
S�o Paulo – De que a direita sairia vitoriosa nas elei��es para o conselho que redigir� uma nova Constitui��o para o Chile n�o havia muita d�vida. Mas de que o setor mais extremo desse espectro seria o vencedor e de que o centro encolheria de maneira expressiva n�o havia tantas previs�es. De derrotado no segundo turno das elei��es de 2021 – que al�aram o esquerdista Gabriel Boric ao La Moneda – , o Partido Republicano, expoente da ultradireita e simp�tico a figuras como Donald Trump e Jair Bolsonaro, levou 23 dos 51 assentos da futura Constituinte.
A outra face do pleito de domingo � a desidrata��o do centro pol�tico – � esquerda e � direita. Siglas como o novato Partido de La Gente (centro-direita) e a Democracia Crist� (centro-esquerda) n�o elegeram representantes. Tampouco independentes tiveram �xito. Restaram aos Socialistas, que migram ao centro, seis cadeiras.
"H� um esvaziamento do centro, em uma polariza��o muito clara", diz Aldo Mascare�o, o soci�logo do Centro de Estudos P�blicos do Chile. "A consequ�ncia principal � que acordos de longo prazo, que requerem a distens�o das for�as, v�o se tornar muito mais dif�ceis."
Para Mascare�o, as raz�es para a perda de peso do tradicional centro residem na perda de capilaridade de parte desse setor. "Os partidos da centro-esquerda tradicional, por exemplo, vivem da mem�ria pol�tica dos anos 1990. Vivem em uma elite pol�tica que luta para conseguir uma ou outra vaga no Congresso, mas se esquecem do contato com a base, de traduzir as demandas sociais em perspectivas social-democratas."
Para David Altman, professor da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Chile e diretor do instituto sueco V-Dem para a Am�rica Latina, a guinada chilena � ultradireita tamb�m ecoa uma mensagem para fora do pa�s. "Uma voz muito forte de que inclusive lugares onde os padr�es de conviv�ncia democr�tica pareciam estar encaminhados n�o t�m vacina para a ang�stia ou a 'bronca' com a pol�tica tradicional."
Para uma sociedade que h� pouco menos de tr�s anos disse nas urnas que queria mudar sua Constitui��o, causa tamb�m certa surpresa que, agora, 62% da popula��o vote na direita, que j� disse n�o querer mudan�as substanciais no documento da �poca da ditadura Pinochet.
SEQUELAS
Mas Aldo Mascare�o diz n�o ver contradi��o. Ele avalia que houve um alargamento extremo das propostas no primeiro rascunho de Constitui��o que, feito por constituintes em sua maioria de esquerda, foi rejeitado nas urnas em setembro passado. Havia ali desde propostas de direito ao aborto at� a de cria��o de um Estado plurinacional. "Esse primeiro processo leva a uma mudan�a radical na organiza��o da sociedade que culmina no recha�o. Vivemos algumas 'sequelas' do trauma que significou levar essa oportunidade ao extremo."
O gerente de an�lise pol�tica para a Am�rica Latina da consultoria Prospectiva, Thiago Vidal, faz an�lise semelhante. "O estallido social (protestos de 2019 que exacerbaram a frustra��o social) n�o � um movimento definido, mas algo amorfo, sem pauta ideologizada. A esquerda leu isso mal. Pensou que era uma valida��o sua, mas n�o era. Achou que sua elei��o resolveria o dilema, mas n�o resolveu."
Parte da insatisfa��o e da apatia nesse processo se traduziu no alto n�mero daqueles que foram �s urnas, j� que o voto era obrigat�rio, mas n�o escolheram ningu�m. Votos brancos e nulos, afinal, somaram 21,5% – quase 3 milh�es de votos. A taxa de participa��o ficou em 84,87%.
Mas, al�m dos erros que podem ser atribu�dos � estrat�gia de setores de esquerda, pesquisadores chamam a aten��o para o �xito da ultradireita em sua t�tica. Siglas como o radical Partido Republicano falaram majoritariamente durante a campanha sobre a agenda de seguran�a do Chile, com ondas de viol�ncia crescentes, mesmo que esse tema n�o fosse central para a nova Carta Magna.
PARADOXO
David Altman diz que os republicanos vivem um paradoxo. "Se tivessem tido vota��o menos expressiva, teriam maior liberdade para serem mais estridentes. Mas, por serem a principal for�a, ter�o de agir com responsabilidade. A performance que ter�o na Constituinte vai determinar se v�o ter �xito na pr�xima elei��o presidencial (em 2025). Ou seja: essa for�a pode se converter em debilidade."
O ensaio da modera��o veio j� no discurso de Jos� Ant�nio Kast, l�der do partido que disputou contra Boric o segundo turno em 2021. "N�o h� nada para celebrar. As coisas n�o est�o boas. Para a imensa maioria dos chilenos, isso n�o � o mais importante. Est�o preocupados com a inseguran�a, a press�o econ�mica", disse ele no domingo.
Thiago Vidal frisa que o caldo para os republicanos mostrou que, "mesmo um partido que carece de organicidade program�tica, enquanto esbanja ideologia", tem mais figuras em ascens�o al�m de Kast. Nesse sentido, chama a aten��o Luis Silva, o conselheiro constitucional mais votado. Sozinho, levou 700 mil votos, mais do que o total de partidos como o Convergencia Social (560 mil), de Boric.
E, no que diz respeito ao presidente, que se tornou o l�der mais jovem a governar o Chile, a perspectiva n�o � nada animadora. A Constituinte, afinal, foi uma de suas bandeiras desde a campanha eleitoral. Mas desde que assumiu o La Moneda, Boric sofreu derrotas em s�rie.
Com um Congresso onde n�o tem maioria, nunca conseguiu al�ar governabilidade. Uma das principais reformas de sua agenda, a tribut�ria, foi derrotada na C�mara. E a press�o foi tamanha que ele iniciou um giro que alguns analistas dizem ser ao centro, enquanto outros caracterizam � direita.
PATO MANCO
"Boric est� a um mil�metro do nocaute. Possivelmente come�a a sentir a sensa��o de 'lame duck' (pato manco). Um presidente que sabe que n�o tem muito o que fazer porque n�o tem mais muito poder", diz David Altman, do V-Dem.
No discurso oficial p�s-derrota, Boric pediu di�logo. E reconheceu os erros. "Pe�o que atuem com sabedoria, modera��o e responsabilidade para evitar que a hist�ria se repita. O processo anterior fracassou, entre outras coisas, porque n�o soubemos escutar quem pensava diferente. Convido o Partido Republicano a n�o cometer o mesmo erro. N�o pode ser um processo de vingan�a. Os interesses do povo devem estar � frente dos interesses partid�rios e pessoais." (Folhapress)