A economia brasileira encolheu em velocidade recorde no primeiro semestre deste ano.
� queda de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) registrada entre janeiro e mar�o, somou-se uma retra��o de 9,7% no per�odo de abril a junho, de acordo com os n�meros divulgados na ter�a (01/09) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
O tombo no segundo trimestre foi menor que o inicialmente previsto, no in�cio da pandemia, em grande medida devido ao aux�lio emergencial, que amorteceu a queda de demanda dom�stica.
Ainda assim, e mesmo diante de uma recupera��o que j� se desenha para o segundo semestre deste ano, esse solavanco tem consequ�ncias que se manifestam n�o apenas no curto prazo.
Exploramos, a seguir, cinco delas.
Os servi�os e a demanda dom�stica
Pelo lado da oferta, na abertura por setores, aquele que mais sentiu o efeito da crise causada pela pandemia no segundo trimestre foram os servi�os.
Entre abril e junho, eles recuaram 9,7% em rela��o ao trimestre imediatamente anterior e 11,2% sobre o mesmo per�odo de 2019, a maior queda da s�rie hist�rica do PIB, que come�a em 1996.
Como os servi�os s�o um grupo bastante heterog�neo, respondendo por quase 70% do PIB, � preciso olhar o dado no detalhe para entender o que aconteceu.
Entre os 7 subgrupos que comp�em os servi�os no PIB, o pior desempenho foi o de "outros servi�os", com recuo de 19,8% sobre o trimestre imediatamente anterior.
"A� entram servi�os prestados �s fam�lias restaurante, recrea��o, turismo, que dependem de intera��o social , educa��o e sa�de privada, servi�os dom�sticos...", exemplifica Silvia Matos, coordenadora t�cnica do Boletim Macro, do Ibre-FGV.
"Esse � um grupo que tem peso relevante tanto dentro do PIB quanto no emprego", acrescenta a economista.
Mercado de trabalho e renda
Sem um horizonte claro de quando a situa��o poderia se normalizar, parte dessas empresas tem demitido para tentar compensar a queda de receita e outras j� fecharam as portas.
Os efeitos de curto prazo aparecem nos indicadores de desemprego, que acabam tendo uma consequ�ncia menos vis�vel sobre a renda: quanto mais tempo a economia levar para voltar a gerar vagas e absorver esse contingente de trabalhadores, menores tendem a ser os reajustes nos sal�rios (j� que teoricamente as empresas t�m maior facilidade para contratar).

O desemprego e a restri��o de renda, por sua vez, jogam contra a retomada da demanda um ciclo que, at� que seja quebrado, diminui a velocidade de retomada da economia como um todo.
"Para que recupera��o seja mais r�pida, tem que haver perspectiva de demanda mais s�lida", pondera D�bora Freire, professora da UFMG e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Regional (Cedeplar).
O efeito aux�lio emergencial
O resultado dos servi�os s� n�o foi pior, acrescenta a economista, por causa do impacto positivo do aux�lio emergencial, que ajudou a segurar o poder de compra especialmente entre as classes mais pobres.
Cerca de 67 milh�es de pessoas receberam at� agora o aux�lio de R$ 600. De abril a agosto, o governo desembolsou R$ 179 bilh�es com o benef�cio.
Os desdobramentos dessa inje��o de recursos aparece mais nitidamente no subgrupo com�rcio, afirma Jos� Ronaldo de Castro Souza J�nior, diretor de Estudos e Pol�ticas Macroecon�micas do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea).
"O segmento de supermercados e farm�cias ajudou a segurar o com�rcio", diz ele.
Um estudo recente do Ipea com dados da Pnad Cont�nua apontou que, em julho, 4,4 milh�es de domic�lios sobreviveram apenas com a renda do aux�lio emergencial e que o montante desembolsado pelo governo mais do que compensou as perdas na massa salarial decorrentes da diminui��o da renda do trabalho.

O Brasil foi um dos pa�ses emergentes que mais gastou em propor��o do PIB para atenuar o choque causado pela pandemia, ressalta Matos, do Ibre-FGV.
Para ela, a pol�tica compensat�ria forte � a principal explica��o para o fato de que a retra��o da economia no Brasil foi muito menor do que em outros pa�ses da Am�rica Latina. O PIB do M�xico caiu o dobro, cerca de 17% no segundo trimestre; do Chile, 13%; do Peru, 27%.
"A pergunta que n�o quer calar � o que vai acontecer quando come�arem a retirar os est�mulos", diz a economista.
Ela compara o pa�s a um paciente em tratamento: no momento, ele est� estabilizado, mas o antibi�tico a capacidade de o governo continuar injetando recursos na economia est� acabando.
Uma vez que esses est�mulos sejam retirados, ser� poss�vel ter uma ideia melhor do que est� acontecendo no mercado de trabalho, ela acrescenta.
