Diante da amea�a de uma doen�a transmitida pelo ar, potencialmente mortal e ainda sem a oferta de vacina, como colocar as crian�as de volta nas escolas de modo seguro? O dilema, t�o atual, foi enfrentado tamb�m h� um s�culo, quando a tuberculose era um mal devastador.
No final do s�culo 19, a doen�a bacteriana matava um a cada sete cidad�os da Europa e dos EUA, segundo dados dos Centros de Controle de Doen�as (CDCs) americanos. A vacina chegou em 1921 (no Brasil, em 1927), mas levaria muitos anos at� que fosse adotada de modo massivo no mundo inteiro.
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Para proteger as crian�as nas escolas, uma solu��o foi usar espa�os abertos como salas de aula: com lousas e carteiras port�teis, alunos e professores ocupavam jardins e usavam a observa��o da natureza para aprender sobre ci�ncias, arte ou geografia, por exemplo.

As chamadas "escolas ao ar livre" surgiram na Alemanha e na B�lgica em 1904, e o movimento avan�ou nas d�cadas seguintes, a ponto de ser tema, em 1922, do 1� Congresso Internacional de Escolas ao Ar Livre, em Paris.
Inspirou a��es tamb�m nos EUA, quando, em 1907, duas m�dicas de Rhode Island sugeriram a abertura de escolas em �reas abertas, informa o The New York Times. Com o sucesso da iniciativa (j� que nenhuma crian�a adoeceu de tuberculose ali), foram criadas mais 65 escolas do tipo no pa�s nos dois anos seguintes, em v�os de pr�dios vazios, coberturas de edif�cios e at� balsas abandonadas.
Aqui no Brasil, h� poucos registros sobre o tema, mas o pesquisador Andr� Dalben encontrou hist�rias de experi�ncias de escolas do tipo a partir de 1916 em Campos de Goytacazes, Angra dos Reis (RJ) e Manaus (AM) e, posteriormente, a chamada Escola de D�beis, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930.
"A tuberculose era uma grande preocupa��o, junto com outras doen�as infantis, como anemia e desnutri��o. No geral, as escolas atendiam crian�as de fam�lias pobres, o que evidencia uma ideia higienista: se pensava no corpo delas como mais enfermo", explica Dalben � BBC News Brasil. A ideia, diz ele, era tirar essas crian�as de locais insalubres, como corti�os superlotados, e coloc�-las em contato com a natureza, com a inten��o de fortalecer seu sistema imune.
Uma das experi�ncias mais duradouras foi a da Escola de Aplica��o ao Ar Livre (EAAL), que funcionou no Parque da �gua Branca, zona oeste de S�o Paulo, entre 1939 e os anos 1950, quando a escola se mudou para um edif�cio pr�ximo, no bairro da Lapa.
A EAAL foi estudada por Dalben, hoje professor da Unifesp, em seu p�s-doutorado na PUC-SP, e s�o delas as fotos que ilustram esta reportagem.

A escola paulistana fugia ao perfil das demais: ensinou alunos vindos de influentes fam�lias de classe m�dia paulistana que moravam nas redondezas do Parque da �gua Branca, em �reas que hoje abrigam bairros como Pompeia e Perdizes.
Dalben explica que a escola, que chegou a ter 350 alunos simultaneamente, era considerada modelo pela administra��o estadual paulistana, tinha curr�culo diferenciado e at� fila de espera por vagas. "Mas n�o sei como era o dia a dia na escola. Fui procurado por alguns ex-alunos, hoje na casa dos 80 anos, que contaram que tiveram professoras bem r�gidas. Ent�o talvez na pr�tica ela n�o fosse t�o diferente assim das outras (escolas da cidade)."
Contato com a natureza e protagonismo dos alunos
Para al�m do controle da tuberculose, o modelo de escolas ao ar livre floresceu no per�odo entre as guerras mundiais, tempo de um boom de novos ideais de sociedade e educa��o, diz � BBC News Brasil Diana Vidal, professora titular de Hist�ria da Educa��o na Faculdade de Educa��o da USP.
"Havia uma discuss�o de educadores contra a experi�ncia da escola do passado, pensando-se em uma que fosse mais amig�vel, promovesse a defesa da democracia, para criar uma gera��o mais pac�fica e solid�ria."
Embora o ideal n�o tenha se concretizado logo depois viria a Segunda Guerra Mundial , Vidal explica que isso foi a semente para a defesa de um ensino mais pr�ximo � natureza, com protagonismo juvenil, que engajasse as crian�as em projetos pr�ticos, aliasse atividades f�sicas ao desenvolvimento intelectual e emocional e tivesse o professor como mediador, em vez de apenas fornecedor de conte�do. Ideias essas que permanecem vigentes (e nem sempre colocadas em pr�tica) na educa��o atual.

