
O embargo dos Estados Unidos contra Cuba � uma das medidas mais condenadas pela Assembleia Geral da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), onde todos os anos, desde 1992, � aprovada uma resolu��o contra a imposi��o americana.
As raz�es para condenar a medida variam bastante, e em muitos casos n�o representam um gesto de apoio ao governo cubano, mas sim, no caso de muitos pa�ses europeus, indicam uma contesta��o ao fato de que os EUA limitam a possibilidade de empresas de outros pa�ses a fazer neg�cios com a ilha ou de que esse embargo serve como um perigoso precedente de medidas unilaterais coercitivas.
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Depois dos protestos de dimens�es in�ditas ocorridos no domingo (11/07) em v�rias cidades cubanas exigindo alimentos, rem�dios e vacinas, mas tamb�m "liberdade" e "fim da ditadura", o governo de Miguel D�az-Canel apontou o embargo americano como a raiz dos males que atingem a ilha.
"O que precisamos aqui � que as 243 medidas de bloqueio sejam retiradas e o embargo, suspenso. � a �nica coisa que Cuba exige", disse D�az-Canel em uma transmiss�o pela televis�o e pelo r�dio na segunda-feira (12/07).
Dois dias depois, o governo cubano anunciou a suspens�o tempor�ria de restri��es alfandeg�rias a medicamentos e alimentos, na tentativa de apaziguar o descontentamento que os protestos trouxeram ainda mais � tona.
Mas o que exatamente � o embargo dos EUA a Cuba e qual � seu verdadeiro impacto?
Muitas normas, um objetivo
O embargo econ�mico americano contra Cuba se baseia em um amplo emaranhado jur�dico constru�do ao longo de d�cadas que inclui seis leis diferentes e diversas regula��es que pro�bem ou limitam rela��es comerciais com a ilha.
As primeiras san��es econ�micas foram adotadas em 1960 pelo governo do ent�o presidente Dwight Eisenhower em resposta � decis�o do governo cubano de estatizar os bens de empresas americanas na ilha, aumentar a taxa��o de produtos dos EUA e estabelecer rela��es comerciais com a Uni�o Sovi�tica.
Eisenhower reduziu drasticamente a importa��o de a��car de Cuba, p�s em marcha um embargo comercial parcial e acabou rompendo as rela��es diplom�ticas com Havana.
Com o fracasso da invas�o da Ba�a dos Porcos e da declara��o de Cuba como um Estado socialista por Fidel Castro em 1961, o presidente americano John F. Kennedy estabeleceu no ano seguinte um embargo total ao com�rcio com Cuba, com exce��o de alimentos e rem�dios.
Essas medidas iniciais foram adotadas com base na Lei de Com�rcio com o Inimigo, que havia sido aprovada em 1917 durante a Primeira Guerra Mundial, e na Lei de Assist�ncia Exterior, promulgada em 1961, que permite manter o embargo contra Cuba e pro�be que fundos de ajuda internacional dos EUA sejam destinados ao pa�s caribenho.

Em 1979, a Lei para Administra��o de Exporta��es permitiu estabelecer restri��es alfandeg�rias por motivos de seguran�a nacional.
Ap�s a queda da Uni�o Sovi�tica, o Congresso dos EUA aprovou, em 1992, a Lei para a Democracia em Cuba, conhecida como Lei Torricelli, que proibia subsidi�rias de empresas americanas em outros pa�ses de negociar com Cuba, assim como a viagem de cidad�os dos EUA ao pa�s. Ali tentava-se tamb�m limitar a coopera��o internacional de outros pa�ses com a ilha.
A Lei para a Liberdade e Solidariedade Democr�tica Cubanas (conhecida como Lei Helms-Burton), de 1996, refor�ou o embargo, incluindo restri��es a empresas de outros pa�ses de negociarem com a ilha.
Essa norma trouxe consigo uma outra mudan�a importante ao estabelecer as condi��es necess�rias para que o embargo de Cuba fosse suspenso.
Ali ficou estabelecido que, em consulta com o Congresso, o presidente americano poderia suspender algumas medidas quando um governo de transi��o fosse instalado em Cuba ou poderia eliminar todo o regime de san��es quando a ilha tivesse um governo eleito democraticamente, considerado como o objetivo �ltimo das san��es dos EUA contra a ilha.
Nesse processo, por�m, caber� ao Congresso a �ltima palavra, a quem cabe aprovar ou n�o o fim do embargo.
Essa lei tamb�m dificultou o acesso da ilha a financiamentos externos ao estabelecer que os EUA usar�o sua influ�ncia e seu voto em organiza��es financeiras internacionais para se opor � ades�o de Cuba a essas institui��es.
