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Estado de Minas

A fuga de uma v�tima de viol�ncia dom�stica em cinco objetos

Uma mulher cujo comportamento do parceiro piorou assustadoramente durante a pandemia conta � BBC como escapou.


25/11/2020 07:59

Para Victoria, crochê foi uma 'salvação'(foto: BBC)
Para Victoria, croch� foi uma 'salva��o' (foto: BBC)

Algumas pessoas podem ficar felizes com a perspectiva de serem temporariamente afastadas do trabalho, mas, para Victoria*, essa era uma perspectiva assustadora.

"Lembro daquele pavor em meu est�mago dirigindo do trabalho para casa no �ltimo dia. Pensando: 'Quanto tempo at� eu poder escapar?'"

Victoria j� sofria h� anos com o abuso de seu parceiro antes de a pandemia do coronav�rus virar o mundo de ponta cabe�a. Mas quando o Reino Unido entrou em lockdown em mar�o, a vida dela se tornou ainda mais dif�cil.

Essa � uma situa��o que v�timas de abuso dom�stico sofreram em todo o mundo, o que as Na��es Unidas t�m chamado de "pandemia das sombras" um dos focos do projeto BBC 100 Women este ano.

Para cada tr�s meses em que o lockdown se prolonga, � estimado que mais 15 milh�es de mulheres em todo o mundo sejam afetadas por viol�ncia vinda de seus parceiros.

'Embora ele estivesse sentado l� o tempo todo, eu podia bloque�-lo um pouco'

Desde que ela consegue se lembrar, o parceiro de Victoria tentou controlar cada um dos passos dela.

Ele telefonava 10, 20, 30 vezes por dia. Um dia, quando o telefone dela estava em modo silencioso no andar de cima de casa, ele mandou uma amiga de sua m�e para ver como ela estava.

Antes da pandemia, ela quase conseguiu ir embora - trabalhando em turnos noturnos cansativos para economizar o dinheiro do dep�sito para alugar seu pr�prio apartamento. Mas seus planos foram frustrados quando um de seus filhos foi hospitalizado.

A essa altura, o parceiro de Victoria havia cortado o contato dela com amigos e familiares.

E agora o casal estava preso em casa, juntos 24 horas por dia, sete dias por semana. Eles n�o podiam sair nem para fazer compras ou exerc�cios, porque o problema de sa�de da crian�a obrigava a fam�lia a se proteger.

Eles tinham um jardim, mas o parceiro de Victoria se recusava a deix�-los usar o espa�o. Ele dizia que era poss�vel pegar coronav�rus mesmo em ambiente aberto, longe de outras pessoas.

Victoria ent�o tentou atravessar os longos dias fazendo um curso online. Mesmo assim, ele se sentava ao lado enquanto ela estudava, e checava seu hist�rico de navega��o na internet depois.

A tens�o se tornou t�o insuport�vel que Victoria pensou em suic�dio. Ela ficava acordada � noite, pensando em como poderia levar antes as crian�as para um lugar seguro.

"Eu pensava 'Eu vou ter que me matar, porque n�o posso viver o resto da minha vida desse jeito e n�o consigo ver nenhuma sa�da'."

Mas ela descobriu que aprender a fazer croch� ajudava a relax�-la, dando a ela outra coisa em que se concentrar.

Muitas pessoas come�aram a praticar um hobby na pandemia devido ao t�dio. Mas, para Victoria, isso se tornou uma t�bua de salva��o.

Ela come�ou a passar os dias fazendo coisas para o mundo al�m de suas quatro paredes - roupas para o beb� de uma amiga, uma bolsa para sua filha usar quando elas pudessem voltar a sair.

"Embora ele estivesse sentado l� o tempo todo, ou me seguindo, eu podia me perder nisso e bloque�-lo um pouco. Foi uma das poucas coisas que me fizeram seguir em frente."

Parceiro de Victoria telefonava 10, 20, 30 vezes por dia(foto: BBC)
Parceiro de Victoria telefonava 10, 20, 30 vezes por dia (foto: BBC)

'Ela estava farta da maneira como ele controlava a todos e como fic�vamos com medo o tempo todo'

Mas, quando a dispensa tempor�ria do trabalho de seu parceiro foi estendida para julho, e depois para setembro, a situa��o dom�stica come�ou a sair do controle.

