
O Chile vive um cap�tulo turbulento de sua hist�ria pol�tica. A popula��o se prepara para ir �s urnas neste domingo (21) para escolher um sucessor, entre sete candidatos, do atual presidente Sebasti�n Pi�era, que escapou de um impeachment, na semana passada. Os dois mais votados ir�o ao segundo turno, marcado para 19 de dezembro.
Com base em informa��es reveladas pelo Panama Papers, Pi�era era acusado de irregularidades na venda de um projeto de minera��o em um neg�cio concretizado nas Ilhas Virgens Brit�nicas. Embora os deputados tenham aprovado o impeachment, o processo foi freado no Senado na �ltima ter�a-feira (16). A rejei��o se deu apesar dos 24 votos favor�veis da oposi��o: eram necess�rios 29, ou seja, dois ter�os dos 43 senadores.
Paralelamente � discuss�o do impeachment, o Chile se prepara para a sucess�o de Pi�era, j� que seu mandato chegar� ao fim em mar�o de 2022. As �ltimas pesquisas de inten��o de voto apontam o ultraconservador Jos� Antonio Kast e o jovem progressista Gabriel Boric como poss�veis advers�rios no segundo turno.
"S�o candidatos que v�m por fora do sistema tradicional. S�o novos partidos e novos movimentos que v�m desafiar o sistema tradicional", ponderou Juan Pablo Luna, cientista pol�tico da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Chile, durante debate online organizado pelo Centro Brasileiro de Rela��es Internacionais (Cebri) na �ltima quarta-feira (17).
Ele antecipa um debate polarizado, mas avalia que ainda � cedo para dizer se a sociedade est� polarizada. "N�o sabemos quanto dessa polariza��o realmente mobiliza a sociedade ou quanto aliena a sociedade".
Os levantamentos mais recentes foram divulgados h� cerca de duas semanas pelos institutos Pulso Ciudadano, Plaza P�blica, Panel Ciudadano e Criteria. Kast variava entre 21% e 25% das inten��es de voto e Boric ficou entre 17% e 25% de prefer�ncia do eleitorado. Nenhum dos demais candidatos superava 11% nas diferentes pesquisas.
Se houve alguma mudan�a de cen�rio nas �ltimas duas semanas, elas n�o ser�o captadas: a lei chilena pro�be divulgar levantamentos de inten��o de voto nos 15 dias que antecedem o pleito.
Para o cientista pol�tico Mauricio Santoro, professor do curso de Rela��es Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trata-se de um processo eleitoral muito vol�til que j� apresentou algumas reviravoltas. Apesar disso, ele avalia que dificilmente haver� surpresas sobre quem ir� ao segundo turno. "Os dois candidatos representam, cada um deles � sua maneira, uma rejei��o muito forte do eleitorado � pol�tica tradicional. O eleitor est� buscando uma alternativa, seja na direita radical, seja em uma nova esquerda", afirma.
Os �ltimos levantamentos tamb�m indicavam mais de 20% de eleitores indecisos. O voto no Chile n�o � obrigat�rio. Santoro avalia que uma baixa participa��o eleitoral pode beneficiar Kast. "Quando h� uma absten��o grande, a tend�ncia � que aquele eleitor mais comprometido, que �s vezes � o mais radicalizado, exer�a mais influ�ncia. Ele pode causar um efeito desproporcional no resultado".
Em qualquer cen�rio, os chilenos ter�o um novo nome no comando do pa�s ap�s mais de uma d�cada e meia. Nos �ltimos 16 anos, houve apenas dois presidentes diante da altern�ncia entre o governo de centro-esquerda de Michele Bachelet e de centro-direita de Sebasti�n Pi�era. Para Santoro, foi um per�odo sem nenhum grau de radicaliza��o pol�tica. Mas ele considera que esse Chile, onde o governo transitava da esquerda moderada para a direita moderada e as prefer�ncias partid�rias eram mais est�veis, ficou no passado.
