Dezenas de pa�ses viram o d�lar ficar mais caro desde o in�cio da crise provocada pela pandemia de covid-19.
� dif�cil, entretanto, encontrar algum com uma desvaloriza��o da moeda t�o intensa quanto o Brasil.
O real perdeu 28% do seu valor perante o d�lar desde 31 de dezembro de 2019, deixando para tr�s o limite "psicol�gico" de R$ 4 por d�lar. Hoje, o comercial � negociado a cerca de R$ 5,50. O turismo, a R$ 5,80.
� o pior desempenho entre as 30 moedas mais negociadas do mundo mais o peso argentino, conforme levantamento feito pelos professores da Funda��o Getulio Vargas (FGV) Henrique Castro e Claudia Yoshinaga a pedido da BBC News Brasil.
"Decidimos incluir o peso porque as pessoas vinham perguntando: 'E o peso? A Argentina n�o est� pior (em rela��o � deprecia��o cambial)? N�o, n�o est�", diz a coordenadora do Centro de Estudos em Finan�as da FGV-EAESP.

Por que o d�lar subiu?
O real costuma ser muito afetado pelo que acontece no exterior, ela explica, porque o pa�s depende muito do investimento estrangeiro para captar d�lares.
Quando o mundo est� mais avesso a risco, esses investidores costumam tirar o dinheiro de mercados emergentes, como o Brasil, e lev�-los a mercados considerados mais seguros, ainda que o retorno seja menor. Com menos d�lares circulando, o pre�o sobe.
E, de fato, o Brasil tem assistido a uma sa�da de investidores estrangeiros e dom�sticos de seu mercado de capitais.
Conforme as estat�sticas do setor externo divulgadas pelo Banco Central, o saldo l�quido entre janeiro e agosto � negativo em US$ 28,3 bilh�es, quando se considera o chamado investimento em portf�lio (aquele feito em a��es ou t�tulos de d�vida, modalidade diferente do chamado "investimento direto no pa�s", que contabiliza o fluxo de capitais no setor produtivo, como a participa��o direta em empresas, por exemplo).
A estimativa do Institute of International Finance (IIF), que tem proje��es para o investimento em portf�lio divididas entre residentes e n�o-residentes, � que os estrangeiros, sozinhos, retirem US$ 24 bilh�es do Brasil entre janeiro e dezembro de 2020.
Para Martin Castellano, chefe do departamento de pesquisas do IIF para a Am�rica Latina, um dos fatores que explicam a fuga de investidores e, por consequ�ncia, a desvaloriza��o do real � o risco fiscal.

Assim como a grande maioria dos pa�ses, o Brasil abriu as torneiras do gasto p�blico para tentar amenizar o impacto da crise na economia.
"O que tem gerado incerteza � a capacidade do pa�s retornar � austeridade fiscal quando a pandemia acabar", ele pondera, referindo-se �s discuss�es sobre a poss�vel flexibiliza��o do teto de gastos.
A falta de uma vis�o unit�ria no governo sobre esse assunto tamb�m prejudica a imagem do pa�s, ele diz.
De um lado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe defendem que se respeite o limite para o aumento de gastos imposto pelo teto; de outro, uma ala do governo advoga pelo aumento do investimento p�blico, ainda que � custa do teto. O presidente, por sua vez, ora oscila para um lado, ora para outro.
No meio dessa ciranda, diante da d�vida p�blica crescente e das incertezas em rela��o a quando ela deve estabilizar ou mesmo recuar, o Brasil acaba sendo visto como um mercado mais arriscado.
"Tamb�m existe uma preocupa��o grande com nossa agenda de reformas", acrescenta Claudia Yoshinaga, da FGV.
As reformas tribut�ria e administrativa, prometidas pelo governo ainda na campanha, mas ainda longe de se tornarem realidade, poderiam contribuir para a recupera��o da economia no m�dio e longo prazo.
Na falta de um motor robusto para o crescimento, o caminho que o Brasil vai percorrer para sair da crise ainda n�o est� totalmente claro e uma expectativa mais modesta de desempenho da economia tamb�m reduz a perspectiva de retorno de potenciais investidores.
A professora ressalta que o fato de que o Brasil n�o tem conseguido segurar o investimento estrangeiro em um momento em que o pa�s est� muito barato j� que um d�lar compra muito mais reais do que um ano atr�s deveria ser um "sinal de alerta".