Investimentos e a capacidade de crescimento do pa�s
Se, do lado da demanda, o aux�lio emergencial ajudou a conter a queda do consumo das fam�lias, n�o houve amortecedor para a retra��o dos investimentos.
A Forma��o Bruta de Capital Fixo (a denomina��o dos investimentos no PIB) despencou 15,4% sobre o trimestre imediatamente anterior e 15,2% sobre o mesmo per�odo de 2019.
Uma das raz�es para o desempenho � o ambiente de grande incerteza, n�o apenas pol�tica.
"Essa foi uma crise muito diferente das outras, veio de repente, pegou o mundo inteiro em velocidade grande, afetou oferta e demanda", diz Souza J�nior, do Ipea.
"Ainda estamos tentando entender como as coisas v�o ficar. Nem temos solu��o para a pandemia ainda. � um mar de incerteza muito grande", acrescenta.
Investimentos s�o compras de m�quinas e equipamentos, constru��o civil. S�o recursos que, dependendo da forma como forem empregados, poder aumentar a capacidade de crescimento de um pa�s no longo prazo o PIB potencial, no jarg�o econ�mico.
A situa��o atual � preocupante porque os investimentos j� vinham de uma trajet�ria bastante desconfort�vel. Depois de ca�rem quase 30% entre 2014 e 2017, se recuperavam em uma velocidade muito aqu�m do esperado, at� voltarem a cair por causa da pandemia.
Apesar do cen�rio de juros baixos, que favorecem o investimento, faltam ao Brasil outros ingredientes cruciais para as empresas retirarem projetos da gaveta, como a previsibilidade e uma demanda s�lida por parte dos consumidores.
"A gente j� come�ou essa crise com muito desemprego e uma limita��o para gerar renda do trabalho", pondera Silvia Matos.
Redu��o da rentabilidade das empresas
Al�m da incerteza, a pr�pria situa��o financeira das empresas tamb�m joga contra os investimentos.
"A principal quest�o da recupera��o est� nas empresas", diz a professora da UFMG D�bora Freire.
Al�m das restri��es impostas pela crise, a economista destaca que parte do setor privado est� tendo dificuldade para acessar os programas de cr�dito lan�ados pelo governo.
"Eles n�o est�o funcionando como deveriam", completa.
Em outra frente, a conjuntura atual tem ajudado a espremer a rentabilidade das empresas, especialmente daquelas que, de alguma forma, s�o afetadas pelo d�lar.
A forte desvaloriza��o do real nos �ltimos meses encareceu os insumos importados mas, diante da demanda fraca, muitas empresas n�o est�o repassando esse aumento de custos para os pre�os para tentar manter as vendas.
Essa din�mica � vis�vel quando se observam os �ndices de infla��o, diz Souza J�nior, do Ipea. Aqueles que medem a varia��o de pre�os para os produtores t�m crescido bem mais do que os que captam a varia��o de pre�os para consumidores.
Pode-se observar essa din�mica no �ndice de Pre�os ao Produtor Amplo e no �ndice de Pre�os ao Consumidor, que comp�em o IGP-M:
A dificuldade de acesso a cr�dito e as margens de lucro apertadas t�m impacto direto na sa�de financeira das empresas, o que pode se refletir em um aumento das fal�ncias.
Como consequ�ncia, h� aumento do desemprego ou, no caso das empresas que conseguem sobreviver, desacelera��o de novas contrata��es.
No caso dos investimentos, o Brasil tamb�m tem uma limita��o pelo lado do setor p�blico. A capacidade do governo de gastar � limitada diante do aumento expressivo do endividamento p�blico nos �ltimos meses.
Em julho, a d�vida p�blica atingiu o equivalente a 86,5% do PIB, o maior n�vel da s�rie hist�rica do Banco Central, que come�a em 2006. A estimativa da equipe econ�mica � que, at� o fim do ano, ela atinja 100% do PIB.
Um caminho seria explorar investimento externo, especialmente em um momento atual, em que os juros est�o baixos em boa parte dos pa�ses e o mundo est� banhado em liquidez.
Nesse sentido, entretanto, o Brasil tem perdido oportunidades, diz Matos, do Ibre-FGV.
O excesso de alinhamento com os Estados Unidos, por exemplo, concentra energias que poderiam estar direcionadas tamb�m a outros mercados, como a China.
A quest�o ambiental, acrescenta a economista, tamb�m � uma restri��o. O Brasil teria um "espa�o enorme" em um mundo que discute green bond (t�tulos para capta��o de recursos para financiar projetos na �rea de sustentabilidade) ou o mercado de cr�ditos de carbono, mas d� prefer�ncia a uma agenda "com os �culos de 50 anos atr�s", que desconsidera o meio ambiente.
"O Brasil � um pa�s que em geral perde oportunidades, e est� perdendo a oportunidade de atrair investimentos neste momento."
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