarte, Milton Marcondes, disse que a justificativa dos pa�ses para manter a matan�a desses animais � preservar a cultura local.
"Eles tratam como coisas tradicionais. Se a gente for comparar, � como a Farra do Boi em Santa Catarina, quando torturam o animal at� ele morrer. � uma malha��o do Judas com o animal vivo. Isso fere a legisla��o brasileira, mas muita gente v� como folclore e defende. O rodeio tamb�m � parecido porque maltrata e fere, mas movimenta dinheiro e tem parcela da popula��o que � a favor. Tamb�m temos vaquejada. Cada pa�s tem seu telhado de vidro", afirmou.
Segundo Marcondes, o Jap�o deixou a Comiss�o Internacional da Baleia ap�s ser "muito criticado por outros pa�ses pela matan�a de golfinhos".
"Tudo por conta da press�o internacional. Agora deve haver tamb�m uma press�o econ�mica boicotando produtos para funcionar de verdade. Diversos pa�ses, como o Brasil, n�o fazem isso para n�o prejudicar o com�rcio com o Jap�o", afirmou Marcondes.
GPS marinho
O ativista Guiga Pir� conta que os ca�adores de golfinhos instalam uma barra de ferro maci�a na lateral do barco para causar o ru�do sonoro que desnorteia os animais. Parte do tubo entra na �gua e tem uma ponta em formato de funil, como uma boca de sino.
Quem est� no barco martela a parte superior da estrutura, que cria ondas que viajam e terminam nessa boca de sino, onde o sinal � amplificado e difundido pela �gua at� os golfinhos.
"Esses animais usam a ecolocaliza��o pelas ondas sonoras para se guiar, como um GPS. Eles emitem sinais — aqueles barulhos que a gente conhecem — e essas ondas batem em corais e cardumes, por exemplo. Ele t�m intelig�ncia para medir dist�ncias por meio dessas ondas sonoras e saber para onde devem ir", afirmou o ativista.
A confus�o sonora causada pelas batidas dos ca�adores desnorteia o grupo, que passa a n�o saber para onde deve ir. Os animais t�m seus sensores atacados, como se estivessem cegos.
Os ca�adores aproveitam essa confus�o para fazer uma forma��o com as embarca��es em formato de "U", com uma apenas sa�da para os golfinhos: a costa. � assim que eles fazem nas praias no Jap�o.
"Os golfinhos escapam em dire��o � costa porque � o �nico lugar que eles percebem que o sinal n�o est� vindo, sem saber que � uma armadilha. Quando eles chegam, os ca�adores colocam uma rede e os golfinhos ficam presos entre a rede e praia, num espa�o de no m�ximo 100 metros. J� vimos mais de 100 golfinhos presos nesse espa�o", afirmou Guiga.
O Jap�o permite que 2 mil golfinhos sejam abatidos anualmente durante a temporada de ca�a, iniciada no 1º de setembro de 2020 e que foi encerrada em fevereiro de 2021.
Caso os ca�adores ultrapassassem a cota, eles ainda poderiam apresentar uma justificativa e serem liberados.
Algumas vezes, os ca�adores v�o para �gua e empurram os golfinhos com as pr�prias m�os em dire��o � rede, pr�xima � areia.
"Quando chegam ao ponto mais raso, eles s�o mortos com golpes de lan�a no espir�culo, o orif�cio por onde eles respiram, no topo da cabe�a. Isso causa ferimento na espinha dorsal do animal. Os ca�adores dizem que isso n�o causa sofrimento porque o golfinho perde todos os sentidos imediatamente. Mas o que a gente v� � que o animal pode ficar alguns minutos sofrendo", afirmou Guiga Pir�.
O ativista disse que esse golpe causa uma paralisia e o animal n�o consegue mais nadar ou respirar e que muitas vezes ele morre afogado porque ficou paralisado e n�o conseguir mais subir para respirar. "Ele morre afogado no pr�prio sangue".
Ilhas Faro�
Nas Ilhas Faro�, territ�rio da Dinamarca, centenas de pessoas ficam aguardando na praia � espera dos golfinhos. Elas se dividem em times. Algumas empurram os animais at� a praia, seja em barcos ou usando redes. Enquanto outras usam ganchos para arrastar o animal pelo espir�culo at� a areia.
