
Em outubro de 2018, veio o an�ncio daquilo que todos sabiam que aconteceria um dia: Angela Merkel deixaria a chefia do governo alem�o em 2021.
"Eu n�o vou buscar nenhum posto pol�tico depois que meu mandato acabar", disse a alem�, em entrevista coletiva. "Chegou a hora de abrir um novo cap�tulo."
- Em v�deo: Fim da era Merkel
- De 'm�ezinha' a maior l�der da Europa: o legado de Angela Merkel l
- Alemanha, o pa�s que renasceu das guerras para liderar a Europa
A ansiedade veio em seguida, ao lado de muita especula��o. Afinal, Merkel, para o bem e para o mal, era garantia de significativas seguran�a e estabilidade.
Crises de refugiados, terrorismo, separatismos, extremismos — tudo que a Uni�o Europeia temia parecia ser mais contorn�vel nas m�os da poderosa chanceler alem�.
Chegado o momento da despedida, ap�s 16 anos no comando da maior economia europeia, � poss�vel ter uma ideia ainda mais clara de como e por que Merkel tornou-se a mais importante figura pol�tica do continente — a ponto de muitos temerem o futuro sem a sabedoria de sua lideran�a.
Origens no comunismo
Uma das maiores qualidades pol�ticas de Angela Merkel sempre foi sua capacidade de navegar entre opostos e mediar conflitos pol�ticos, numa era em que os extremos ganham cada vez mais espa�o.
Tal habilidade est� diretamente ligada a sua origem: criada na comunista Alemanha Oriental, num ambiente familiar crist�o luterano, ela foi uma jovem universit�ria num ambiente que promovia o marxismo e as liga��es com a Uni�o Sovi�tica.
Em tal realidade, ela estudou f�sica, concluiu um doutorado em qu�mica qu�ntica e estudou russo, adquirindo completo dom�nio da l�ngua que na �poca era associada ao comunismo.
Vinda da chamada Cortina de Ferro e criada num ambiente luterano, Merkel faria carreira pol�tica na unificada Alemanha dentro da democracia crist�.
Seria uma l�der conservadora com um olhar atento a quest�es sociais, tendo desde o in�cio de sua carreira a capacidade de equilibrar diferentes interesses e necessidades.
Nascida em 17 de julho de 1954, em Hamburgo (ent�o Alemanha Ocidental), com o nome de Angela Kasner, sua mudan�a para o lado oriental ocorreu quando tinha apenas tr�s meses de idade, e seu pai aceitou a miss�o de assumir um cargo de pastor em Perleberg.
A futura l�der alem� passou sua juventude, foi estudante universit�ria e iniciou carreira cient�fica no Estado comunista.
Crist� dedicada, foi casada por pouco tempo — a uni�o em 1977 com o colega de universidade Ulrich Merkel, que lhe deu o nome com o qual ganharia poder e fama, terminou em div�rcio ap�s quatro anos.
Angela Merkel integrou o movimento por democracia na Alemanha Oriental. Sua carreira pol�tica, no entanto, somente teria in�cio ap�s a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Num per�odo de transi��o, ela atuou como porta-voz do governo alem�o-oriental, ap�s a realiza��o de elei��es democr�ticas.
Em 1990, por�m, a Alemanha finalmente voltaria a ser um s� pa�s. Dois meses antes da reunifica��o, Merkel passou a integrar o partido governista conservador CDU, a Uni�o Democrata Crist� — um caminho que respeitava sua origem familiar luterana.
Na �poca o partido era liderado pelo chanceler Helmut Kohl, um gigante da pol�tica europeia que entrou para a hist�ria como um s�mbolo do fim da divis�o alem� e da Guerra Fria.
Merkel avan�ou dentro da legenda, ocupando os cargos de ministra das Mulheres e da Juventude (1991 a 1994) e do Meio Ambiente (1994 a 1998).
Em 1998, a CDU perdeu as elei��es para os social-democratas, e Kohl foi substitu�do como chanceler por Gerhard Schr�der.
J� fora do comando do partido, em 1999, Kohl foi atingido em cheio por um esc�ndalo de financiamento partid�rio ilegal.
