
Em janeiro de 2020, pesquisadores chineses revelaram ao mundo o primeiro genoma de um v�rus que come�ava a infectar humanos e estava at� ent�o restrito ao pa�s asi�tico, o SARS-CoV-2.
Quase um ano depois, ap�s adoecer mais de 78 milh�es de pessoas em todo o planeta, milh�es de genomas deste coronav�rus j� foram compartilhados por cientistas na plataforma colaborativa online Gisaid. E, como j� era esperado, esses novos "documentos de identidade" gen�tica mostram que o coronav�rus n�o � exatamente o mesmo apresentado pela primeira vez em janeiro de 2020 ele passou por muta��es, altera��es frequentemente acidentais no material gen�tico do v�rus.
Genomas com muta��es semelhantes formam "variantes", "cepas" ou "linhagens" do v�rus que, apesar de abrigar essas diferen�as internas, continua sendo o SARS-CoV-2, segundo explicaram pesquisadores entrevistados pela BBC News Brasil.
Uma destas linhagens, identificada como B.1.1.7, fez 40 pa�ses fecharem, nesta semana, suas fronteiras com o Reino Unido. Pesquisadores e governantes brit�nicos alertaram que a variante se tornou predominante em boa parte do territ�rio, incluindo Londres, sofrendo mais de dez muta��es que podem ter facilitado sua transmiss�o. Essa cepa tamb�m j� foi encontrada na Austr�lia, Dinamarca, It�lia, Isl�ndia e Holanda, entre outros.
J� no Brasil, uma nova linhagem, caracterizada por at� cinco muta��es, foi identificada pela primeira vez em amostras do Estado do Rio de Janeiro e apresentada por pesquisadores na ter�a-feira (22/12). Segundo a equipe, a cepa derivou de outra variante que circulava no pa�s, a B.1.1.28, originada na Europa.
Os dois casos dispararam o alarme de que tais muta��es possam dar mais poderes ao SARS-CoV-2 por exemplo, favorecendo sua capacidade de transmiss�o ou a gravidade da infec��o. Entretanto, segundo pesquisadores, at� aqui n�o h� evid�ncias suficientes de que este cen�rio preocupante esteja acontecendo e nem que novas linhagens coloquem em risco a efetividade das vacinas contra a covid-19.
"N�o precisa entrar em p�nico. Em plena pandemia, com muita gente e v�rus circulando, � natural que ele v� mutando. Ele est� tentando escapar do sistema imunol�gico do hospedeiro, � normal", resume Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, � frente da pesquisa com genomas do Rio e coordenadora do Laborat�rio de Bioinform�tica do Laborat�rio Nacional de Computa��o Cient�fica (LNCC).
"O que estamos fazendo � uma vigil�ncia gen�mica para ver como o v�rus est� evoluindo no Brasil. Isto � importante para acompanhar se ter� alguma muta��o que possa conferir a ele alguma caracter�stica de infecciosidade maior, de transmissibilidade", afirma Vasconcelos, acrescentando que na linhagem identificada no Rio de Janeiro, n�o h� ind�cios que o v�rus tenha tido esta periculosidade aumentada.
"J� na Inglaterra, ainda s�o necess�rios mais dados para comprovar que aquela linhagem (a B.1.1.7) � mais infecciosa, por exemplo associando as muta��es a informa��es de pacientes que ficaram mais graves ou doentes por mais tempo."

A pesquisadora, doutora em ci�ncias biol�gicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reconhece por�m que, "se o v�rus ficar mais perigoso, ser� atrav�s de muta��es".
"Por isso, � importante monitor�-las", diz Vasconcelos.
"Tem altera��es em algumas partes do genoma que n�o acontece nada. Mas se ocorre em um local chave que afeta a liga��o (do pat�geno) com o sistema imune, a� � preocupante."
14 muta��es em variante do Reino Unido
Apesar de institui��es como a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) apontarem que ainda � cedo para tirar conclus�es sobre a variante que ganhou destaque no Reino Unido, estudos preliminares apontaram para um n�mero incomum de muta��es, 14, algumas delas possivelmente afetando o gene que codifica a prote�na spike esp�cie de chave que o coronav�rus usa para acessar as c�lulas humanas.