Andr� Dalben conta que as escolas ao ar livre do in�cio do s�culo 20 j� foram chamadas de um "cometa m�dico-pedag�gico", que acabaram quase desaparecendo nas d�cadas de 1950 e 60.
Primeiro, porque as doen�as infecciosas deixaram (pelo menos at� este ano) de serem t�o devastadoras, diz Dalben. Depois, explica Diana Vidal, porque prevaleceu o modelo de escola semelhante ao fabril, que implementa hor�rios fixos de entrada e sa�da e tenta acomodar o m�ximo de alunos poss�vel dentro de um espa�o f�sico, de modo a otimizar recursos e gastos.
Parques, pra�as e clubes
Diana Vidal voltou seus olhos �s escolas ao ar livre do passado quando viu imagens da volta �s aulas em Manaus, no in�cio de agosto, com crian�as pequenas mascaradas e sentadas em uma sala de aula com divis�rias de acr�lico entre elas.
"Talvez estejamos t�o apegados �s solu��es empresariais, pensadas para os adultos trabalhadores, que n�o possamos reconhecer a inadequa��o dessas medidas para os alunos dos anos iniciais da educa��o b�sica", escreveu Vidal em artigo no Jornal da USP.
Em contrapartida, opina ela, "ao se colocar as crian�as em mais contato com a natureza, se cria uma discuss�o sobre as pr�ticas de ensino. (...) Elas passam a explorar outros espa�os para a experi�ncia educativa com novos conte�dos e novos relacionamentos."

Al�m disso, os estudos at� agora indicam que a prolifera��o do novo coronav�rus � muito menor em espa�os abertos e de ventila��o natural.
"O v�rus acaba se diluindo ilimitadamente ao ar livre", disse em maio, � BBC, o professor de Epidemiologia Erin Bromage, da Universidade de Massachusetts em Dartmouth, nos EUA. "Ent�o, quando uma pessoa doente expira (ar), os germes se dissipam muito rapidamente."
Mas, na pr�tica, como transpor a escola para o espa�o externo, principalmente em cidades grandes, com poucas �reas livres dispon�veis?
Em agosto, a organiza��o de direitos infantis Alana lan�ou, a partir de diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Uni�o dos Dirigentes Municipais de Educa��o (Undime), um documento com sugest�es para uso de espa�os p�blicos na retomada das aulas presenciais.
O texto defende que, embora o momento da volta �s escolas deva ser definido pelas autoridades de sa�de, o modo como isso vai acontecer deve ser discutido tamb�m por autoridades que administram o equipamento p�blico da cidade, como parques e pra�as.

Entre as sugest�es est�o a cria��o de salas tempor�rias em parques, pra�as e clubes, voltadas principalmente �s crian�as menores, de forma a liberar mais espa�o escolar interno para escalonar a volta �s aulas das crian�as mais velhas e adolescentes.
Tamb�m sugere o uso de mesas de piquenique ou de podas de �rvores para se criar bancos de madeira, associados a materiais leves (como flipcharts e pranchetas) trazidos da escola.
Um entrave importante, diz o documento, � que apenas 40% das pr�-escolas do pa�s t�m parquinho e s� 25% t�m �rea verde. E, mesmo antes da pandemia, o contato de muitas crian�as com a natureza j� era raro ou insuficiente contato esse que poderia ajudar a promover uma inf�ncia mais rica, criativa e saud�vel.

Para Andr� Dalben, as escolas ao ar livre do passado s�o uma inspira��o para que repensemos a arquitetura das escolas atuais. "Quando comecei a pesquisar isso, era com foco na educa��o ambiental das crian�as, (como solu��o) para que essa educa��o n�o precisasse ser um �nico conte�do, mas sim passasse por todas as disciplinas. E agora tem tamb�m a pandemia", diz.
"Podemos pensar as escolas junto �s cidades como um todo, com mais uso de parques e espa�os p�blicos. N�o vamos seguir as mesmas linhas da escola ao ar livre do passado, mas vamos reinterpret�-las."
Da Calif�rnia � Caxemira
Simultaneamente, de regi�es ricas e desenvolvidas a �reas mais pobres e conflagradas, o uso de espa�os abertos vem sido discutido em diferentes partes do mundo.
Nos EUA, a organiza��o Green Schoolyards (em tradu��o livre, �reas escolares verdes) criou a Iniciativa Nacional de Aprendizagem ao Ar Livre, compilando estrat�gias que est�o sendo adotadas por escolas americanas.
Uma delas, na Calif�rnia, instalou no p�tio lousas port�teis, filtros de �gua pot�vel e blocos retangulares de feno, que servem tanto de banco para sentar como de blocos gigantes para brincar ou dividir espa�os.
https://www.facebook.com/Golestankids/photos/a.1328679753922869/1808227792634727
A Dinamarca tamb�m criou um portal com propostas para "educa��o fora da sala de aula" em meio � pandemia. Uma das estrat�gias � manter as crian�as em pequenos grupos o dia inteiro, cada um evitando o contato com o outro, e usando mais os espa�os externos existentes em cada escola.
Na conflituosa e vulner�vel regi�o da Caxemira, localizada na divisa entre �ndia, China e Paquist�o, outra iniciativa tem chamado a aten��o. As crian�as estudam ao ar livre, mesmo sob condi��es clim�ticas imprevis�veis uma vez que a "nova sala de aula" fica aos p�s da cordilheira do Himalaia.
Alunos e professores usam m�scaras de prote��o e podem instalar tendas para se cobrir, mas fazem aulas at� mesmo sob a chuva.
Diana Vidal, da USP, diz ainda ver poucas discuss�es sobre o assunto no Brasil, mas enxerga as experi�ncias passadas como um bal�o de ensaio, para incentivar um debate p�blico.

"� medida que os modelos escolares foram consolidados, eles foram tamb�m se naturalizando e nos esquecemos das outras possibilidades", diz Vidal.
Inclusive a possibilidade de dispensar, quando poss�vel, a sala de aula f�sica.
"O exterior n�o precisa ser apenas para as famosas excurs�es escolares. Vamos ser compelidos a usar o ar livre, que � muito melhor que o fechado. � um convite em pensarmos como usar melhor os espa�os que a gente tem."
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