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Estado de Minas PARIS

M�dicos Sem Fronteiras, uma saga de 50 anos de emerg�ncia, pol�micas e sonhos


07/06/2021 11:33

Eles tinham 20 anos, muitos sonhos e vontade de salvar o mundo. No turbilh�o ap�s o movimento estudantil de maio de 1968 na Fran�a, um pequeno grupo de m�dicos rec�m-formados descobre os horrores da guerra civil em Biafra.

"Foi um choque", recorda Bernard Kouchner. "Os feridos chegavam ao nosso hospital � noite, quando os bombardeios cessavam (...) Escolh�amos entre os que pod�amos salvar e os que iam morrer. Jamais esquecerei", diz.

A M�dicos Sem Fronteiras (MSF) nasceu em 1971 dessa experi�ncia e da vontade de jovens idealistas como ele, que decidiram levar ajuda �s popula��es em terremotos, fomes, epidemias e conflitos.

S�o cinquenta anos de miss�es e rebeli�es, recompensados com o Pr�mio Nobel de 1999 e marcados por rupturas e pol�micas que fazem da MSF hoje uma institui��o t�o inclassific�vel quanto essencial.

E uma fant�stica aventura humana. "De um sonho fizemos um �pico", afirma Xavier Emmanuelli, um dos veteranos da ONG, de 83 anos.

- Caos em Biafra -

O sonho come�ou com um pesadelo em Biafra.

Em 1968, rebeldes separatistas desta prov�ncia nigeriana entraram em confronto com o Ex�rcito. As bombas matavam civis e o bloqueio das autoridades os levava � fome.

Em Paris, alguns m�dicos responderam a um pedido de ajuda do Comit� Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Entre eles Bernard Kouchner, ex-chefe da Uni�o de Estudantes Comunistas, e Max R�camier. "Crian�as morreram em massa porque o Ex�rcito bloqueou os suprimentos", lembra o Dr. Kouchner, de 81 anos.

"Denunciar essa situa��o era nosso dever como m�dicos."

Com seu colega R�camier, Kouchner, que mais tarde se tornaria ministro da Fran�a, decidiu quebrar o pacto de sil�ncio assinado com o CICV e expor a realidade do conflito.

"Biafra: Dois m�dicos prestam testemunho", noticiou o jornal Le Monde em novembro de 1968. A imprensa internacional finalmente se mobilizou e imagens de crian�as negras famintas invadiram as telas de televis�o. Foi o nascimento do trabalho humanit�rio moderno.

- "Improvisar" -

O in�cio foi dif�cil. Quase sem recursos materiais, a ONG rec�m-criada serviu inicialmente como um grupo de pessoas com boa vontade.

Seu nome passou a ser reconhecido ap�s uma campanha publicit�ria em 1977. "Crescemos com a m�dia e a televis�o", resume Xavier Emmanuelli.

As primeiras miss�es foram marcadas por complica��es. Ao desembarcar na Tail�ndia em 1975, nos campos das v�timas do regime cambojano do Khmer Vermelho, o jovem m�dico Claude Malhuret rapidamente se desiludiu.

"Foi terr�vel. N�o t�nhamos nada. T�nhamos que administrar tudo. Recuperar material, montar acampamento, conseguir rem�dios, at� comida", lembra.

"Quando voltei a Paris, contei tudo. Tratei-os como assassinos, por nos enviarem em uma miss�o como aquela, sem nada", diz o senador de 71 anos. "Foi um pouco excessivo, mas abalou a todos. N�o dava para ficar improvisando", acrescenta.

- "Ruptura" -

A tens�o cresceu na dire��o do MSF. Os m�dicos que atuaram em Biafra pretendiam continuar como um pequeno grupo e enfrentaram os "novos", dispostos a crescer.

O "barco ara o Vietn�", em 1979, mudou tudo. O ent�o presidente da MSF, Bernard Kouchner, mobilizou a elite intelectual de Paris - come�ando pelos fil�sofos Raymond Aron e Jean-Paul Sartre - para fretar um navio encarregado de resgatar no Mar da China os refugiados da ditadura comunista de Han�i.

Os "rec�m-chegados" � MSF se irritaram com o ativismo e durante uma assembleia-geral, os deixaram em minoria. Kouchner bateu a porta e saiu para fundar a M�dicos Do Mundo (MDM).

Quatro d�cadas depois, as cicatrizes da "ruptura" permanecem abertas. "Uma triste disputa de poder", de acordo com Kouchner, ex-ministro das Rela��es Exteriores da Fran�a (2007-2010).

"Ele teve a coragem e, acima de tudo, a vontade de se tornar algu�m importante", critica Xavier Emmanuelli, ex-secret�rio de Estado da A��o Humanit�ria. "Isso nos serviu, no in�cio. O pequeno pr�ncipe da m�dia. Mas a MSF � maneira de Kouchner era apenas conversa".

"Eles, os velhos, iam ao local para doar o alarme, esperando que os outros os seguissem", afirma tamb�m Rony Brauman, que na �poca era um jovem m�dico mao�sta da ONG.

"N�s, a gera��o jovem, quer�amos a��o s�ria, meios e resultados."

A MSF ent�o entrou na era da profissionaliza��o. "Precis�vamos de dinheiro para crescer. Viajei para os Estados Unidos para aprender a arrecadar fundos", lembra Claude Malhuret.