Entretanto, apenas as muta��es n�o s�o suficientes para indicar maior amea�a do v�rus, lembra Paola Cristina Resende, pesquisadora do Laborat�rio de V�rus Respirat�rios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
"Mesmo que os v�rus apresentem muta��es e/ou sejam de diferentes linhagens, isso n�o significa que fenotipicamente sejam diferentes. Ou seja, n�o significa que eles apresentem caracter�sticas diferentes", explica a pesquisadora, doutora em biologia molecular e celular.
"A caracteriza��o de linhagem � muito refinada, foi adotada no in�cio da pandemia para caracterizar v�rus com certos grupos de muta��es que est�o circulando ao redor do mundo. Isso � mais para uma caracteriza��o epidemiol�gica, para entender a dispers�o do v�rus."
"An�lises complementares devem acompanhar as an�lises gen�micas para ratificar hip�teses em testes como: maior dispers�o viral; maior gravidade da doen�a; resist�ncia antiviral, entre outros", completa.
E as vacinas?
Se o coronav�rus passa por altera��es significativas no genoma, � de se imaginar que as vacinas estudadas ou atualmente j� aplicadas pelo mundo talvez n�o funcionem nestas novas configura��es.
Por enquanto, por�m, pesquisadores afastam esse cen�rio alarmante porque as principais vacinas treinam o sistema imunol�gico para atacar diferentes partes do v�rus atingindo um alvo maior do que partes pontuais que possam ter passado por muta��es.
Al�m disso, lembra Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, o conhecimento sobre outros coronav�rus mostra que eles mutam muito menos do que os v�rus da gripe para a qual � preciso fazer f�rmulas diferentes de vacina a cada ano, tamanha altera��o.
Entretanto, falando � BBC News na Inglaterra, o professor Ravi Gupta, da Universidade de Cambridge, demonstrou preocupa��o com as muta��es que o coronav�rus j� apresentou como na linhagem B.1.1.7.
"Se o caminho para acr�scimo de mais muta��es � aberto, come�a a ficar preocupante", afirmou Gupta.
"Este v�rus est� potencialmente em um caminho de fuga da vacina. Ele deu os primeiros passos nesse sentido."

Como acontecem as muta��es
Pode n�o parecer, mas as muta��es que �s vezes podem favorecer um organismo invasor n�o acontecem "propositalmente" e sim por acaso.
Na maior parte das vezes, erros no processo de c�pia do material gen�tico levam a altera��es, mas em menor escala, a radia��o e elementos qu�micos (como o alcatr�o na fuma�a do cigarro) tamb�m podem faz�-lo.
Como em todo processo evolutivo, vantagens biol�gicas se destacam no processo de sele��o natural e s�o reproduzidas. � o que pode acontecer com alguma caracter�stica ben�fica advinda de alguma muta��o.
Mas nem sempre estas altera��es levam a vantagens, explica o virologista R�mulo Neris.
"Quando infecta uma c�lula, o v�rus tem que se multiplicar. E para fazer isso, a c�lula l� o genoma do v�rus, que � onde est�o as instru��es de como fazer mais v�rus. A muta��o acontece no momento em que o genoma � copiado", explica o pesquisador, doutorando na UFRJ.
"Na maioria das vezes, a muta��o simplesmente n�o faz nada, n�o causa nenhuma altera��o significativa no v�rus. Em outras, ela pode ser ruim para o v�rus quando isso acontece, a muta��o n�o � passada adiante, porque o v�rus simplesmente n�o consegue se proliferar."
"Em �ltimo caso, part�culas oriundas das muta��es podem adquirir alguma fun��o nova ou modificar alguma fun��o que j� existia. Algumas dessas muta��es podem por exemplo dar mais afinidade de elementos do v�rus a prote�nas celulares o que potencialmente aumenta as chances de transmiss�o. Outros tipos de muta��o podem dar o v�rus a capacidade de evadir da resposta imune."
"O ac�mulo dessas muta��es pode at�, em �ltima inst�ncia, caracterizar um novo organismo como � o caso do novo coronav�rus. Em algum momento, um outro v�rus precursor, que at� agora parece ser um v�rus de morcegos, sofreu adapta��es suficientes no genoma para que passasse a infectar com sucesso humanos."
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
