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Estado de Minas MISOGINIA

O mundo sombrio dos 'incels', celibat�rios involunt�rios que odeiam mulheres

Grupos de jovens mis�ginos que se re�nem em f�runs de discuss�o na internet t�m sido associados a atos de viol�ncia em diversos pa�ses.


22/08/2021 18:06 - atualizado 22/08/2021 20:54

Jake Davison, o homem suspeito de matar cinco pessoas na cidade brit�nica de Plymouth no �ltimo dia 14 de agosto - o pior ataque a tiros visto na �ltima d�cada no Reino Unido -, discutia ativamente nas redes sociais o movimento "incel".

A express�o vem da jun��o das palavras "involuntary celibates" e descreve homens jovens que se definem como "celibat�rios involunt�rios".

Pelo menos dois assassinatos em massa anteriores nos Estados Unidos j� haviam chamado a aten��o para as atividades online desses grupos.

Mas o que sabemos sobre as pessoas que participam desses f�runs?

Fracassos e frustra��es

"Em primeiro lugar, � �bvio que n�o tenho muitas esperan�as de atrair uma mulher."

Jack Peterson � um dos milhares de homens jovens que visitam f�runs "incel" no Reddit e em outros websites.

"Eu tive duas experi�ncias negativas de relacionamentos e isso me fez sentir, voc� sabe... � dif�cil abandonar o meu passado e come�ar um novo relacionamento", diz ele. "Eu tive mulheres que me fizeram coisas bem ruins."

Esses temas gerais de fracassos e frustra��es - al�m de raiva e �dio - s�o comuns nos f�runs "incel".

A reportagem da BBC conversou com v�rios jovens que se autodenominam "incels". S�o adolescentes ou garotos com pouco mais de 20 anos, que sofreram rejei��o ou tiveram encontros ruins com mulheres e visitam f�runs de mensagens para tentar sair da solid�o.

O que encontram s�o um grupo de homens cheios de raiva fortalecendo a ideia de que eles perderam a "loteria gen�tica" e n�o h� nada que possam fazer a respeito.


Jack Peterson é uma das vozes mais importantes da comunidade
Jack Peterson � uma das vozes mais importantes da comunidade "incel" no YouTube (foto: Jack Peterson/YouTube)

Jack tem um canal no YouTube e um podcast. Ele � um dos poucos "incels" abertos para falar com a imprensa ap�s os ataques que mataram 10 pessoas em Toronto em 2018.

Outros concordaram em falar sob anonimato. Seja por vergonha, porque n�o tiveram sucesso em seus relacionamentos, ou porque querem esconder opini�es extremistas.

Um "incel" do Reino Unido - vamos cham�-lo de Liam - � ativo nos f�runs desde jovem. Ele est� desempregado e vive em casa com a fam�lia.

E admite: "Adquiri esse tipo de vis�o mis�gina que normalmente n�o ajuda na minha vida".

Eu pergunto diretamente: "Voc� odeia as mulheres?"

"De certa forma, sim", afirma, gaguejando. "Eu tento evitar, mas acabo... acabo falando coisas que realmente n�o deveria, s� porque estava observando os f�runs."

Nossa conversa � meio afetada, cheia de pausas e �s vezes perde o foco. Pergunto a Liam que tipo de coisas ele diz na vida real, mas acha que n�o deveria dizer. Ele enumera uma s�rie de insultos impublic�veis que profere contra as mulheres.

Mas esse comportamento � resultado do tempo passado nas comunidades "incel"?

"Acho que n�o posso realmente afirmar se h� rela��o, porque, quando voc� � mais jovem, provavelmente n�o acabaria dizendo essas coisas. Mas acho que eu n�o teria [dito] antes."

"� isso que essas comunidades s�o", acrescenta. "Elas absorvem voc� para entrar nessa caixa de resson�ncia de pessoas que sofrem problemas similares."

"Voc� pensa em algo pequeno... e a� voc� v� outras pessoas pensando em coisas muito mais radicais. Ent�o voc� acha que as coisas pequenas s�o aceit�veis."

As coisas radicais mencionadas por Liam s�o facilmente vis�veis nos quadros de mensagens "incel".

Sexo e gen�tica

A ideia de que todas as mulheres s� buscam dinheiro, s�o prom�scuas e manipuladoras aparece com frequ�ncia nas conversas "incel", onde as mulheres atraentes s�o particularmente chamadas de "Stacys".

"Stacys" s�o objetos de desejo e de ridiculariza��o. No seu mundo pr�prio, os "incels" acreditam que as "Stacys" sempre escolher�o os chamados "Chads" em vez deles.

"Chad" � uma caricatura de um homem sexualmente bem sucedido. E as compara��es v�o al�m da personalidade ou auto-confian�a. Muitos "incels" acreditam que eles s�o geneticamente inferiores aos "Chads".