Kast, um advogado de 55 anos que n�o esconde a simpatia pelo regime autorit�rio conduzido entre 1973 e 1990 pelo general Augusto Pinochet, � o nome do Partido Republicano. Sua campanha tamb�m tem sido comparada �s realizadas por Donald Trump e por Jair Bolsonaro: ele j� fez elogios p�blicos a ambos. Em alguns aspectos, Santoro o v� mais pr�ximo do ex-presidente dos Estados Unidos. "Ele est� incorporando alguns temas que foram secund�rios no Brasil como a quest�o da imigra��o".
Por sua vez, a candidatura do atual deputado Gabriel Boric � apresentada pela Apruebo Dignidad, uma alian�a entre a Frente Ampla e o Partido Comunista do Chile. Aos 35 anos, idade m�nima para ser presidente do pa�s, ele projetou sua carreira pol�tica a partir do movimento estudantil que ganhou for�a nas �ltimas duas d�cadas levantando a bandeira do acesso � educa��o.
A articula��o de sua candidatura se desenhou como continuidade das mobiliza��es para a implanta��o da Conven��o Constituinte, que est� se dedicando a elaborar uma nova Constitui��o para substituir a anterior de 1980, criada em meio ao governo ditatorial de Pinochet. A reda��o da nova carta magna do Chile dever� ser conclu�da at� outubro de 2022, quando ser� submetida a uma consulta popular.
Plebiscito
A Conven��o Constituinte foi instaurada por decis�o de um plebiscito convocado por Pi�era diante da press�o popular em meio a protestos em 2019: as pautas presentes nos atos inclu�am pleitos variados associados a direitos sociais, liberdades individuais e quest�es de g�nero. As profundas diferen�as entre os dois candidatos que se projetam para o segundo turno j� era evidente nessa �poca: enquanto Boric se somou �s manifesta��es, Kast era uma das vozes contr�rias ao plebiscito.
Mauricio Santoro falou sobre a import�ncia das elei��es chilenas e da Conven��o Constituinte para a Am�rica Latina. "O Chile foi considerado, durante muitos anos, um exemplo de estabilidade para a regi�o. E essa percep��o n�o mais existe, pelo menos desde os grandes protestos que ocorreram em 2019 e toda essa mobiliza��o que est� resultando na Conven��o Constituinte", avalia.
Nos �ltimos meses, foram registrados alguns conflitos entre a popula��o ligados � tens�o eleitoral, em decorr�ncia de posicionamentos radicais em torno de alguns temas, como a imigra��o. Kast chegou a propor a cria��o de valas na fronteira para evitar a entrada de estrangeiros. No final de setembro, cenas de chilenos queimando pertences de venezuelanos durante um protesto anti-imigra��o na cidade de Iquiqui tiveram ampla repercuss�o no notici�rio.
Demais candidatos
Al�m de Boric e Kast, disputam a presid�ncia outros cinco candidatos. Com apoio de Pi�era, o governista Sebasti�n Sichel tenta se mostrar como representante de uma direita disposta ao di�logo. No campo da esquerda e da centro-esquerda, tamb�m participam do pleito o progressista Marco Enr�quez Ominami e a democrata-crist� Yasna Provoste, al�m de Eduardo Art�s, dirigente do Partido Comunista Chileno A��o Prolet�ria, uma dissid�ncia do Partido Comunista do Chile.
O s�timo candidato � Franco Parisi, que realizou toda a sua campanha pela internet a partir dos Estados Unidos, o que tem gerado cr�ticas dos demais concorrentes. Sua aus�ncia do pa�s coincide com uma a��o judicial pelo n�o pagamento de pens�o alimentar a dois filhos. Existe uma ordem para que seja impedido de sair do pa�s, o que lhe traria problemas caso decidisse viajar ao Chile. Na semana passada, o candidato anunciou que est� com covid-19 e, devido � quarentena, ficar� nos Estados Unidos no dia das elei��es.
Tamb�m devido � doen�a, a reta final das campanhas contou com uma tr�gua imprevista no in�cio desse m�s. O teste positivo de Boric para covid-19 colocou os demais candidatos, � exce��o de Parisi, em um confinamento de sete dias. Eles haviam participado de um debate presencial um dia antes do aparecimento dos sintomas.