Merkel destacou-se na �poca, ao pedir publicamente que Kohl, ainda integrante do Parlamento, renunciasse a sua cadeira e colocasse um fim a sua carreira pol�tica — o que ele s� faria em 2002.
Em 2000, Merkel tornou-se l�der da CDU — fato marcante para um partido crist�o, associado a valores familiares e que passou a ser comandado por uma mulher divorciada e sem filhos.
Ap�s cinco anos na oposi��o, os democratas-crist�os voltaram ao poder em 2005, e Angela Merkel iniciou sua longa carreira como chanceler.
Foi a primeira mulher a comandar o pa�s, que pela primeira vez tinha como chefe de governo algu�m criado sob o comunismo do lado oriental.
Sua vit�ria foi hist�rica para a Alemanha, e sua longa perman�ncia no cargo seria marcante para a Europa e o resto do mundo.
Conviv�ncia com advers�rios
Merkel chegou ao poder aos 51 anos, numa �poca de crescimento econ�mico global, mas dificuldades na economia alem�, que tentava se modernizar por meio de reformas estruturais.
A geopol�tica era marcada por tens�es e crises provocadas pela chamada Guerra ao Terrorismo, iniciada pelos Estados Unidos ap�s os atentados de 11 de setembro de 2001.
A capacidade de Merkel de equilibrar diferentes press�es pol�ticas foi testada logo de in�cio.
Ap�s um resultado indefinido no pleito de 2005, Merkel s� conseguiu ocupar o posto de chanceler ao fazer um governo de coaliz�o com seus hist�ricos advers�rios, o SPD, partido social-democrata.
Sob o comando de Gerard Schr�der, os social-democratas eram governo havia sete anos e, ironicamente, foram os respons�veis por implementar reformas para enxugar o Estado de bem-estar social do pa�s.
No m�dio e longo prazos, as reformas criaram condi��es para uma queda sistem�tica do desemprego, mas inicialmente a taxa subiu — ultrapassando 11% em 2005 —, o que dificultou a vida de Schr�der nas urnas.
Derrotado numa elei��o apertada, o SPD perdeu o posto de chanceler, mas n�o saiu do governo.
O acordo de coaliz�o deu aos social-democratas oito minist�rios, incluindo alguns dos postos mais importantes, como o das Finan�as, o do Exterior, o da Sa�de e o do Meio Ambiente.
A CDU de Merkel, a nova chanceler, ficou com apenas seis, incluindo Defesa, Justi�a e Educa��o.
"N�s queremos fazer com que as coisas avancem neste pa�s. � por isso que eu me refiro a uma coaliz�o de novas possibilidades", afirmou na �poca a rec�m-empossada chefe de governo.
Estava assim consolidada uma das principais caracter�sticas de Merkel: o pragmatismo. Ela provou ser capaz de dialogar com advers�rios e se adaptar a situa��es adversas, inclusive governando com advers�rios.
Merkel parecia disposta a fazer o poss�vel para fazer o acordo dar certo e, com isso, solucionar os problemas nacionais mais urgentes.
Em seu primeiro discurso no Parlamento, conhecido como Reichstag, ela deixou clara sua prioridade: "Vamos soltar os freios do crescimento".

A coaliz�o que governou a Alemanha entre 2005 e 2009 acabou sendo chamada por muitos de um governo de "direita-esquerda", em que a chanceler buscou promover crescimento econ�mico e abra�ou pol�ticas progressistas. Entre elas, o abandono da energia nuclear, exigido pelo SPD e pelo Partido Verde, tamb�m membro da grande coaliz�o.
Apesar da oposi��o da CDU e da pr�pria Merkel, o governo alem�o anunciou que fecharia suas usinas nucleares em 2021, atendendo a um desconforto da opini�o p�blica alem� que vinha desde o acidente em Chernobyl, na Ucr�nia, em 1985.
Administrar os interesses da CDU e do SPD n�o era f�cil, mas Merkel mostrou not�vel habilidade.
