
Bras�lia – Durante 1 hora e 50 minutos, e separados por mais de 11 mil quil�metros, os l�deres das duas maiores pot�ncias mundiais tiveram, na manh� de ontem, uma conversa aberta sobre a maior crise enfrentada pela Europa em quase oito d�cadas. De um lado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, advertiu e "descreveu as implica��es e consequ�ncias, caso a China forne�a apoio material � R�ssia" na invas�o � Ucr�nia. Do outro lado, o l�der chin�s, Xi Jinping, buscou contemporizar e pediu uma sa�da pac�fica para a crise no leste da Europa. Ele lembrou que o conflito e a confronta��o n�o interessam a ningu�m. "A China defende a paz e se op�e � guerra. Isso est� embutido na hist�ria e na cultura da China", declarou. A reuni�o, por meio de videoconfer�ncia, ocorreu em um clima de tens�o, ante as suspeitas de que os chineses estariam dispostos a fornecer ajuda militar aos russos, importante aliado comercial.
De acordo com a ag�ncia estatal de not�cias chinesa Xinhua, o presidente Xi teve "uma troca de pontos de vista sincera e profunda" com Biden sobre a crise na Ucr�nia, as rela��es sino-americanas e assuntos de interesse m�tuo. O l�der da China assegurou ao hom�logo dos EUA que a defesa da preserva��o do direito internacional, a ades�o e � Carta das Na��es Unidas e a promo��o de uma vis�o de seguran�a comum e cooperativa s�o princ�pios que sustentam a abordagem de Pequim em rela��o � crise da Ucr�nia.
Os dois chefes de Estado expressaram o desejo de manter os canais de di�logo abertos. Na conversa com Biden, Xi afirmou que China e EUA devem exercer o papel de protagonistas rumo � estabilidade mundial. "N�s n�o apenas devemos liderar o desenvolvimento das rela��es China-EUA pelo caminho correto, como assumir responsabilidades internacionais e fazer esfor�os pela paz mundial e pela tranquilidade", disse o chin�s. "O mundo n�o � pac�fico nem tranquilo."
Em comunicado � imprensa, a Casa Branca destacou que a conversa se concentrou na "invas�o n�o provocada" da Ucr�nia e ressaltou que Biden detalhou a Xi os esfor�os dos EUA para prevenir e responder � invas�o, incluindo as san��es financeiras impostas � R�ssia. O democrata qualificou as a��es das for�as russas na Ucr�nia como "ataques brutais contra cidades e civis".
OTAN
Xi disse que "todos os lados precisam apoiar conjuntamente a R�ssia e a Ucr�nia no di�logo e na negocia��o, para que produzam resultados e levem � paz". O chin�s exortou os EUA e a Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte(Otan) a abordarem preocupa��es de Kiev e de Moscou. Professor de pol�tica comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran disse � reportagem acreditar que Xi sabia dos planos do presidente russo, Vladimir Putin, de invadir a Ucr�nia. "Creio que Putin tenha prometido a Xi que Kiev capitularia muito em breve. Se a Ucr�nia ca�sse rapidamente, a China seria beneficiada, pois o mercado internacional voltaria as aten��es a Pequim, ante as san��es aplicadas a Moscou", observou.
Haran advertiu que a situa��o se torna cada vez mais perigosa para os chineses, pois as retalia��es financeiras impostas a Putin impactam bancos chineses com a amea�a de san��es. "Eu n�o especularia sobre uma mudan�a imediata de posi��o de Xi, mas, com certeza, a China ser� mais cautelosa em rela��o � aventura de Putin na Ucr�nia. Se Pequim retirar o apoio � agress�o russo, o Kremlin ficar� privado de aliados no mundo", alertou.
Anton Suslov, especialista da Escola de An�lise Pol�tica (NaUKMA), em Kiev, destacou o pragmatismo da China. "Os chineses sempre jogam seu pr�prio jogo. N�o podemos dizer que exista uma parceria incondicional entre China e R�ssia. Pequim apoia Moscou apenas quando isso � de interesse pr�prio", explicou � reportagem.
Segundo Suslov, por um lado, a China n�o condena a a��o militar russa na Ucr�nia e se recusa a cham�-la de "invas�o" — prefere o termo "crise ucraniana". Por outro lado, autoridades de diversos escal�es de Pequim defendem a paz e a via diplom�tica. "A posi��o chinesa pende entre o equil�brio e a espera. Ainda que a R�ssia seja um parceiro na oposi��o aos EUA, o apoio claro e substancial � guerra prejudicaria os interesses econ�micos da China, que s�o a manuten��o das rela��es econ�micas com a Europa." Xi tamb�m n�o estaria disposto a assumir as consequ�ncias de um aval a uma invas�o condenada pela comunidade internacional.”
“CRIMES DE GUERRA”
Ontem, em mais um telefonema para o colega franc�s, Emmanuel Macron, Putin surpreendeu ao declarar que as for�as ucranianas s�o “culpadas de v�rios crimes de guerra”. O titular do Kremlin citou, “em particular, ataques maci�os de foguetes e de artilharia em cidades de Donbass” – regi�o controlada por separatistas pr�-R�ssia, no leste da Ucr�nia.
