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Estado de Minas INTERNACIONAL

Conservadores adotaram ideias da direita radical, diz cientista pol�tico


01/08/2021 07:45

H� 30 anos, o cientista pol�tico holand�s Cas Mudde estuda movimentos de ultradireita. Em sua �ltima obra, The Far Right Today (A Ultradireita Hoje, sem edi��o no Brasil), lan�ada no fim de 2019, Mudde fala sobre a recente ascens�o do populismo de direita no mundo. Ele divide a ultradireita em dois grandes grupos, a extrema direita, que rejeita completamente a democracia, e a direita radical, que opera dentro das institui��es democr�ticas, ainda que se coloque contra valores fundamentais desse sistema, como a separa��o de poderes e os direitos das minorias. Para ele, a grande mudan�a na pol�tica mundial que possibilitou a ascens�o da direita e do populismo foi quando partidos conservadores tradicionais come�aram a encampar as ideias da direita radical em seu discurso convencional. Nesta entrevista ao Estad�o, ele fala sobre esse processo, sobre a narrativa ao redor do globo que criminaliza as minorias, e tamb�m sobre o Brasil.

Qual a diferen�a entre a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, Donald Trump e, digamos, Jair Bolsonaro?

A diferen�a n�o est� tanto no que a direita radical oferece. Na raiz, n�o se pode dizer que Trump seja menos radical e extremista que Bolsonaro ou Le Pen. A diferen�a � o papel da extrema direita dentro do contexto pol�tico mais amplo no que chamo de terceira onda, da qual Jean-Marie Le Pen � um �timo exemplo. Na �poca, a extrema direita estava obtendo sucesso eleitoral com suas opini�es, mas os atores pol�ticos eram vistos como corpos estranhos, o que � radicalmente diferente hoje. N�o apenas as ideias da extrema direita se tornaram a corrente principal, mas os pr�prios atores radicais fazem parte do mainstream. Tanto Bolsonaro quanto Trump s�o ou foram os presidentes. Isso faz com que eles mudem as pol�ticas diretamente. O ponto principal � que h� pa�ses nos quais a extrema direita n�o est� no governo, mas suas ideias s�o defendidas por partidos convencionais. � a transforma��o de partidos conservadores em direita radical. Os conservadores encamparam ideias da direita radical.

O sr. pode resumir diferen�as que v� entre a extrema direita no s�culo 20 e a do s�culo 21?

Nos anos 80, 90, a principal coisa que fizemos como estudiosos da extrema direita foi tentar entender por que algu�m votaria nesses partidos. A ideia era que esses partidos eram uma patologia e suas ideias eram compartilhadas por uma pequena porcentagem da popula��o. Come�amos a estudar um pouco o papel que a pr�pria direita radical desempenhou em seu sucesso, mas olhamos muito pouco para as consequ�ncias da ascens�o da direita radical. Em parte, porque ainda n�o estavam t�o claras. Isso me fez perceber que, embora tenhamos uma quantidade enorme de pesquisas acad�micas s�lidas sobre partidos de direita radical na Europa, isso se situa principalmente na terceira onda, entre 1980 e 2000, em que a direita radical teve um sucesso razo�vel, mas as legendas ainda eram relativamente novas e estranhas. Ent�o comecei a olhar particularmente para o que esses partidos fazem quando s�o o governo.

E qual � a diferen�a?

Em The Far Right Today, desenvolvi minha ideia de uma quarta onda de pol�tica de extrema direita do p�s-guerra, que come�ou no novo s�culo e � caracterizada por extrema heterogeneidade, bem como integra��o e normaliza��o na vida pol�tica. Uma das poucas certezas na literatura era que os partidos de extrema direita n�o poderiam ter sucesso eleitoral. E isso mudou. Como Trump e Bolsonaro, que flertam abertamente com medidas antidemocr�ticas, chegam ao poder? Quando pensamos na extrema direita, pensamos em partidos de protesto, mas o que vemos em pa�ses como Hungria e Pol�nia � que esses partidos, quando no governo, s�o recompensados por certos eleitores pelo que fazem. J� nas d�cadas de 80 e 90, nunca pensamos nessa possibilidade porque esses partidos nunca chegaram ao poder. O Partido Republicano, n�o apenas sob Trump, � muito mais nativista, autorit�rio e populista do que, digamos, o Pim Fortuyn (LPF) da Holanda costumava ser, mas poucas pessoas (ainda) consideram o partido uma "direita radical populista". Na Europa Oriental, as distin��es s�o dif�ceis, particularmente na esteira da chamada crise dos refugiados, quando a maioria dos principais partidos assumiu, pelo menos, posi��es t�o nativistas e islamof�bicas quanto o n�cleo populista e radical de partidos de direita na Europa Ocidental.

H� pontos em comum no discurso deles?

Sim, h� uma narrativa ao redor do globo que criminaliza as minorias. Quem s�o essas minorias varia de acordo com desenvolvimentos nacionais. E, ent�o, na pr�pria Europa Ocidental, os novos imigrantes do Oriente M�dio que atravessam o Mediterr�neo s�o as minorias, em outros lugares s�o os romenos, os judeus. Mas existe essa ideia de que a maioria � homog�nea e pensa exatamente a mesma coisa. E que o l�der � a voz deles. E que existe outro grupo que � minorit�rio e n�o � aut�ntico. Eles n�o fazem parte do povo. E que nos �ltimos anos eles tiveram um poder desproporcional. N�o � a conspira��o antissemita, na qual as minorias que est�o manipulando tudo. Agora � mais do que isso: os partidos t�m ouvido demais os interesses minorit�rios porque s�o marxistas ou porque tentaram fazer funcionar uma Uni�o Europeia ou os EUA. Embora as especificidades sejam diferentes no Brasil e na Holanda, o mecanismo � o mesmo. � sempre como nosso pa�s n�o � mais democr�tico porque o establishment tem ouvido apenas as minorias em vez de ouvir o povo, que � homog�neo.

Quais s�o as principais caracter�sticas compartilhadas na Europa, EUA e Brasil?

Nativismo, autoritarismo, populismo � a ess�ncia de todos eles. At� certo ponto, particularmente o nativismo funciona de forma muito diferente em v�rios pa�ses. Na Europa Central Oriental, os "outros" eram ciganos, e eles eram dom�sticos. N�o vieram de nenhum outro lugar. Na Europa Ocidental, s�o mu�ulmanos, os imigrantes. Nos EUA, s�o imigrantes mexicanos, assim como afro-americanos que vivem l�. Na Am�rica Latina, o nativismo n�o � t�o dominante quanto na Am�rica do Norte e na Europa. Mas n�o significa que n�o esteja l�. Mas eles ainda t�m o mesmo tipo de compreens�o de na��o, que � at� certo ponto racializada e o autoritarismo n�o � uma ideia antidemocr�tica necessariamente. E que tudo, no fim, � apenas quest�o de lei e ordem.


As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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