O impacto dos juros
Ao defender o c�mbio desvalorizado em fevereiro quando falou que as empregadas dom�sticas viajavam para a Disney quando o d�lar estava a R$ 1,80 , o ministro Paulo Guedes atribuiu o comportamento do c�mbio � redu��o dos juros no pa�s.
A taxa Selic, que chegou a 14,25% em 2016, est� hoje em 2%.
Os juros mais baixos diminuem a rentabilidade dos t�tulos p�blicos e de ativos de renda fixa de maneira geral, j� que muitos deles usam a taxa b�sica como par�metro. Isso contribui para que parte do capital estrangeiro deixe o pa�s em busca de um retorno maior para os investimentos.
Assim, o patamar dos juros ajuda a explicar porque o d�lar est� t�o caro. Para Castellano, entretanto, ele n�o � o fator principal, mas sim o componente fiscal.
Assim como o Brasil, pondera o economista, diversos pa�ses reduziram as taxas de juros nos �ltimos meses. No Chile e no Peru, elas est�o tamb�m em m�nimas hist�ricas, pr�ximas de zero em termos nominais. Mesmo assim, em nenhum deles a moeda sofreu desvaloriza��o t�o forte quanto o real.
Quem ganha e quem perde
O real desvalorizado tem impacto n�o apenas no bolso de quem quer ou precisa comprar d�lares ou de quem adquire produtos importados.
A ind�stria nacional consome uma s�rie de insumos importados, como � o caso do segmento eletr�nico. E h� uma s�rie de itens cuja forma��o de pre�os acaba sendo influenciada pelas cota��es internacionais, como � o caso dos combust�veis e das commodities em geral.
O "dilema do arroz", diz Yoshinaga, � ilustrativa nesse sentido. A desvaloriza��o al�m da maior demanda internacional, que tende a elevar os pre�os tende a aumentar a receita em reais de quem vende para fora.
Assim, o produtor �s vezes prefere exportar do que vender no mercado interno. A menor disponibilidade no mercado interno, por sua vez, empurra o pre�o para cima no mercado dom�stico.
A mesma l�gica vale para o milho, para a soja, para o a��car Essa din�mica ajuda a explicar porque os alimentos subiram tanto de pre�o nos �ltimos meses.
Parte do impacto, contudo, est� sendo absorvido pelas pr�prias empresas, destaca Mauro Rodrigues, professor do Departamento de Economia da USP e economista do portal porque.com.br.
Diante do avan�o do desemprego e da queda na renda que reprimiram a demanda, os vendedores n�o conseguem repassar o aumento de custos para os consumidores. Muitos preferem reduzir a margem de lucro a perder neg�cio.
A trajet�ria dos �ndices de infla��o que captam a varia��o de pre�os aos produtores e aos consumidores, como o IGP-M, � um retrato dessa situa��o. Enquanto o �ndice de Pre�os ao Produtor Amplo (IPA) variou 25,26% nos 12 meses at� setembro, o �ndice de Pre�os ao Consumidor ao Consumidor (IPC) subiu 3,04%:
Por conta desse efeito, o IGP-M, que � uma composi��o dos dois �ndices e mais um terceiro (ligado � constru��o civil), acumula alta de 17,9%.
A distor��o tem um efeito colateral pr�tico: o IGP-M hoje quase 15 pontos percentuais acima dos �ndices que costumam ser usados como par�metro para os reajustes salariais, IPCA e INPC � indexador de boa parte dos contratos de aluguel.
Nesse caso, diz o economista, a sa�da para o inquilino para tentar evitar o preju�zo � renegociar.
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