J� um beberr�o, ele come�ou a gastar 500 libras (cerca de R$ 3,6 mil) por m�s em �lcool. E beber trazia junto uma amea�a constante de viol�ncia.

Ele deixou um taco de baseball ao lado da porta da rua e um bast�o no andar de cima, al�m de facas por toda a casa. Victoria sabia que ele poderia us�-las - ele j� havia dito que cortaria a garganta dela se ela a qualquer momento tentasse ir embora.

Cerca de dois ter�os das mulheres da Inglaterra que convivem com a viol�ncia dom�stica disseram a uma pesquisa da Women's Aid, publicada em agosto, que suas dificuldades se tornaram piores durante o primeiro lockdown do Reino Unido no come�o deste ano.

Foi uma das filhas de Victoria que finalmente desencadeou sua fuga.

A filha escreveu para um servi�o de ajuda psicol�gica confidencial. E conseguiu ent�o fugir da casa para ficar com um parente.

"Ela estava farta da maneira como ele controlava a todos, e como fic�vamos com medo o tempo todo", diz Victoria.

'Minha filha deu um par de cal�ados dela para eu usar'

Em fuga de madrugada, filha emprestou par de chinelos à mãe(foto: BBC)
Em fuga de madrugada, filha emprestou par de chinelos � m�e (foto: BBC)

N�o est� claro o que a filha de Victoria disse ao servi�o de sa�de mental, mas a pol�cia visitou a casa da fam�lia para verificar seu bem estar.

O parceiro dela respondeu entrando em uma bebedeira, enquanto ela e as crian�as se escondiam no andar de cima da casa.

Ent�o, nas primeiras horas da madrugada, ele entrou no quarto de Victoria e tentou tirar o telefone dela, exigindo saber o que a filha estava falando sobre ele.

Quando Victoria se recusou a entregar o aparelho, ele deu um soco no rosto dela.

Ela gritou para sua outra filha, que ligou para a pol�cia, e elas rapidamente acordaram as crian�as mais novas e levaram-nas para fora da casa.

Era uma e meia da manh�. Victoria n�o teve tempo de pegar nenhuma roupa - ela saiu de shorts e regata, e cal�ando um par de sapatos nos quais n�o conseguia andar direito. A filha dela lhe emprestou um par de chinelos e elas adentraram a madrugada.

'O penhoar da minha m�e foi a �nica coisa que me assegurei de levar comigo'

Victoria e seus filhos encontraram ref�gio com um parente, enquanto a pol�cia prendia seu parceiro. Na manh� seguinte, ela voltou � casa da fam�lia, enquanto ele era mantido sob cust�dia.

Ela rapidamente juntou alguns pertences - brinquedos para as crian�as; sua agulha de tric�. Ela tamb�m pegou seu penhoar, um presente da sua m�e.

Um presente especial para Victoria, penhoar foi pego às pressas(foto: BBC)
Um presente especial para Victoria, penhoar foi pego �s pressas (foto: BBC)

O parceiro de Victoria n�o havia permitido a ela ver sua m�e por dois anos, antes dela morrer de c�ncer. No primeiro anivers�rio de sua morte, ele come�ou a dizer que estava sofrendo do mesmo tipo de c�ncer.

"As aten��es n�o estavam voltadas para ele, e ele sabia que dizer isso me aborreceria", diz ela.

Victoria � grata por ter se lembrado de levar consigo essa lembran�a de sua m�e, j� que ela nunca mais retornou � casa. Ela entrou em contato com a Women's Aid, e em poucos dias ela e seus filhos se mudaram para um abrigo.

As primeiras semanas foram dif�ceis. As crian�as reagiam mal a barulhos altos e portas batendo, e Victoria tinha dificuldade para dormir, imaginando que seu parceiro estava atr�s da porta.

Mas, eventualmente, eles come�aram a se sentir de fato seguros.

"N�o ter as liga��es e mensagens de texto constantes, ou a amea�a de algu�m chutar a porta e arrancar suas cobertas no meio da noite, te faz relaxar - como se voc� pudesse respirar", ela diz.