Desenho de 'Chad' usado como base em muitos memes 'incel'(foto: FACEBOOK)
Desenho de 'Chad' usado como base em muitos memes 'incel' (foto: FACEBOOK)

Chad � frequentemente ilustrado como um rapaz bem-sucedido, com mechas loiras e m�sculos volumosos (que ele exibe em cal�as de cor verde neon). Ele tem um carro esportivo e, mais que isso, ele tem um atributo f�sico invejado pelos "incels" - a linha da mand�bula marcada.

Essas caricaturas parecem c�micas, mas s�o importantes, pois elas criam uma mentalidade de "n�s contra eles". Os "incels" acreditam que sexo, amor e felicidade est�o fora do seu alcance e existem apenas para os outros.

Eles s�o particularmente conduzidos para a teoria niilista "black pill" (p�lula preta) - a ideia de que eles s�o os �nicos que compreendem que o jogo de sexo e atra��o � uma fraude desde o nascimento.

Autoajuda ou positividade s�o reprovadas nos f�runs "incel". Qualquer um que interaja com mulheres com sucesso � automaticamente chamado de "fakecel" - ou "falso incel".


Mensagem postada por Alek Minassian antes do ataque em Toronto convoca uma 'revolta dos incels'(foto: Facebook)
Mensagem postada por Alek Minassian antes do ataque em Toronto convoca uma 'revolta dos incels' (foto: Facebook)

As comunidades "incel" se desenvolveram em plataformas como Reddit, Facebook, 4chan e em sites administrados pelos pr�prios "incels". Existem tamb�m grupos contr�rios aos "incels" que ridicularizam suas ideias. Foi em um desses grupos de oposi��o que encontrei um "ex-incel".

Matthew (nome fict�cio) conheceu os incels no 4chan, um f�rum de discuss�es an�nimo em que costumam circular mensagens extremista.

Ele conta o que o atraiu ao grupo aos 15 anos: "Eu estava muito acima do peso. Era socialmente inepto e meu c�rculo de amizades era muito restrito". "Por isso, eu era muito inseguro."

"Uma garota que partiu meu cora��o fortaleceu ainda mais essa inseguran�a."

Levou um ano para que o comportamento de Matthew com as mulheres se tornasse extremista.

"Eu estava ressentido com uma pessoa espec�fica", afirma ele. "Mas, depois de falar com as pessoas na internet, eles acabaram me convencendo que [a crueldade] era um defeito comum das mulheres. O que era algo terr�vel, agora que penso sobre isso."

"Era a ideia de que todas as mulheres seriam naturalmente manipuladoras. Todas as mulheres tinham a inten��o de explorar os homens."

Assassinato em massa

Um her�i do mundo "incel" - possivelmente um tanto ir�nico - � Elliot Rodger. Em 2014, ele matou seis pessoas e atirou em si pr�prio.

Em um manifesto desconexo, repleto de insultos racistas e mis�ginos, Rodger reclamou sobre o fato de que as mulheres n�o queriam fazer sexo com ele.

Embora o manifesto n�o mencionasse "incels" especificamente, seus atos s�o constantemente discutidos nos f�runs "incel". Alguns coment�rios soam como uma tentativa de fazer piada, outros parecem mais s�rios.


Elliot Rodger matou seis pessoas em um ataque com carro, faca e arma de fogo em 2014(foto: Getty Images)
Elliot Rodger matou seis pessoas em um ataque com carro, faca e arma de fogo em 2014 (foto: Getty Images)

Vi em uma conversa em um f�rum algu�m dizer que queria tirar a pr�pria vida e v�rios coment�rios sugeriram viol�ncia.

Algu�m disse: "N�O seja ego�sta. V� a uma escola prim�ria e mate algumas crian�as antes de cometer suic�dio. Por favor!?!"

Mensagens como essa n�o s�o incomuns na comunidade incel. Quando algu�m menciona que tem pensamentos suicidas, essa pessoa frequentemente � incitada por outros no grupo.

Enquanto falamos, Liam, o jovem do Reino Unido envolvido com grupos incel, tenta brincar com o massacre cometido por Rodger.

"N�o acho que ele estivesse t�o errado", afirma, em meio a risos nervosos. Quando insisto, ele responde: "� senso comum, � errado matar pessoas."

Ele admite que os f�runs "incel" n�o s�o lugares para procurar apoio se voc� estiver com raiva ou pensamentos suicidas.

"As pessoas n�o tentam suavizar as coisas como se faz normalmente", afirma ele.


(foto: Getty Images)
(foto: Getty Images)

Vigil�ncia

A modera��o de grupos "incels" tem sido um tanto permissiva. O Reddit fez tentativas de remover comunidades "incel" de sua plataforma, mas muitos grupos permaneceram online.

Existem tamb�m indiv�duos que acompanham os f�runs "incel".

Eu falei com Emily (nome fict�cio), uma mulher canadense que vem observando a comunidade "incel" de Toronto h� anos. Ela at� fingiu ser um homem em uma conta do Reddit para tentar se relacionar com eles.

Emily est� preocupada especificamente com conversas que tem visto desde o ataque de Toronto. Embora alguns "incels" estejam tentando desesperadamente distanciar-se do agressor, outros est�o sabotando essa mensagem.