"Ap�s tomar posse como l�der do governo da grande coaliz�o em 2005, Merkel tem tido que trabalhar duro para achar um denominador comum entre dois partidos que t�m brigado durante a maior parte dos �ltimos 60 anos", escreveu a rede alem� Deutsche Welle em junho de 2007.
O notici�rio alem�o usou essas palavras para anunciar que Merkel havia conseguido o que parecia imposs�vel: um acordo entre os dois partidos para a expans�o do um sal�rio m�nimo na Alemanha.
O SPD pressionava pela ado��o de um m�nimo nacional, enquanto a CDU de Merkel rejeitava a ideia.
At� ent�o v�lido apenas na constru��o civil e trabalhadores de limpeza, as legendas concordaram que a medida passasse a valer para ao menos dez novas �reas da economia.
No cen�rio internacional, Merkel foi reconhecida por sua lideran�a logo de in�cio.
Em agosto de 2006, a revista Forbes a escolheu como a mulher mais poderosa do mundo — escolha que a publica��o repetiria, seguidamente, pelos pr�ximos tr�s anos.
"Desde que tomou posse, Merkel conquistou respeito no cen�rio mundial e apelo popular na Alemanha por sua discreta diplomacia", escreveu a Forbes no texto que acompanhava a lista das mais poderosas mulheres.
No ano seguinte, poucos dias antes de obter o acordo pelo sal�rio m�nimo, seu poder de negocia��o e persuas�o foi conhecido por outras lideran�as internacionais.
Como anfitri� da reuni�o do G-8 de 2007, em Heiligendamm, na Alemanha, Merkel conseguiu um acordo inicial pelo combate �s mudan�as clim�ticas, convencendo o ent�o presidente americano, George W. Bush, a finalmente se aproximar da causa, que antes rejeitava.
"O melhor que n�s poder�amos conseguir foi conseguido", disse Merkel na �poca, segundo a Deutsche Welle.
Popularidade
Os quatro anos de conv�vio com os advers�rios social-democratas levou muitos a questionar as verdadeiras credenciais conservadoras de Merkel.
Estaria a ex-cidad� da Alemanha Oriental se aproximando demais da esquerda?
Na verdade, o realismo imposto pela coaliz�o com a centro-esquerda foi positivo para a chanceler.
Seu governo "direita-esquerda" mostrou que Angela Merkel sabia como agradar a gregos e troianos — ou seja, alem�es de todos os campos pol�ticos.
Ela evitou ser demonizada como uma conservadora neoliberal, sem perder o apoio tradicional de sua base partid�ria.
Na pr�tica, ela carregou sua CDU na dire��o do centro, o que serviu como uma boa prepara��o de terreno para as elei��es que ocorreriam em 2009.
Merkel acumulou popularidade por meio de sua capacidade e disposi��o de explicar temas complexos, al�m de se mostrar determinada e capaz diante de grandes desafios, como a economia.
A chanceler e sua coaliz�o foram bem-sucedidos em atacar os problemas econ�micos do pa�s — o desemprego logo caiu, de 12% no come�o de 2006, para 9% em meados do ano seguinte.
Em setembro 2008, no entanto, veio a fal�ncia do banco americano Lehman Brothers, que marcou a explos�o da crise financeira global — que se tornaria uma crise econ�mica, social e pol�tica internacional, com recess�o global e uma situa��o dram�tica em partes da Europa.
A lideran�a de Merkel nos dois primeiros anos da crise foi bem avaliada pela opini�o p�blica alem�.
Mesmo com o Produto Interno Bruto (PIB) despencando 5,7% em 2009, a taxa de desemprego ficou praticamente a mesma do ano anterior — 7,74% em 2009, contra 7,53% em 2008.
Apesar de o ministro das Finan�as do governo de coaliz�o, Peer Steinbr�ck, ser do SPD, Merkel foi a mais beneficiada por tal desempenho.
Na �poca das elei��es parlamentares de setembro de 2009, sua taxa de aprova��o era de 60%.
Essa for�a traduziu-se em votos nas urnas. Sua CDU ficou em primeiro lugar e desta vez conseguiu formar uma coaliz�o com alinhamento ideol�gico, de centro-direita, com a CSU (Uni�o Social Crist� da Bav�ria) e o FDP (Partido Democr�tico Livre).