'Depois da tempestade, vem o arco-�ris'

Victoria recebeu mensagem de uma pessoa querida lembrando: 'Após a tempestade, vem o arco-íris'(foto: BBC)
Victoria recebeu mensagem de uma pessoa querida lembrando: 'Ap�s a tempestade, vem o arco-�ris' (foto: BBC)

Embora o abrigo ofere�a um ref�gio do mundo exterior, ele n�o est� imune � pandemia.

Victoria diz que est� muito aliviada de ter recebido um lugar ali. Mas os repetidos lockdowns resultam em que muitas fam�lias n�o conseguiram deix�-lo, reduzindo o espa�o para outras, mesmo com um aumento de 150% na demanda.

Mensagens para a Linha de Ajuda Nacional de Abuso Dom�stico do Reino Unido aumentaram 120% em uma noite em particular no in�cio do isolamento social, e ao longo dos �ltimos meses, a demanda continuou a aumentar de forma constante, diz a institui��o de caridade Refuge, que opera a linha de ajuda.

Quando algu�m no abrigo de Victoria testou positivo para covid-19, as mulheres foram mergulhadas novamente no isolamento, o que para muitas trouxe de volta mem�rias traum�ticas de estarem presas com seu agressor.

"Foi muito dif�cil come�ar o isolamento, porque isso me levou de volta para 'l�', para onde n�o me era permitido fazer isso ou aquilo", diz Victoria.

"Mas depois de alguns dias, n�o era mais t�o ruim. Eu pensei: 'Estou cercada de pessoas que se importam comigo, posso ir ao jardim. Voc� sabe que estar� livre em algumas semanas'."

Embora o abrigo tenha dado a Victoria um porto-seguro, ela n�o pode ter muito contato com o mundo exterior.

Para sua pr�pria seguran�a, o abrigo disse a ela que mudasse seu n�mero de telefone e mantivesse seu novo endere�o em segredo, embora ela pudesse avisar amigos e familiares que estava segura.

Ent�o foi uma surpresa inesperada quando, atrav�s de um terceiro, ela recebeu um cart�o de uma velha amiga.

A mensagem na capa: "Ap�s a tempestade, vem o arco-�ris".

Victoria est� ansiosa para come�ar uma nova vida com sua fam�lia, de volta � sociedade, e livre do medo. O abrigo permitiu a eles se sentirem normais novamente.

"Eu n�o sabia o que seria de n�s, mas tudo o que precis�vamos estava l�. Foi confort�vel, agrad�vel. Parece um lar agora."

Muitas pessoas temem que a pandemia signifique que o Natal ser� diferente esse ano. Mas, para Victoria, essa � a melhor parte.

Ela ensinou algumas das outras mulheres a fazer croch�, e elas est�o fazendo decora��es de Natal para enviar a suas fam�lias.

Pode ainda ser novembro, mas ela j� comprou todos os seus presentes, e seus filhos j� t�m �rvores de Natal em seus quartos.

"O Natal vai ser maravilhoso - poderemos comer o que quisermos, e fazer o que quisermos. Estou muito animada para isso", diz ela.

*Os nomes foram alterados

Viol�ncia dom�stica: Contatos �teis

No Brasil, o Disque 180 recebe den�ncias de viol�ncia contra a mulher. A den�ncia � an�nima e gratuita, dispon�vel 24 horas, em todo o pa�s.

V�timas de abuso dom�stico tamb�m pode ligar para o Disque 100, que recebe den�ncias de viola��o de direitos humanos, ou diretamente para a Pol�cia Militar, atrav�s do 190.

A Casa da Mulher Brasileira presta apoio �s v�timas de viol�ncia dom�stica.

No Reino Unido, uma s�rie de contatos �teis pode ser acessada aqui.

Nos Estados Unidos, a linha direta de viol�ncia dom�stica � 1-800-799-SAFE (7233).

O projeto BBC 100 Women nomeia 100 mulheres influentes e inspiradoras a cada ano e compartilha suas hist�rias. Encontre-nos no Facebook, Instagram e Twitter e use a hashtag #BBC100Women


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