Em 2000, a Lei de San��es Comerciais e Aumento do Com�rcio representou um certo relaxamento do embargo ao permitir a exporta��o para Cuba de alimentos, produtos agr�colas e medicamentos.
Al�m dessas leis, h� diversas normas e diversos regulamentos adicionais que conferem ao Poder Executivo dos EUA certa margem de discricionariedade na aplica��o do embargo, o que explica como foi poss�vel que durante o governo de Barack Obama houvesse uma grande flexibiliza��o das rela��es econ�micas com Cuba, especialmente em rela��o a viagens e envio de remessas, e que sob a Presid�ncia de Donald Trump elas acabaram endurecidas mais uma vez.
Historicamente, o governo cubano se refere �s san��es econ�micas dos EUA como um bloqueio e insiste que a normaliza��o total das rela��es bilaterais s� ser� poss�vel quando essas medidas forem totalmente suspensas.
Embora as primeiras san��es impostas por Washington tenham respondido � nacionaliza��o dos ativos de empresas americanas em Cuba em 1960, ao longo dos anos, elas se tornaram um meio de pressionar a ilha, negando-lhe acesso ao com�rcio com a maior economia mundial, bem como �s facilidades inerentes ao uso do sistema financeiro dos EUA, cobrando respeito os direitos humanos e o estabelecimento de um governo eleito democraticamente.

A proibi��o � a norma
Quais atividades econ�micas ent�o s�o afetadas pelo embargo americano a Cuba?
“A regra geral � que tudo o que n�o seja explicitamente autorizado por uma licen�a especial ou geral � absolutamente proibido se tiver a ver com Cuba, em termos econ�micos e comerciais”, explica Pedro Freyre, professor de Direito e advogado do escrit�rio de advocacia Akerman, em Miami.
“Agora, falando do embargo especificamente: algu�m disse que h� 'mais buracos do que queijo' porque existe toda uma gama de exce��es e licen�as gerais que autorizam transa��es com Cuba”, acrescenta Freyre, que assessora empresas americanas e internacionais a ajud�-las a fazer suas opera��es na ilha sem violarem o embargo.
O especialista lembra que � permitido o envio de ajuda humanit�ria, assim como a exporta��o de alimentos, embora neste caso seja obrigat�rio que o pagamento seja feito no ato, ou seja, que n�o seja financiado. Ele salienta que a venda de medicamentos tamb�m � autorizada, embora n�o de forma autom�tica, j� que existem alguns pr�-requisitos.
Freyre esclarece que as proibi��es existentes para outras atividades comerciais atingem cidad�os, empresas e entidades dos EUA ou que sejam controladas por americanos.
Em rela��o �s medidas americanas que restringem a possibilidade de empresas de outros pa�ses fazerem neg�cios com Cuba, Freyre explica que pa�ses da Uni�o Europeia e de outros continentes, como o Canad�, desenvolveram com sucesso um arcabou�o legal que impede a aplica��o extraterritorial das leis americanas.
"A aplica��o do bloqueio para al�m do territ�rio americano � colateral. Os EUA n�o t�m jurisdi��o prim�ria sobre uma empresa n�o americana. Se voc� tiver uma empresa inglesa ou francesa operando fora dos EUA, os EUA n�o t�m jurisdi��o de qualquer tipo sobre essa empresa. Agora, se essa empresa come�ar a operar nos EUA, usar o sistema banc�rio ou recursos americanos, a� sim h� jurisdi��o incidindo sobre essa empresa”, afirma.
A quest�o da aplica��o extraterritorial do embargo entrou em vigor nos �ltimos anos, depois que o governo Donald Trump permitiu a aplica��o de um trecho da Lei Helms-Burton que havia sido suspenso. Este estabelece que as empresas que foram confiscadas pelo governo cubano podem processar empresas estrangeiras que operam na ilha em tribunais dos EUA.
“Suponhamos que os ex-propriet�rios de uma empresa de tabaco que foi confiscada entrem com um processo e ganhem uma a��o em um tribunal americano contra uma empresa francesa que agora controla aquele ativo. Mas essa empresa francesa n�o tem ativos nos EUA, ela tem tudo na Europa. Ent�o, os americanos t�m que ir a um tribunal franc�s e dizer 'ei, garanta efeito e validade a essa a��o que ganhei nos EUA e vamos tomar as propriedades dessa empresa francesa'. Mas a regulamenta��o da Uni�o Europeia pro�be terminantemente essa aceita��o por tribunais franceses e, al�m disso, d� � empresa francesa o direito de apresentar reconven��o (a��o contra os autores do pedido) contra os americanos”, explica.