Em sua primeira an�lise ap�s os resultados, a BBC News trouxe a avalia��o de Detmar Doering, do Instituto Liberal. Ele destacava o pragmatismo de Merkel, que inspirava confian�a no eleitorado.
"Os eleitores alem�es n�o s�o est�pidos — eles n�o querem uma Britney Spears como chanceler da Alemanha, eles querem uma l�der s�ria em quem eles possam confiar. Merkel sabe o que ela est� fazendo."
Num governo de unidade ideol�gica, formado por partidos conservadores, a chanceler ficou autorizada a governar mais de acordo com suas cren�as e prefer�ncias.
A v�tima mais proeminente dessa nova realidade pol�tica foi o plano de fechar as usinas nucleares do pa�s, caminho tomado sob influ�ncia dos social-democratas e verdes que participavam do primeiro governo Merkel.
Em agosto de 2010, a chanceler anunciou uma revis�o da medida: as 17 usinas nucleares do pa�s seriam prorrogadas por mais 15 anos al�m de 2021, ano em que seriam inicialmente interrompidas.
"A energia nuclear � desej�vel como uma tecnologia transit�ria", disse a alem� na �poca. A decis�o tinha o apoio do FDP, partido de centro-direita que compunha o governo.
Como informou o jornal brit�nico The Guardian, por�m, a medida era impopular: segundo uma pesquisa da �poca, 56% dos alem�es eram contra estender a vida �til das usinas, por medo de acidentes e a��es terroristas.
Crise europeia
At� 2009, a crise financeira era sentida a n�vel nacional, e Merkel passara no teste.
Seus desdobramentos, por�m, levariam a uma recess�o global e uma crise continental.
A chanceler teve de assumir um papel que ainda n�o exercera plenamente: o de l�der europeia. � frente da maior economia do continente, Merkel assumiu a lideran�a nas decis�es da Uni�o Europeia.
A chanceler tornou-se a cara da crise financeira na Europa, em seus aspectos positivos e negativos. Do lado positivo, a alem� sabia de sua responsabilidade: precisava encontrar solu��es para os maiores desafios econ�micos vividos pelo bloco at� ent�o.
Do negativo, tamb�m sabia que suas decis�es teriam de considerar os interesses dos alem�es — o que associou seu nome, na cabe�a de muitos, � fria imposi��o de medidas com altos custos sociais para as na��es menos desenvolvidas da Uni�o Europeia.
Os maiores desafios econ�micos estavam nos pa�ses-membros que, nas duas d�cadas anteriores, haviam desfrutado de admir�veis saltos econ�micos e eleva��o do padr�o de vida de suas popula��es.
Gr�cia, Espanha, Irlanda, It�lia e Portugal haviam se tornado, em pouco tempo, for�as econ�micas alimentadas por d�vidas. Suas riquezas dependiam da continua��o da desenfreada ciranda financeira, que parecia ter chegado ao fim com a crise das hipotecas, que levou � crise das d�vidas.
A partir de maio de 2010, o bloco socorreu esses pa�ses-membros, por meio da Facilidade Europeia para Estabilidade Financeira (EFSF) — outros mecanismos viriam nos anos seguintes, somando centenas de bilh�es de euros.
Em pouco tempo, Merkel passou a ser vista com desconfian�a, criticada e at� mesmo odiada por muitos.
Na Alemanha, parte da imprensa e da opini�o p�blica reclamava que o pa�s tivesse de pagar para retirar a Gr�cia da crise. Isso, entretanto, n�o impediu que em outubro de 2011 Merkel conseguisse aprovar no Parlamento — por 503 votos a 89 — a participa��o alem� na ajuda a na��es europeias.
Dois meses depois, num discurso no Reichstag, ela justificou e defendeu a lideran�a alem� no processo de socorro a pa�ses-membros da Zona do Euro. "Criar uma Europa est�vel de forma duradoura � a tarefa hist�rica da atual gera��o de pol�ticos", disse a chanceler.
J� na Gr�cia, a imposi��o de cortes dr�sticos nos gastos p�blicos, como contrapartida para a oferta da ajuda financeira, fez com que o rosto de Merkel se tornasse presen�a constante em protestos violentos em Atenas.