"No dia seguinte ao ataque, vi um estudante brit�nico que era um "incel". Ele n�o foi admitido na faculdade de medicina porque, segundo ele, uma mulher o entrevistou e achou que ele era feio demais para ser m�dico", explica ela.

"Ele estava planejando se matar naquela noite e havia pessoas na se��o de coment�rios incentivando que ele buscasse vingan�a e 'n�o ca�sse sozinho'", diz ela.

"Eles est�o postando memes violentos. Est�o incentivando os demais a atacar as pessoas e ningu�m est� fazendo nada sobre isso. Se o Estado Isl�mico estivesse fazendo algo assim, seria impedido imediatamente e as pessoas seriam presas."


Pessoas deixam velas e mensagens em Yonge Street, Toronto, após o ataque com uma van em abril(foto: Getty Images)
Pessoas deixam velas e mensagens em Yonge Street, Toronto, ap�s o ataque com uma van em abril (foto: Getty Images)

Emily afirma que h� uma comunidade "incel" particularmente ativa em Toronto - possivelmente devido ao clima pol�tico no Canad�, cujo primeiro-ministro se autodenomina feminista.

"Acho que as pessoas se sentem oprimidas quando a igualdade fica mais pr�xima", afirma. "Se voc� alguma vez foi o maioral e agora quase todos est�o no mesmo n�vel, voc� se sente amea�ado."

Tamb�m parece haver proximidade entre a cultura "incel" e o movimento antifeminista e hipernacionalista da extrema direita. Esses dois movimentos veem mundo pela lente da gen�tica de grupo, com estere�tipos raciais, e se consideram grupos minorit�rios difamados injustamente e atacados pelo politicamente correto. E eles compartilham o mesmo senso de humor, praticamente sem filtros.

Matthew, o ex-"incel" da Austr�lia, saiu do movimento, em parte, porque ele se transformou em algo pol�tico.

"Antigamente, n�o era t�o hostil como hoje", relembra ele. "Existem instigadores - pessoas nos f�runs que incitam sentimentos de raiva. Eles pressionam as pessoas para movimentos frequentemente reacion�rios, principalmente de extrema direita."

"Eu deixei de me identificar como 'incel' no final de 2016. Foi quando o discurso pol�tico come�ou a esquentar muito na Austr�lia", relembra ele. "Eles tratavam simplesmente de colocar a culpa de tudo nas mulheres."

Matthew agora est� na universidade e afirma que encontrar novas pessoas tornou mais f�cil socializar-se e falar com as mulheres. Mas ele se preocupa com outros "incels" mais reclusos, que podem achar a mudan�a dif�cil.


Alek Minassian foi preso pela polícia meia hora após o ataque de Toronto(foto: Alek Minassian/LinkedIn)
Alek Minassian foi preso pela pol�cia meia hora ap�s o ataque de Toronto (foto: Alek Minassian/LinkedIn)

A mudan�a

Em meio a todo o �dio online, a recente aten��o ap�s o ataque de Toronto parece ter estimulado alguns "incels" a mudar de opini�o.

Alguns dias depois que o entrevistei, Jack Peterson postou um v�deo intitulado "Por que estou deixando os 'incels'" (em tradu��o livre do ingl�s). Liguei novamente para ele, para perguntar a raz�o.

"Estou apenas ocupado sendo produtivo, indo para a cidade, viajando e encontrando uma por��o de pessoas diferentes", disse ele. "Falar com a CNN, a BBC e [o jornal brit�nico] The Sun fez com que eu compreendesse que o meu dia a dia � muito triste e mon�tono."

"E me fez compreender que n�o posso voltar a sentar em um f�rum o dia inteiro, falando de como sou infeliz, e fazer podcasts sobre isso. Eu tenho que mudar."

"Mesmo se voc� for uma pessoa normal que vive com sua m�e e fizer v�deos contando como voc� � um fracassado, voc� ainda pode ter algum impacto no mundo. E isso me deu confian�a."

Depois de toda a aten��o da m�dia, Jack notou que estava recebendo bom feedback de fontes inesperadas.

"Eu recebi coment�rios positivos de diversas feministas e pessoas de esquerda. Enquanto a comunidade 'incel' estava me dizendo para me matar. Eu senti que... talvez isso n�o seja saud�vel para mim."

E Emily, a mulher canadense, demonstra surpreendente empatia por uma comunidade que expressa essas vis�es extremistas. Eu perguntei o que ela diria para os "incels" que lessem esta reportagem.

"Se voc� projetar amor para o mundo, voc� receber� amor de volta", aconselha ela. "Se voc� for negativo com as mulheres, elas nunca ir�o querer ter um relacionamento com voc�."

"Por isso, voc� precisa fazer um enorme esfor�o de consci�ncia. O mundo n�o tem lugar para o �dio. As pessoas s�o amistosas. Voc� n�o � feio. Voc� importa."

Com colabora��o de Elizabeth Cassin

Este artigo foi publicado pela primeira vez em maio de 2018 e atualizado.

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