Como os animais s�o pesados, os especialistas explicam que a dor que eles sentem enquanto s�o arrastados � algo similar a um humano ser puxado por um gancho preso ao nariz.
Quando o golfinho encalha, os ca�adores enfiam uma lan�a no animal e ele morre. Enquanto ele se debate, os ca�adores cortam a cabe�a.
"Nossas equipes da Sea Shepherd fazem um barulho de oposi��o ao dos ca�adores no mar para afastar os golfinhos da costa. Salvamos centenas de animais dessa maneira", contou Guiga Pir�, o ativista brasileiro.
Ele afirmou que a atua��o dos ativistas nessas regi�es, por�m, foi dificultada por leis que vetam a entrada de membros da Sea Shepherd e que a estrat�gia agora � treinar moradores locais para as miss�es.
"Fizemos um apelo e muitos dinamarqueses passaram a nos ajudar. H� muitas pessoas dispostas e esse trabalho � vital para a gente".
Ca�a ao boto
No Brasil, tanto a ca�a quanto o uso de golfinhos para entretenimento s�o proibidos.
Entretanto, a polui��o e outros res�duos que s�o jogados no oceano, como as redes de pescas abandonadas por pescadores, chamadas de "redes fantasmas" v�o matando os animais ao longo dos anos. Isso porque os animais ficam presos e morrem afogados por n�o conseguirem subir � superf�cie para respirar.
O que existe no Brasil, explica Guiga Pir�, � a ca�a ao boto. Os principais respons�veis por essa matan�a s�o pescadores que usam a carne do animal como isca para a pesca da piracatinga, peixe da regi�o amaz�nica.
De acordo com o presidente do Instituto Baleia Jubarte, uma lei hoje pro�be ao menos temporariamente a matan�a do boto-cor-de-rosa para que ele seja usado como isca.
"H� uma morat�ria que pro�be a pesca da piracatinga desde 2015. Ela era v�lida por cinco anos e foi renovada por mais um (at� junho de 2021). Mas a gente cai naquele problema de que fiscalizar a Amaz�nia � invi�vel, ainda mais com o Meio Ambiente n�o sendo prioridade desse governo", afirmou Milton Marcondes.
Marcondes diz que as redes de pesca matam muitos golfinhos, baleias e tartarugas de maneira acidental. O preju�zo tamb�m � grande para o pescador quando uma baleia atinge a rede, que � um objeto geralmente artesanal. Muitas vezes o animal a leva inteira ou arranca um peda�o.
"O ideal � que eles (pescadores) busquem equipamentos mais adequados para capturar cada esp�cie de peixe, al�m da cria��o de unidades de conserva��o marinha para proibir pesca e em outros pontos impor restri��es tempor�rias", disse Marcondes.
Milton Marcondes, que tamb�m � m�dico veterin�rio, explica que pesquisadores est�o desenvolvendo t�cnicas de evitar que as baleias e golfinhos esbarrem nessas redes. Uma delas � instalar um alarme sonoro a cada 500 metros para evitar que os animais se aproximem.
Isso, por�m, causa dois problemas. O primeiro � que a barreira de som aumenta o ru�do no mar e afasta todos os animais de uma regi�o importante para os pescadores. Eles est�o fazendo pesquisas para ter ideia de qual o impacto real dessa medida.
O segundo � o valor porque os pescadores n�o querem investir numa tecnologia cara que n�o trar� retorno financeiro. Uma sa�da de baixo custo que alguns deles est�o testando � encher garrafas de vidro com pedras.
Dessa maneira, as ondas fariam o trabalho de que chacoalhar o objeto para produzir o ru�do. A efici�ncia desse dispositivo de baixo custo tamb�m est� sendo testada.
Marcondes diz que a intera��o mais saud�vel entre homem e golfinho no Brasil acontece no Sul. Em Santa Catarina, conta ele, pescadores pescam tainha em coopera��o com os animais.
"Os golfinhos, ou boto da tainha, trazem os peixes em dire��o a eles e eles jogam a tarrafa (rede de pesca). O golfinho arqueia o corpo como um sinal para o pescador jogar a rede. As tainhas se assustam e isso favorece para o golfinho tamb�m capturar os peixes. O pescador ganha e o golfinho tamb�m", afirmou Milton Marcondes.
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