Muitas vezes, seu nome e foto eram associados � palavra "nazista" e � su�stica, s�mbolo do regime nazista de Adolf Hitler.
Para os manifestantes gregos, Merkel representava a opress�o da Uni�o Europeia sobre integrantes mais fr�geis do bloco.
Em outubro de 2012, Merkel visitou a Gr�cia, o que levou dezenas de milhares �s ruas da capital grega para protestar contra sua presen�a.
"Merkel tornou-se uma figura odiada na Gr�cia, devido aos cortes de gastos impostos sobre o pa�s em troca dos prometidos empr�stimos e al�vio de d�vida no valor de 347 bilh�es de euros", escreveu a rede francesa France 24 durante a visita.
Determinada, Merkel afirmou em Atenas: "Estou profundamente convencida de que este duro caminho vale a pena, e a Alemanha quer ser um bom parceiro. Muito j� foi conseguido. Ainda h� muito a fazer, e Alemanha e Gr�cia trabalhar�o juntas de forma muito pr�xima".
Apesar do rem�dio amargo contra a crise, Merkel, sua Alemanha e a Uni�o Europeia conseguiram o que chegou a parecer imposs�vel: evitar que a Gr�cia deixasse a Zona do Euro.
Com isso, a chanceler foi creditada com o feito de ter salvado a moeda �nica europeia, o que at� mesmo um de seus ferrenhos cr�ticos na �poca, o economista socialista grego Yanis Varoufakis, admite ser verdade.
"� verdade que, no final, ela foi respons�vel por manter a Zona do Euro unida, porque, se a Gr�cia tivesse sa�do, eu n�o acredito que teria sido poss�vel mant�-la", disse Varoufakis, em setembro de 2021, � correspondente Katya Adler, da BBC News.
Varoufakis, por�m, questionou o que chamou de falta de plano para o futuro da uni�o monet�ria.
"Ela nunca teve uma vis�o sobre o que fazer com a Zona do Euro depois que ela a tivesse salvado, e a maneira com que ela a salvou tornou-se muito desagregadora. Tanto dentro da Alemanha como dentro da Gr�cia."
Terceira vit�ria
Com a crise das d�vidas na Europa encaminhada, embora longe de estar completamente resolvida, Angela Merkel disputaria uma nova elei��o geral em setembro de 2013.
Dois anos antes, longe dali, uma trag�dia de grandes propor��es ajudaria a chanceler em seu caminho rumo a mais uma vit�ria nas urnas.
Em mar�o de 2011, um terremoto pr�ximo ao litoral do Jap�o causou um enorme tsunami, cujas ondas gigantes atingiram o reator nuclear de uma usina em Fukushima.
O desastre nuclear, em que o vazamento de radia��o levou � evacua��o de mais de 150 mil habitantes, teve um impacto imediato na chanceler alem�.
Apenas quatro dias depois do acidente, Merkel anunciou o fechamento de 7 das 17 usinas nucleares da Alemanha — as que come�aram a operar antes do fim de 1980.
A decis�o da chanceler exp�s outra de suas habilidades pol�ticas: a de mudar de opini�o diante de uma nova realidade e da press�o da opini�o p�blica.
Logo depois do acidente no Jap�o, dezenas de milhares de alem�es realizaram protestos contra a decis�o de Merkel, de 2010, de adiar por ao menos 15 anos o fechamento das usinas do pa�s.
Segundo a Deutsche Welle informou, em 15 de mar�o de 2011, "at� 80% dos alem�es s�o agora contra a decis�o de Merkel de estender a energia nuclear, enquanto 72% dizem que os sete mais velhos reatores da Alemanha precisam ser fechados imediatamente".
A decis�o n�o foi resultado de consultas da chanceler e consenso entre partidos, como em outras oportunidades.
Merkel mostrou saber tomar uma atitude vital sozinha e rapidamente, como lembrou o jornalista Jens Thurau, da Deutsche Welle.
