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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Coronv�rus: o estudo que busca mostrar como a pandemia est� afetando os sonhos dos brasileiros

Pesquisa tem como ponto de partida relatos de usu�rios na rede social Instagram; cientistas querem poder tra�ar estrat�gias para ajudar pessoas a enfrentar incerteza e ang�stia causadas pelo confinamento for�ado


postado em 19/05/2020 14:32 / atualizado em 19/05/2020 15:31


Pesquisa tem como ponto de partida relatos de usuários na rede social Instagram(foto: BBC)
Pesquisa tem como ponto de partida relatos de usu�rios na rede social Instagram (foto: BBC)

Um novo estudo busca mapear os sonhos dos brasileiros em meio � pandemia de COVID-19 e tentar entender como estamos lidando psicologicamente com a incerteza e ang�stias geradas pelo confinamento for�ado.

Eventualmente, as descobertas podem servir para tra�ar estrat�gias para enfrentar essa desafio.

Entre as constata��es iniciais, est� o aparecimento de sonhos de perda, de fuga ou persegui��o, de intrus�o e de vulnerabilidade devido ao isolamento social.

O estudo, que est� sendo desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Universidade de S�o Paulo (USP), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem como ponto de partida relatos de usu�rios na rede social Instagram.

'Por acaso'

Gilson Iannini, do Departamento de Psicologia da UFMG, diz que a ideia de realiz�-lo surgiu por acaso, em sala de aula.

Ele conta que estava dando um curso de p�s-gradua��o em psicologia durante o qual, junto com alunos, analisava o livro A Interpreta��o dos Sonhos, publicado pelo pai da psican�lise, o austr�aco Sigmund Freud, em 1900, quando veio a pandemia e as aulas foram suspensas.

"Em conjunto, decidimos dar continuidade �s atividades, de maneira virtual e investigar o que as pessoas sonhavam durante a quarentena", explica.

"Primeiro, porque notamos um aumento vertiginoso do interesse pelo tema dos sonhos. Nas redes sociais, esse assunto de repente ganhou uma dimens�o inesperada. Muita gente passou a falar de seus sonhos, come�amos a ver pesquisas sobre eles, muitas delas sem muito embasamento."

A inspira��o veio tamb�m de um livro da tamb�m alem� Charlotte Beradt, Sonhos no Terceiro Reich. "A gente come�ou a se interessar pela fun��o coletiva do sonho", diz Iannini.

"As disputas pol�ticas, as quest�es sociais, os desafios e impasses hist�ricos n�o se encerram apenas na esfera p�blica, elas se estendem e se prolongam no nosso mais �ntimo, inclusive em nossos sonhos. Na perspectiva da psican�lise, as fronteiras entre a psicologia individual e social s�o t�nues, fr�geis, perme�veis."

Os pesquisadores est�o recolhendo relatos de sonhos que ocorreram durante a quarentena no Instagram. "Tamb�m divulgamos o trabalho nas redes sociais e disponibilizamos um e-mail para contato", diz Miriam Debieux Rosa, da USP, que participa do estudo.

"Por meio dele, a pessoa mostra que tem interesse em participar. Nesse caso, enviamos um formul�rio que deve ser preenchido e mandado de volta para n�s. Os sonhos e as associa��es dele podem chegar por escrito, por voz ou por um contato com um pesquisador por meio de plataforma online", acrescenta.


'Sonhos têm sido mais vívidos, mais reais e pessoas acordam cansadas', diz pesquisadora(foto: BBC)
'Sonhos t�m sido mais v�vidos, mais reais e pessoas acordam cansadas', diz pesquisadora (foto: BBC)

'Sonhos mais v�vidos'

O estudo ainda est� em sua primeira fase, de coleta de relatos e de associa��es dos participantes.

"� cedo para falar em resultados e tampouco em conclus�o, mas podemos falar em alguns efeitos da pesquisa", explica M�rian.

"Podemos dizer que tem muita gente querendo contar - j� temos perto 500 relatos no total das tr�s equipes. Os sonhos t�m sido mais v�vidos, mais reais e as pessoas acordam cansadas. Sugerimos que escrevam o que sonharam assim que acordarem. Muitos sonhos remetem aos lugares de origem de quem relata, a cidade natal, a casa da inf�ncia; muitos trazem temas de perdas - de objetos, da mem�ria, de se perderem em algum lugar, de n�o reconhecer as pessoas ou a si mesmo. Tamb�m o medo, o susto, o horror, o nojo."

De acordo com ela, o estudo tamb�m revela que as pessoas parecem estar mais atentas � sua vida on�rica e, inclusive, sonhando mais ou pelo menos lembrado mais.

Com certa frequ�ncia, al�m do formul�rio preenchido, os pesquisadores t�m recebido declara��es como: "Eu normalmente n�o lembro dos meus sonhos, por�m ultimamente tenho lembrado".

"Pensamos que � como se estivessem criando um outro tipo de rela��o com seus sonhos, como se essa rela��o pudesse se prolongar em associa��es que v�o para al�m do costumeiro momento de acordar ap�s ter sonhado, estranhar-se momentaneamente e seguir a vida", explica M�rian. "O sonho se prolonga no dia como um enigma, uma surpresa, uma vergonha de ter sonhado com algo."