Putin assegurou a Macron que as tropas russas “fazem o poss�vel para preservar a vida de civis pac�ficos, incluindo a organiza��o de corredores humanit�rios para sua sa�da segura”. Na conversa de 70 minutos, o franc�s voltou a exigir “o respeito imediato de um cessar-fogo” na Ucr�nia.
As afirma��es de Putin sobre a tentativa de evitar baixas entre civis se contrap�em ao cen�rio no campo de batalha. Nos �ltimos dias, v�rios alvos n�o militares foram atacados. Em Kiev, a ativista de direitos humanos Oleksandra Mattviichuk, da organiza��o n�o governamental Centro para Liberdades Civis, apontou crimes de guerra cometidos pelos russos. "O mais chocante, para mim, foi o bombardeio deliberado de um hospital pedi�trico e uma maternidade em Mariupol (sul). Nossos colegas ativistas nos disseram que � muito perigoso marcar pr�dios civis com o nome 'Crian�as'. Na S�ria, os russos tamb�m deliberadamente dispararam contra alvos com essas indica��es", denunciou.
Oleksandra contou ao Correio Braziliense/Estado de Minas que, ontem, participou de um encontro virtual com um representante do Brasil na Organiza��o das Na��es Unidas (ONU). "Ele me disse que tem esperan�a de uma solu��o diplom�tica para essa situa��o. Mas, devo lembrar que a diplomacia falhou em parar Putin na S�ria, na Crimeia e em Donbass. Putin n�o entende a linguagem da diplomacia. Infelizmente, ele compreende somente a linguagem da for�a."
As tentativas de uma sa�da diplom�tica est�o em marcha. Ontem, Vladimir Mendisky, principal negociador russo nas conversas sobre um cessar-fogo, comentou que as duas partes est�o "no meio do caminho" sobre a desmilitariza��o ucraniana e que acordam em pontos centrais.
Tributo aos Anjinhos
Cento e nove carrinhos de beb� e cadeirinhas, todos vazios, foram enfileirados diante do pr�dio da C�mara Municipal de Lviv, na Pra�a Rynok. Foi assim que um dos locais mais movimentados da cidade tornaram-se palco de uma manifesta��o emocionante. "109 crian�as. 109 crian�as foram assassinados pelos russos desde o primeiro dia da invas�o completa russa da Ucr�nia. Carrinhos de beb� vazios na Pra�a Rynok hoje simbolizam a vida dos anjinhos. Eles agora est�o defendendo o c�u da Ucr�nia em vez de a��es decisivas do mundo", escreveu no Twitter Andriy Sadovyi, prefeito de Lviv.
Cidade sofre ofensiva in�dita
Bras�lia – A explos�o sacudiu Lviv (oeste), a apenas 70km da fronteira com a Pol�nia, por volta das 6h (1h em Bras�lia). "Foi o primeiro ataque dentro da cidade. Houve um anterior nos arredores. Dessa vez, eles bombardearam uma f�brica de reparo de aeronaves", contou ao Correio Braziliense/Estado de Minas a jornalista ucraniana Iryna Matviyishyn, 29 anos, moradora da periferia de Lviv. "Na hora, eu estava no por�o de casa, pois as sirenes antia�reas tinham acabado de soar. Amigos que vivem perto do aeroporto escutaram uma s�rie de explos�es, e meu irm�o viu uma coluna de fuma�a na �rea", acrescentou. Para ela, a ofensiva in�dita em Lviv sugere uma tentativa das for�as russas de destru�rem a infraestrutura e se insere em um componente psicol�gico. "Querem que n�s, ucranianos, nos sintamos inseguros em qualquer lugar", disse Iryna, por telefone.
A voz transparecia o cansa�o pelas noites maldormidas. "Temos que acordar no meio da madrugada com as sirenes antia�reas. � uma t�tica muito c�nica de Vladimir Putin atacar durante a escurid�o ou nas primeiras horas da manh�. Um terror psicol�gico", denuncia a jornalista, que nem sequer cogita deixar a cidade. "Lviv � minha terra natal. Espero ficar aqui, e me manter relativamente segura. No come�o da guerra, eu tinha medo. Agora, n�o mais", desabafou.
O prefeito de Lviv, Andriy Sadovyi, explicou que a f�brica de reparo de aeronaves tinha sido desativada e, por isso, n�o houve baixas. O bombardeio � visto com preocupa��o especial pela comunidade internacional por ter ocorrido �s portas da Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte (Otan), da qual a Pol�nia � pa�s-membro. Um ataque a qualquer na��o integrante da alian�a militar ocidental poderia desencadear uma rea��o em cadeia.
Natural de Sumy (leste), a gerente de projetos Karine Makarian, 30, mora em Lviv h� um ano. "Lviv, assim como outras cidades da regi�o mais ocidental da Ucr�nia, tornou-se um lugar onde as pessoas que abandonaram suas casas por causa da agress�o russo poderiam se sentir seguras e 'normais'. Mas a guerra n�o se resume mais apenas a leste, ao sul ou perto de Kiev. Os russos querem destruir nosso pa�s, nossa na��o, todos n�s. Eles n�o v�o parar", disse ao Correio Braziliense/Estado de Minas. Quando escutou as sirenes antia�reas, no in�cio da manh� de ontem, Karine correu imediatamente para o abrigo e entrou em contato com amigos. "Dessa vez, n�o fiquei chocada ou assustada. Senti medo quando ouvi o som das sirenes”.