"Tendo constru�do uma reputa��o de sempre buscar o consenso, ela decidiu sozinha colocar um fim � energia nuclear na Alemanha. Contra os desejos de seu partido, para o horror do setor de energia e do partido da coaliz�o liberal."

Ciente do estado de esp�rito da opini�o p�blica, a chanceler deu um passo a mais em outubro de 2011, ao anunciar a decis�o de fechar todas as usinas nucleares at� 2022.
O governo prometeu apostar ainda mais em fontes de energia renov�veis — e Merkel eliminou um potencial problema para sua campanha eleitoral em busca de um terceiro mandato, no pleito de 2013.
Admirada pela popula��o e com bons resultados a exibir, Merkel chegou com for�a � disputa eleitoral.
A economia, em especial, ia relativamente bem. � verdade que, ap�s dois anos de forte recupera��o em 2010 e 2011, o PIB quase n�o crescia — 0,4% em 2012 e 0,4% em 2013. O desemprego, no entanto, continuava caindo, chegando a 5,2% no ano do pleito.
Resultado: o partido de Merkel venceu as elei��es parlamentares, novamente seguido pelo SPD, agora liderado por Steinbr%u016Bck, seu antigo ministro das Finan�as.
As caracter�sticas do parlamentarismo, por�m, fizeram com que Merkel tivesse que, mais uma vez, governar com seus advers�rios.
Seu antigo parceiro de governo, o FDP, foi t�o mal que ficou fora do Parlamento, o que obrigou a chanceler a costurar uma nova coaliz�o com o SPD.
Com uma diferen�a: os social-democratas tinham menos poder de barganha que em 2005 e tiveram uma participa��o bem menor no governo.
Ap�s tr�s meses de negocia��es, o terceiro mandato de Merkel como chanceler come�ou em dezembro de 2013.
A l�der alem� novamente seguiu na dire��o da centro-esquerda, aceitando medidas de car�ter social exigidas pelo SPD - como um sal�rio m�nimo nacional para todos.
O p�ndulo pol�tico de Merkel continuou a balan�ar, testando sua grande capacidade de navegar por diferentes campos da pol�tica.
Imigra��o e terrorismo
Em sua nova conviv�ncia com seus advers�rios social-democratas no governo, Merkel continuou equilibrando-se bem.
Em abril de 2014, ela cumpriu um dos principais pontos do acordo de coaliz�o com o SPD ao aprovar a ado��o do sal�rio m�nimo nacional - na �poca, de 8,50 euros por hora.
Apesar de contr�ria aos desejos do partido, a medida refor�ava a imagem "direita-esquerda" que ajudou a manter a chanceler por tantos anos no poder.
Sua capacidade de lidar com problemas de forma humana ficou ainda mais vis�vel em 2015, em meio � crise europeia de refugiados.
Uma onda migrat�ria sem precedentes, intensificada pela guerra civil na S�ria que levaria � sa�da de mais de 6 milh�es de s�rios de seu pa�s, fez com que centenas de milhares de pessoas chegassem �s fronteiras da Europa.
Com a Alemanha recebendo um grande n�mero de refugiados e diante do que parecia ser uma situa��o sem solu��o, Merkel pronunciou uma frase que entraria para a hist�ria: "Wir schaffen das" — "N�s conseguimos fazer isso", ou simplesmente "N�s damos um jeito", disse ela em 31 de agosto de 2015.
A frase referia-se a como a chanceler pretendia cumprir o que acabara de prometer: receber todos os refugiados do conflito s�rio que quisessem entrar e viver na Alemanha.
Ela alegou tratar-se de uma situa��o excepcional e conclamou outras na��es europeias a tamb�m abrirem suas fronteiras aos refugiados.
"Se a Europa fracassar na quest�o dos refugiados, sua conex�o pr�xima com direitos civis universais ser� destru�da", disse ela, citada pelo jornal The Guardian.
Merkel previu que, at� o fim de 2015, o pa�s receberia cerca de 800 mil refugiados. Recebeu cerca de 1 milh�o.
A decis�o de Merkel foi pol�mica na Alemanha, e muitos passaram a temer um crescimento da popularidade de movimentos de extrema-direita nacionalista que se opunha � chegada e perman�ncia de imigrantes.
