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Estado de Minas EXTREMISMO

'Como servi�o militar me salvou do neonazismo'

Ainda adolescente, Mike canalizou sua raiva entrando em grupos extremistas online - um 'buraco' do qual ele saiu depois de muito sofrimento e da compaix�o de pessoas inesperadas.


15/11/2021 19:41 - atualizado 15/11/2021 23:56


Mike cobrindo seu rosto, em foto dos tempos em que serviu na Força Aérea dos EUA
Mike cobrindo seu rosto, em foto dos tempos em que serviu na For�a A�rea dos EUA; per�odo foi de profunda depress�o, mas tamb�m de afastamento do extremismo (foto: Jared Stapp)

No final da adolesc�ncia, o americano Mike (nome fict�cio) se tornou um neonazista. Agora, apenas seis anos depois, ele se assusta ao pensar o qu�o perto ele esteve, no auge de sua raiva, de matar pessoas que enxergava como inimigos.

Essa trajet�ria teve um ponto importante em maio de 2020, quando a morte de George Floyd, um homem negro, ao ser contido por um policial branco (agora condenado � pris�o), fez eclodir em todos os Estados Unidos protestos do movimento Black Lives Matter (em tradu��o livre, Vidas Negras Importam).

Mike protestava na cidade de Oakland, na Calif�rnia, ao lado de sua namorada. Mas, quando a pol�cia come�ou a disparar balas de borracha e g�s lacrimog�neo contra a multid�o, eles decidiram ir embora. No caminho de volta at� o carro, viram uma van branca parar. E da� escutaram tiros.

A van foi embora, enquanto um homem, com uniforme policial, ca�a ao ch�o. Mike foi em sua dire��o, tentando se lembrar do treinamento de primeiros socorros que recebera no Ex�rcito dos Estados Unidos. At� que um carro policial chegou e pediu que ele se afastasse.

Mike soube pouco depois que Dave Patrick Underwood, um policial federal que estava fazendo a seguran�a da Corte local, morreu ali. Passado um ano e meio, Mike lamenta n�o ter podido fazer mais.

Por coincid�ncia, Mike tinha uma conex�o com Underwood: havia protestado ao lado de membros da fam�lia dele naquele dia.

Tamb�m tinha uma conex�o com o homem que, posteriormente, seria acusado de seu assassinato: Steve Carillo, que era sargento na mesma base a�rea em que Mike havia se alistado alguns anos antes.

E n�o � s� isso. Mike tinha um segredo. Em casa, em seu arm�rio, havia um uniforme feito de tecido verde acinzentado, com um s�mbolo nazista na gola.


Mike no unforme nazista
Mike no uniforme nazista, que ele guarda como uma recorda��o de qu�o perto esteve de cometer atos violentos (foto: Jared Stapp)

Mike guardava o uniforme como um lembrete a respeito da pessoa que ele havia sido - algu�m que queria sair �s ruas e matar.

Assim como Carillo, suspeito de simpatizar com extremistas que creem em uma teoria conspirat�ria de uma guerra civil americana iminente, Mike havia se embrenhado no mundo do extremismo e se tornado um seguidor da violenta extrema direita do pa�s.


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(foto: BBC)

No ver�o anterior a seu �ltimo ano no ensino m�dio, Mike assistiu � primeira onda de protestos do Black Lives Matter, mas participar deles sequer passava pela sua cabe�a. "Eu achava que eles eram a reencarna��o de Sat�", lembra.

Ele havia acabado de conhecer um novo amigo por meio de um grupo de mensagens online. Paul (nome fict�cio) havia convidado Mike para visit�-lo na casa onde morava com os pais, em um tranquilo sub�rbio americano. O encontro era para "gravar alguns v�deos de propaganda".

Paul abriu a porta totalmente vestido com um uniforme nazista. Levou Mike a sua garagem. "Era como uma loja de roupas para nazistas", lembra. As paredes estavam repletas de armas e muni��es.

Paul havia reunido mais alguns jovens para a grava��o. Eles colocaram as armas e muni��es em um caminh�o e dirigiram at� uma colina pr�xima.

"Est�vamos em um parque nacional atirando, gravando e correndo em roupas nazistas", conta Mike. At� que os guardas do parque apareceram. Paul se irritou.

"Ele n�o queria ouvir aquela autoridade governamental dizendo a ele que n�o podia fazer o que ele achava que podia, que era fazer v�deos fingindo ser parte do Wehrmacht (for�as da Alemanha nazista)."