Freyre ressalta que as empresas estrangeiras que desejam fazer neg�cios com Cuba devem evitar o uso do sistema financeiro americano. “Cuba pode teoricamente comprar todo o combust�vel que quiser diretamente, por exemplo, da R�ssia. Os EUA n�o interferem nisso, mas essa transa��o n�o pode ser em d�lares nem pode usar o sistema banc�rio americano.”

As responsabilidades do embargo
E qual tem sido o impacto do embargo sobre Cuba?
“Os danos acumulados durante quase seis d�cadas de aplica��o dessa medida totalizam US$ 144 bilh�es (cerca de R$ 734 bilh�es)”, afirmou o governo cubano no documento “Cuba vs. Bloqueio” que apresentou sobre o embargo � Assembleia Geral da ONU em 2020.
As autoridades de Cuba quase sempre atribuem a culpa pelas dificuldades econ�micas enfrentadas pela popula��o cubana aos efeitos das san��es americanas, lembrando que elas dificultam o com�rcio e a obten��o de investimentos e financiamentos.
Os cr�ticos do governo cubano, por�m, apontam que a ilha mant�m rela��es comerciais com dezenas de pa�ses ao redor do mundo e que recebe sim expressivos investimentos estrangeiros, em setores que t�m possibilidade gerar lucro, como o turismo.
Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Am�ricas, afirma que embora o embargo dos EUA tenha tido um impacto econ�mico e social na ilha, o argumento de culpar estas san��es pelos problemas cubanos est� "ultrapassado".
“Eles [o governo cubano] geraram uma narrativa como se fosse um bloqueio total e um embargo econ�mico e financeiro, com todas as implica��es que isso tem na vida das pessoas”, diz Guevara-Rosas � BBC News Mundo (servi�o em espanhol da BBC).
Ela lembra que ainda que a ilha mantenha rela��es estreitas de coopera��o e com�rcio com pa�ses europeus, de fato os EUA s�o o principal exportador de alimentos e medicamentos para Cuba.
A lista dos principais parceiros comerciais da ilha � variada e inclui pa�ses como Venezuela, China, Espanha, Canad�, R�ssia, M�xico, Holanda, It�lia, Fran�a, Alemanha e os pr�prios Estados Unidos, segundo dados de 2019 do Instituto Nacional de Estat�sticas e Informa��es de Cuba.
Guevara-Rosas destaca, por exemplo, que 80% da carne e do frango da ilha v�m dos EUA.
John Kavulich, presidente do Conselho de Com�rcio e Economia EUA-Cuba, disse � BBC Monitoring que este ano as exporta��es de alimentos dos EUA para a ilha aumentaram 60% em rela��o a 2020, e que at� agora neste ano somam quase US$ 140 milh�es (cerca de R$ 715 milh�es), principalmente com a venda de frango.
Kavulich estima que cerca de 8% dos alimentos importados por Cuba v�m dos EUA.
Assim, ao investigarem a fundo as ra�zes das dificuldades da ilha, alguns analistas como Pedro Freyre olham para al�m do embargo. “O problema fundamental da economia cubana � que seu sistema � muito ineficiente”, diz ele.
E acrescenta: “o planejamento � centralizado e a propriedade, a titularidade de todos os bens fundamentais de produ��o, � do Estado. As grandes empresas s�o do Estado. O setor privado � relativamente pequeno e tem se expandido com muita dificuldade, mas s�o muito pequenos, s�o neg�cios individuais".
Freyre diz que que quem viaja para Cuba pode perceber o estado avan�ado de deteriora��o da infraestrutura local, o que atribui �s dificuldades do sistema pol�tico-econ�mico para criar valor e capital.
"E a� ent�o, em meio a toda essa deteriora��o, voc� avista um hotel novo de primeira linha. Esse hotel � uma joint-venture de uma ag�ncia governamental, geralmente com uma empresa russa, chinesa ou qualquer outra e � como um o�sis de capitaliza��o no meio de um oceano de ru�nas", acrescenta.
Freyre afirma que, neste contexto, o embargo imp�e um �nus adicional a Cuba e dificulta ainda mais as coisas, mas, em sua avalia��o, a raiz de tudo est� na inefici�ncia do sistema.
“Uma Cuba capitalista sob san��es n�o teria nem remotamente o n�vel de problemas que tem agora. Teria problemas, mas n�o o n�vel de problemas que tem agora.”
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