Nas primeiras horas de 2016, uma s�rie de incidentes em cidades alem�s deu muni��o aos cr�ticos da chanceler.
Durante as festas de rua para marcar a chegada do novo ano, centenas de mulheres foram atacadas sexualmente, incluindo casos de estupro.
As primeiras den�ncias sobre ataques vieram de Col�nia, onde centenas de incidentes foram registrados, a maioria em torno da catedral da cidade, durante a queima de fogos.
A prefeita de Col�nia, Henriette Reker, chamou os crimes de "monstruosos".
Outras cidades, como Frankfurt, D�sseldorf e Hamburgo, tamb�m registraram agress�es de natureza sexual.
Segundo relatos, os criminosos eram aparentemente de origem africana ou �rabe e estariam embriagados, o que refor�ava o temor de muitos de que imigrantes n�o conseguiriam se integrar � sociedade alem�.
Merkel sentiu a press�o, evidenciada em protestos contra imigra��o dias ap�s os incidentes.
Em janeiro de 2016, a chanceler prop�s leis mais duras para expulsar do pa�s refugiados que cometessem crimes - at� ent�o, apenas aqueles condenados a ao menos tr�s anos de pris�o eram enviados a seus pa�ses de origem.
O tema, no entanto, abalou a confian�a de muitos alem�es em Merkel.
Segundo pesquisa do instituto Infratest dimap, publicada pela Deutsche Welle em setembro de 2016, cerca de 45% da popula��o aprovava o trabalho da chanceler, o mais baixo n�mero desde 2011.
O levantamento tamb�m apontava o avan�o do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita e cujo discurso estava concentrado na imigra��o.
Ao final de 2016, o debate ficou ainda mais acirrado depois que um militante do grupo conhecido como Estado Isl�mico dirigiu um caminh�o contra um mercado de Natal em Berlim.
O ataque deixou 12 mortos. O motorista, o tunisiano Anis Amri, foi morto pela pol�tica italiana a tiros, dias depois, na cidade italiana de Mil�o, ap�s ter sido procurado por toda a Europa.
A tens�o na Alemanha em torno da quest�o migrat�ria continuou. Em junho de 2019, o pol�tico Walter L�bke, do partido de Merkel, foi assassinado por um extremista de direita, que confessou o crime.
Pesquisas de opini�o mostraram que, entre 2014 e 2018, a imigra��o era considerada pelos alem�es o maior problema do pa�s - liderando com quase 70% das respostas em 2016.
Merkel, por�m, nunca se arrependeu de sua arriscada decis�o pol�tica.
A preocupa��o com a imigra��o caiu, e em 2019 o tema perdeu para as mudan�as clim�ticas o t�tulo de maior temor nacional - em 2020, ambos ficaram atr�s da Covid-19.
Um estudo do alem�o IAB (Instituto para o Mercado de Trabalho e Pesquisa Vocacional), do in�cio de 2020, mostrou que 49% dos refugiados que chegaram � Alemanha a partir de 2013 haviam conseguido um emprego est�vel ap�s at� cinco anos desde sua entrada no pa�s.
A integra��o de refugiados, de acordo com o estudo, era poss�vel e estava ocorrendo.
�ltimo mandato
Por v�rias vezes, analistas previram que Merkel poderia pagar um pre�o alto demais por sua aposta em favor dos imigrantes - inclusive ser retirada do poder.
Veio ent�o o pleito de 2017, e Angela Merkel conseguiu assegurar mais uma vit�ria para sua democracia-crist�.
Foi, por�m, um sucesso parcial. Apesar do quarto mandato, Merkel viu seu bloco formado por CDU e CSU obter seu pior resultado nas urnas em 70 anos.
Al�m disso, a extrema-direita, representada pelo AfD, conseguiu chegar ao Parlamento pela primeira vez, confirmando as previs�es de muitos analistas sobre seu fortalecimento.
Na hora de formar o governo, pela terceira vez — a segunda seguida —, a chanceler teve de contar com os social-democratas para compor uma coaliz�o - confirmada apenas em mar�o de 2018, ap�s cinco meses de dif�ceis negocia��es.