Os guardas confiscaram as armas que viram, mas algumas haviam ficado escondidas. O grupo voltou para a casa de Paul e ficou por ali conversando com os pais dele, todos ainda vestindo os uniformes nazistas.

Mike tinha 17 anos na �poca e havia se tornado um mensageiro perfeito do extremismo t�xico.

Ele havia passado a inf�ncia em uma cidade pequena, rural, de maioria branca. Passava os dias remando o caiaque no lago, ou andando de bicicleta com os amigos. Jantares e churrascos comunit�rios eram comuns em um lugar onde todos se conheciam.

Mas o padrasto de Mike era um alc�olatra que tinha rompantes violentos. Quando o menino tinha 12 anos, a m�e se divorciou do marido e mudou-se com os filhos para outra parte do pa�s.

De repente, Mike passou a viver em um bairro urbano, multicultural, que ele odiou. "As pessoas n�o se pareciam nada com o que eu tinha visto at� ent�o, a comida era diferente, a �gua tinha outro gosto, era tudo totalmente diferente."

A fam�lia j� n�o era mais t�o pr�spera, e o padrasto - de quem Mike era pr�ximo, a despeito da viol�ncia - nunca cumpriu a promessa de visit�-los.

Tudo isso enfureceu Mike, que encontrou uma v�lvula de escape na extrema direita.

Encorajado pelo pai de um amigo, ele come�ou a escutar os programas do apresentador direitista Sean Hannity.

Quando procurou conte�do semelhante na web, encontrou v�deos e podcasts da alt-right no Facebook e no YouTube.

Os algoritmos das redes sociais j� estavam criando o que se chama de efeito "toca do coelho" - direcionando-o a conte�do que se tornava cada vez mais extremista


Mike olhando para a tela do computador
'Eu era um adolescente com acesso � internet e fui radicalizado', ele conta, sobre a facilidade com a qual jovens entram em contato com ideias extremistas (foto: Jared Stapp)

Ali escutou, por exemplo, que o div�rcio era uma conspira��o judaica para destruir o ideal da fam�lia branca.

"Por qualquer motivo que fosse, para mim era mais f�cil acreditar nisso do que (no fato de) meu padrasto ser um alc�olatra degenerado", explica.

Mike acabou migrando para a parte mais sombria da internet - f�runs de mensagens no 4chan e 8chan, que Mike descreve como "clubes sociais para racistas, nazistas e supremacistas brancos, onde as pessoas podiam usar a 'palavra n' (em refer�ncia ao termo depreciativo usado contra a popula��o negra) enquanto conheciam uns aos outros".

Ali ele come�ou a trocar mensagens com um grupo de neonazistas da ba�a de San Francisco, na Calif�rnia, e foi parar na porta da casa de Paul.

"Eu s� estava buscando um destino para minha raiva", explica. "E achei o lugar perfeito."


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(foto: BBC)

Um ano mais tarde, Mike terminou o ensino m�dio. Sem conseguir ser aprovado nas universidades de sua escolha, resolveu entrar para a Marinha, ideia rejeitada por sua m�e. Eles entraram em acordo quanto a um plano totalmente diferente: de Mike se mudar para Londres e estudar Administra��o.

No Reino Unido, Mike imaginava encontrar um cen�rio vitoriano, de homens de fraque e cartola. A realidade era outra. Ele estudava em Whitechapel, �rea londrina com uma vibrante comunidade isl�mica.

"Eu era um jovem de 18 anos, um nacionalista branco repleto de medo, profundamente islamof�bico", lembra. "N�o vi a diversidade como algo positivo, vi como um exemplo de tudo o que estava errado no mundo."

Durante sua estadia londrina, Mike se afundou ainda mais no nacionalismo branco. A maior parte de sua atividade era online - ele tinha o h�bito de seguir e assediar celebridades esquerdistas americanas junto a outros extremistas -, at� que desistiu de frequentar as aulas de Administra��o. Ap�s alguns meses, recebeu a not�cia de que seu visto de estudante seria revogado.

Em uma tarde de abril de 2017, ele estava no metr�, a caminho de encontrar amigos em um pub perto do Parlamento brit�nico. No vag�o, os passageiros ouviram que a esta��o de Westminster, onde Mike desceria, estava fechada por causa de uma opera��o policial. Todos teriam de descer na esta��o anterior.

O que havia acontecido, naquela era, era um atentado extremista na ponte de Westminster, quando um ve�culo avan�ou contra pedestres. O motorista ent�o saiu do carro e esfaqueou um policial. Seis pessoas morreram, incluindo o autor do ataque, e 50 pessoas ficaram feridas.