Iannini acrescenta outros resultados preliminares da pesquisa. "A partir de uma nuvem de palavras, o termo mais onipresente nos sonhos � 'casa'", conta.

"Os temas da pandemia e da morte aparecem, mas em geral metaforizados. Os do isolamento e da quarentena t�m aparecido com mais frequ�ncia, mais literalmente. Muitas vezes, a pessoa se encontra sozinha, angustiada porque outros gozam a vida sem cumprir a quarentena e ela pr�pria se priva, por exemplo", diz.

Raio-x dos medos e ang�stias

O estudo n�o serve apenas para as an�lises, para entender os medos e ang�stias coletivas durante a pandemia de COVID-19. Ele pode ajudar cada um dos que relatam seus sonhos, dizem os cientistas.

"Ao convocarmos esses sujeitos a narr�-los a um pesquisador, seja por escrito ou oralmente, estamos proporcionando um espa�o para que a ang�stia inevit�vel do momento seja sentida de maneira menos aniquiladora", diz M�rian.

"Isso porque, ao contarem o que sonharam, eles esbo�am uma tentativa de constru��o de algum sentido mais ou menos consistente para o nonsense que vivemos mundialmente."

M�rian cita alguns coment�rios dos sonhadores, que indicam que se sentem "apaziguados" ao poder compartilhar com um outro indiv�duo a estranheza de seus sonhos.


Ao relatar, ao ter com quem falar ou a quem endereçar uma produção onírica, a pessoa 'se dá conta de alguma coisa', diz pesquisador(foto: BBC)
Ao relatar, ao ter com quem falar ou a quem endere�ar uma produ��o on�rica, a pessoa 'se d� conta de alguma coisa', diz pesquisador (foto: BBC)

"Recebemos declara��es como 'gostei de escrever sobre o que sonhei, nunca havia registrado um, fiz associa��es que n�o tinha feito antes' ou 'achei importante a oportunidade de compartilhar o relato. Ele, em si, j� � um fator de apaziguamento'", conta.

"Outros comentam a satisfa��o de poder contribuir para a Ci�ncia, para estudos, fazendo parte de um conjunto mais amplo."

De acordo com Iannini, ao contar o sonho, colocando no papel lembran�as e associa��es, as pessoas organizam seu psiquismo, ou seja, "d�o sentido" a essas experi�ncias que n�o s�o reais.

"O indiv�duo encena combina��es, testa cen�rios", explica. "Frequentemente, escutamos dos sujeitos que ao fazer o relato, ele se deu conta disso ou daquilo. 'Nossa, acabei de perceber que...', 'nunca tinha pensado nisso' s�o f�rmulas bastante frequentes."

Nem sempre isso ocorre, no entanto, quando algu�m apenas se lembra do sonho.


Gilson Iannini, da UFMG, é um dos responsáveis pelo estudo(foto: Arquivo pessoal/BBC)
Gilson Iannini, da UFMG, � um dos respons�veis pelo estudo (foto: Arquivo pessoal/BBC)

Segundo Iannini, o elemento surpresa vem com a fala ou a escrita. � preciso um destinat�rio. Ao relatar, ao ter com quem falar ou a quem endere�ar uma produ��o on�rica, a pessoa "se d� conta de alguma coisa".

"Para muitos, pode ter um efeito de al�vio de eventual sofrimento ps�quico, de se sentir �til ou menos isolado", explica. "Tem uma fun��o coletiva ent�o, de elaborar algo que, de outra maneira, n�o temos pacotes ou esquemas. Ou os que temos se mostram falhos, insuficientes."

Tamb�m pode haver benef�cios em termos coletivos. "Importante notar que n�o dispomos, nem como indiv�duos, nem como sociedades, de repert�rio simb�lico para lidar com a pandemia", explica Iannini.

"Tudo � muito novo. O psiquismo estranha a novidade: quer assimilar conte�dos e experi�ncias novas a formas simb�licas menos amea�adoras. Mas nesse momento atual, essas formas parecem estar faltando. De repente, nossos esquemas narrativos, nossos pacotes de afetos, nossas formas simb�licas parecem se dissolver. Quem, h� poucas semanas atr�s, poderia imaginar esse cen�rio?"

Mas, diz ele, "e a� est� o mais interessante", esse "muito novo" � ao mesmo tempo "muito conhecido, muito familiar, muito pr�ximo": o desamparo, o despreparo para a morte. Todos j� vivemos coisas assim, "uma esp�cie de medo que n�o � exatamente medo, de ang�stia que n�o � exatamente ang�stia".

"Freud chamava isso de um sentimento 'unheimlich', ou 'infamiliar', algo que deveria ficar oculto, mas que veio � tona, que parece muito pr�ximo e muito distante, muito estranho e muito familiar", explica Iannini.

"Para simplificar: uma sensa��o de n�o se sentir em casa, mesmo estando em casa. Quando as fronteiras entre o real e a fic��o s�o suspensas, prevalece o infamiliar. Parece que estamos vivendo algo desse tipo. N�o sabemos distinguir claramente o que � real e o que n�o �. As fake news e a instrumentaliza��o perversa das fic��es est�o a� para nos lembrar disso", conclui.


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