Com gosto de despedida, o quarto e �ltimo mandato de Merkel acabou marcado pelo avan�o de for�as antes marginais na pol�tica alem� e o enfraquecimento dos blocos tradicionais.
O Partido Verde, � esquerda, e o AfD, � direita, ganhavam terreno em pleitos regionais, enquanto CDU e SPD sentiam a press�o causada pela perda de apoio.
Covid-19
A pandemia de Covid-19, a partir do in�cio de 2020, trouxe um novo e gigantesco desafio.
Na batalha contra o coronav�rus, a chanceler viveu momentos de grande sucesso e admira��o, em que os n�meros alem�es mostravam-se muitos mais auspiciosos que os de outras na��es desenvolvidas, e outros de ceticismo e cr�ticas, quando a doen�a avan�ava e testava a resist�ncia de t�cnicos e pol�ticos.
Entretanto, o pa�s experimentou lentid�o no processo de vacina��o da popula��o e os n�meros de interna��o hospitalar e de falecimentos chegaram a n�veis compar�veis, e em alguns casos superiores, ao de pa�ses severamente atingidos inicialmente como Espanha, Fran�a e It�lia.
Em abril de 2021, uma pesquisa da Deustchlandtrend mostrou que apenas 35% dos alem�es apoiavam a atua��o da chanceler, �ndice que era de quase 70% seis meses antes. Nada menos que 64% diziam-se insatisfeitos.
Angela Merkel, no entanto, continuava como uma refer�ncia segura de estabilidade para temas complexos, especialmente no campo internacional.
As negocia��es entre a Uni�o Europeia e o Reino Unido em torno do Brexit e as tumultuadas rela��es com o presidente americano, Donald Trump, marcaram os �ltimos anos de Merkel como chanceler.
Em agosto de 2021, ela fez uma visita de despedida ao presidente russo, Vladimir Putin, com quem sempre teve um tr�nsito facilitado devido ao passado de ambos - ela fluente em russo, e ele com dom�nio equivalente do alem�o.
Merkel defendeu o dissidente russo Alexei Navalny e pediu sua liberta��o, solicita��o rejeitada por Putin.
O respeito m�tuo, no entanto, era vis�vel no encontro, indicativo de quanto a influ�ncia de Merkel se estendeu ao longo de 16 anos no poder, tanto no Ocidente como no Oriente.
Imagem positiva
Na Europa, continente que ela acabou informalmente liderando, Merkel deixou uma imagem positiva.
Estudo do Conselho Europeu em Rela��es Estrangeiras, publicado em setembro de 2021, mostra que os cidad�os de 12 na��es da Uni�o Europeia - incluindo Fran�a, Holanda, Su�cia, Espanha, It�lia e a pr�pria Alemanha - admiram e concordam com o car�ter pol�tico conciliador e cuidadoso da chanceler.
Apresentada em oposi��o ao franc�s Emmanuel Macron, cujo estilo de lideran�a envolve propostas de mudan�as r�pidas e abrangentes, Merkel apareceu como favorita para um fict�cio cargo de "presidente europeia".
Um total de 41% dos entrevistados pelo instituto votariam em Merkel, contra apenas 14% que escolheriam Macron.
Aparentemente confort�vel diante do seu hist�rico e seu legado, a primeira mulher a governar a Alemanha deixou transparecer, a poucas semanas de deixar o cargo, um lado pouco conhecido de sua atua��o.
Em um evento em D�sseldorf, no in�cio de setembro de 2021, Merkel apresentou-se, pela primeira vez, como feminista.
"Essencialmente, � sobre o fato de que homens e mulheres s�o iguais, no sentido de participa��o na sociedade e na vida em geral", afirmou a chanceler. "E, nesse sentido, posso dizer: 'Sim, eu sou uma feminista'."
Com a fala, a l�der alem� adicionou mais uma caracter�stica a tantas que, durante 16 anos, marcaram sua passagem pelo topo do poder na Alemanha e no mundo. Angela Merkel deixa o comando de seu pa�s com lugar garantido na hist�ria, como uma das mais importantes l�deres do s�culo 21.
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