Mike encontrou uma cena de p�nico quando saiu do metr�. A cena de duas crian�as envoltas em cobertores de alum�nio oferecidos pelos servi�os de emerg�ncia ficariam para sempre na sua mente.

�quela altura, o grupo autodenominado Estado Isl�mico era uma for�a poderosa no Oriente M�dio e reivindicou autoria do ataque - um entre muitos ocorridos na Europa.

No dia seguinte, Mike tentou se alistar �s For�as Armadas, sob a influ�ncia de nacionalistas brancos que conhecera online. Foi rejeitado pela For�a A�rea Brit�nica por causa de sua nacionalidade, mas em quest�o de semanas estava de volta � Calif�rnia, tentando uma vaga na For�a A�rea americana.


Uniformes de Mike
Os dois uniformes de Mike, lado a lado (foto: Jared Stapp)

"Eu estava supereletrizado. Na minha cabe�a, n�o havia d�vida de que queria ir para outro pa�s, fosse Iraque ou Afeganist�o, vestir um uniforme, pegar uma arma e mat�-los."

Nas semanas antes de come�ar seu treinamento militar, ele passou horas na garagem de casa, bebendo e fumando, cheio de ira.

"Eu quase sempre carregava uma arma comigo", lembra. "Estava em um ponto que, se algu�m me dissesse para fazer algo, eu teria feito."

Mike hoje se assombra ao pensar que, naquele momento, poderia ter virado algu�m como Steve Carillo.

Mais tarde, ao ler sobre o menino de 17 anos que viajou � cidade de Kenosha (Wisconsin), durante protestos, e matou a tiros tr�s pessoas com uma AR-15 semi-autom�tica, Mike se sentiu mal.

"Eu olho praquele adolescente e penso: uau, estive perto de ser assim".


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(foto: BBC)

Em fevereiro deste ano, o Departamento de Defesa americano emitiu uma ordem para que l�deres militares do pa�s lidassem com o extremismo em suas tropas.

O ent�o secret�rio Lloyd Austin criou uma for�a-tarefa para determinar como identificar "amea�as internas", explicando que recrutas em potencial seriam investigados em busca de eventuais afilia��es extremistas.

Isso aconteceu depois de an�lises preliminares sobre a invas�o do Capit�lio (sede do Congresso americano), em 6 de janeiro, ter indicado que muitos invasores eram militares na ativa ou na reserva,

Uma pesquisa online feita em 2020 pelo site Military Times com 1,1 mil militares na ativa identificou que um ter�o deles havia visto sinais de comportamento racista ou supremacista dentro das tropas.

Talvez surpreendentemente, por�m, para Mike o servi�o militar acabaria sendo o ponto de partida para sua jornada de sa�da do extremismo de direita.

No final de 2017, ele estava em seu segundo m�s de treinamento, nas florestas do Estado do Missouri.

"Eu estava no meio do nada com todos os tipos de pessoas de todas as partes dos Estados Unidos - negros, judeus, um cara de Guam que me ensinou a ca�ar peixes", ele recorda. "Fiz amizades com pessoas que nunca teria considerado amigas at� ent�o."

O treinamento era dif�cil, exaustivo, e Mike tinha dificuldade em lidar com a falta de autonomia - seus superiores hier�rquicos controlavam todos os seus movimentos.

"Uma coisa � ser um garoto fumando, lendo 4chan e ficando irritado na garagem", reflete. "Outra � se ver no meio do nada, em uma base a�rea da qual voc� n�o pode sair, com pessoas gritando com voc�."

Infeliz, ele pensou v�rias vezes em abandonar o treinamento nas oito primeiras semanas. Sua m�e n�o falava mais com ele - talvez, sabendo que ele havia entrado �s For�as Armadas por motivos errados.

Receber cartas era um al�vio para os recrutas, mas Mike n�o recebeu nenhuma nas cinco primeiras semanas.

Um dia, outro recruta, um homem negro, notou a tristeza de Mike e o convidou a rezar.

Foi um dos muitos pequenos gestos que ajudaram Mike a sobreviver ao treinamento - e que, por fim, mudaram sua forma de ver a vida.

"Por que ele est� me ajudando?", pensou Mike a respeito do colega. "Pensei que quisesse me destruir."

Ao longo das semanas seguintes, o mesmo recruta e outro jovem judeu ampararam Mike durante um de seus dias mais dif�ceis, com um amig�vel tapa nas costas, dizendo "cara, voc� vai conseguir passar por isto".

O treinamento tamb�m tirou-o da "bolha" que refor�ava suas cren�as racistas. Sem tempo de frequentar os f�runs online e longe da propaganda t�xica que antes preenchia os seus dias, ele sentiu que o �dio estava diminuindo.