- "French Doctors" -

Apoiado pela independ�ncia oferecida pelo financiamento privado, a MSF n�o hesitou mais em denunciar.

"Seu modelo foi desenvolvido contra o princ�pio de neutralidade e respeito � soberania dos Estados defendido pelo CICV", analisa o advogado Philippe Ryfman, especialista no setor humanit�rio. "Eles falam para mobilizar a opini�o p�blica".

Em nome dos direitos humanos, os "esquerdistas" da MSF denunciaram os excessos dos regimes comunistas no Camboja.

E trabalharam em miss�es clandestinas em meio aos rebeldes afeg�os na guerra contra a ocupa��o sovi�tica. "Fomos os �nicos a ver os efeitos da guerra", explica Juliette Fournot, coordenadora das miss�es da ONG no Afeganist�o at� 1989.

Todos os dias amputavam crian�as e tratavam agricultores queimados. "Prestar testemunho foi muito importante, at� hoje os afeg�os se lembram de n�s", diz.

A ONG causou agita��o em 1985 na Eti�pia. "Nossos centros de distribui��o de alimentos se tornaram uma armadilha", lembra a Dra. Brigitte Vasset.

"Eles serviram �s autoridades para identificar os refugiados para transferi-los � for�a para o sul e despovoar as �reas rebeldes."

Diante da imprensa, Rony Brauman decidiu denunciar o governo et�ope. A MSF foi expulsa. "A ajuda tornou-se um instrumento nas m�os de um regime criminoso do qual n�o quer�amos ser c�mplices", justifica.

- Direito de interfer�ncia -

Correndo o risco de parecer arrogante, a MSF n�o hesita mais em denunciar distor��es no setor humanit�rio.

Ap�s a primeira Guerra do Golfo, os curdos do Iraque foram massacrados pelo regime de Saddam Hussein. A MSF foi em seu aux�lio e denunciou um massacre.

Em 1991, o Conselho de Seguran�a da ONU autorizou uma opera��o militar ocidental para ajudar os deslocados e proteg�-los de seu governo, algo nunca visto antes.

Naquela �poca, o secret�rio de Estado, Bernard Kouchner, saudava o in�cio de um "direito � interfer�ncia humanit�ria".

A MSF se preocupava e criticava a mistura do humanit�rio com o militar. A pol�mica continuou um ano depois na Som�lia, cen�rio de uma guerra civil e uma terr�vel fome.

Sob o mandato da ONU, as tropas e manuten��o da paz dos EUA desembarcam em Mogad�scio para garantir a seguran�a da distribui��o de alimentos.

Diante dessa situa��o, Rony Brauman denunciou a "armadilha" de uma opera��o em que soldados "matavam sob a bandeira da ajuda humanit�ria".

Quando chegou � capital de Ruanda em abril de 1994, Jean-Herv� Bradol foi rapidamente dominado pela escala dos massacres que levou a uma interven��o militar internacional. "N�s nunca t�nhamos feito isso".

A den�ncia da situa��o nos campos de refugiados de Ruanda no vizinho Zaire e os excessos das novas autoridades em Kigali custaram � MSF at� 1997 as cr�ticas da ONU e de outras ONGs.

- Pr�mio Nobel -

A consagra��o veio com o Pr�mio Nobel da Paz em 1999.

A recompensa passou a ser usada para financiar uma campanha de acesso a tratamentos para doen�as tropicais e aids, um dos novos setores de a��o.

Hoje, a pequena associa��o cresceu e se tornou gigante. Sob a �gide da MSF-International, as 25 se��es nacionais empregam 61.000 pessoas, das quais 41.000 est�o implantadas em uma centena de opera��es em cerca de 75 pa�ses.

Com um or�amento anual global de 1,6 bilh�o de euros (cerca de US $ 1,94 bilh�o), 99% de fundos privados, a MSF atua em todas as frentes.

Da luta contra o ebola na �frica � ajuda aos deslocados pela guerra civil no I�men, ao resgate de migrantes no Mediterr�neo e � luta contra a aids na Mal�sia.

- O chamado MSF -

A ONG comemora 50 anos de sua cria��o e v� como a a��o humanit�ria se transforma.

Os pedidos de ajuda continuam a aumentar, mas o acesso � popula��o continua a ser negociado em duras discuss�es com as autoridades e a seguran�a do pessoal torna-se fundamental devido ao terrorismo jihadista.

"Cada vez mais pa�ses s�o capazes de organizar uma poderosa ajuda de emerg�ncia em caso de um desastre natural", diz M�go Terzian.

"A MSF ainda ser� �til? Talvez evoluamos para uma funda��o que apoiar� as organiza��es locais", acrescenta.

Em todo caso, a ONG continua a despertar voca��es. Logo ap�s sua resid�ncia, Fanny Taudi�re, 29, desembarcou em mar�o no sul de Madagascar, cen�rio de uma fome gigantesca.

"Aqui me sinto �til", confidencia a jovem m�dica de seu acampamento em Amboasary. "Isso d� sentido, intensidade � vida. Faz vibrar a vida, h� encontros incr�veis, uma aventura todos os dias, mesmo que haja dias em que nada seja f�cil."


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