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(foto: BBC)

Ao fim do treinamento b�sico, Mike j� sabia que n�o queria fazer parte das For�as Armadas. Chegou a passar meses trabalhando na base a�rea, mas profundamente deprimido.

Chegou a seu ponto mais infeliz enquanto se preparava para ser mandado ao Afeganist�o.

"Eu sabia que seria enviado para l�. Estava muito estressado, bebi muito uma noite e tive acesso a uma arma."

Ele chegou perto de cometer suic�dio e acabou recebendo uma licen�a m�dica n�o remunerada. � um per�odo sobre o qual ele tem dificuldade em falar.

Embora, em seu caso, o treinamento o tenha afastado do extremismo, Mike n�o acha uma coincid�ncia que tantos envolvidos em viol�ncia de extrema direita tenham um passado militar.

Ele acredita que muitos extremistas, tal como ele, entram nas For�as Armadas em busca de uma oportunidade de matar pessoas de ra�as diferentes.


Mike em uniforme militar
Nas For�as Armadas, ele conviveu com pessoas diferentes e escapou do extremismo - mas muitos jovens fazem o caminho oposto (foto: Jared Stapp)

Outros, ele opina, se alistam porque acham que o treinamento os vai ajudar a derrubar o Estado. Um terceiro grupo, por sua vez, se desilude e se radicaliza como resultado da experi�ncia de treinamento, conclui.

"Eles se sentem explorados, sentem que n�o s�o compreendidos e sentem que (os superiores) mentiram para eles", argumenta Mike.

Uma dessas pessoas � um amigo que Mike viu nas redes sociais demonstrando apoio por uma mil�cia antigoverno. "Ele serviu (as For�as Armadas) por ao menos 16 anos e esteve em duas guerras - duas guerras relacionadas a mentiras", diz Mike, se referindo aos conflitos no Iraque e Afeganist�o.

Mike tamb�m deixou de ver sentido nas guerras americanas, mas ao mesmo tempo admitiu que seu racismo tamb�m era sem sentido.

"Eu meio que fui percebendo, uns 70 anos depois de todo mundo, que Hitler estava claramente errado", conta.


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(foto: BBC)

Nesse processo de mudan�a, Mike decidiu entrar em contato com Christian Picciolini, um ex-neonazista que hoje se esfor�a para "desconverter" extremistas.

"Ele me disse para praticar a empatia, n�o julgar os outros, ser honesto e sempre ser auto-refletivo - essencialmente para encontrar formas de fazer o bem", conta Mike, que come�ou a trabalhar em uma casa de shows e se envolveu com a cena punk rock.

Foi a v�lvula de escape de que ele precisava para a raiva que sentia desde sua inf�ncia dif�cil. O punk se tornou sua salva��o.

"Minha comunidade punk rock foi uma das coisas mais importantes para me tirar (do extremismo). Vejo como � vital ter um escape e um grupo ao qual voc� sinta que pertence. Mas um grupo construtivo."

Finalizada sua licen�a m�dica, Mike decidiu n�o voltar � base militar. Foi liberado em dezembro passado.

�s vezes, ele teme que o extremismo ainda tenha poder sobre ele. Quando a mercearia onde trabalhava foi roubada por dois homens negros, deixando uma senhora ferida, Mike tentou impedi-los com uma arma. E reconheceu em si o mesmo ide�rio racista e desumanizante de antes - mas, desta vez, lutou contra eles.

"Fiz esfor�os cont�nuos para ser antirracista, ativamente. Mas n�o vou fingir que n�o � dif�cil."

Enquanto ele tenta escapar da armadilha extremista, outros americanos mergulham mais fundo nela. Mike se disse horrorizado com os ataques de janeiro ao Capit�lio.

Os Estados Unidos s�o uma "uni�o de cl�s que poderiam estar em guerra", ele diz, "e quando voc� solta uma fa�sca, as coisas ficam incrivelmente perigosas. Eu j� vi muita viol�ncia."

Mike quer que as pessoas entendam o qu�o f�cil �, nos Estados Unidos atuais, que uma ideologia extremista domine a vida de algu�m.

"Eu era um adolescente com acesso � internet em um sub�rbio da Calif�rnia e fiquei radicalizado o bastante para querer cometer atos de viol�ncia contra outras pessoas por causa da cor da sua pele ou da sua religi�o", ele conta.

"O que quero que as pessoas saibam � que eu era um nazista. N�o na Baviera de 1939, mas na Am�rica dos dias de hoje."

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