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Estado de Minas PANDEMIA SEM FOLIA

'� preciso acreditar que 2022 vai chegar': as dificuldades de s�mbolos do Carnaval do Rio com cancelamento da festa

O cancelamento do Carnaval foi triste para os foli�es %u2014 mas para quem vive da festa, o luto alcan�a outras dimens�es


14/02/2021 08:41 - atualizado 14/02/2021 10:26

Correr ao ateli� para os �ltimos retoques na fantasia. Conferir a limpeza da bandeira, que tem que chegar imaculada � Marqu�s de Sapuca�. Ensaiar mais uma vez o bailado, e outra, e uma mais. Dar conta das entrevistas solicitadas por jornalistas do Brasil e do mundo. Fevereiro � assim j� h� 30 anos para Selminha Sorriso, a multivitoriosa primeira porta-bandeira da premiada escola de samba Beija-Flor de Nil�polis. S� que, em 2021, a necessidade de se resguardar do coronav�rus fez a passista usar uma m�scara nada carnavalesca, sem brilhos nem lantejoulas.

Sorridente, Selma de Mattos Rocha n�o ganhou a alcunha de Selminha Sorriso � toa. � chamada assim desde crian�a, quando desfilava na ala mirim da pequena Unidos de Lucas. Agora, para al�m de voltar a rodopiar na avenida, ela sonha com a reconquista da liberdade. "Quando puder, vou ser a primeira a tirar a m�scara e mostrar meu sorriso. Mas agora tenho um vazio muito grande no meu peito", lastima.

At� poder se livrar da prote��o facial, conforma-se com a vida sem lantejoulas, penas e plumas: participa de lives (j� foram mais de 100 desde 2020, sempre com foco no of�cio), planeja o 4º Encontro Nacional de Mestre-Salas e Porta-Bandeiras, que ser� dia 27, na casa de shows Imperator, e mant�m sua rotina suada de exerc�cios f�sicos. E tenta se equilibrar financeiramente a despeito das perdas de receita com o cancelamento do Carnaval — determinado diante do descontrole da pandemia no Rio.

S�o mais de 17,9 mil mortos na capital (praticamente o mesmo n�mero verificado no munic�pio de S�o Paulo, que tem o dobro de habitantes) e em torno de 3,6% da popula��o vacinada contra o coronav�rus.

Para o foli�o mais devotado, come�ar o ano sem pular nas ruas e na Sapuca� � motivo de lamentos. As redes sociais est�o cheias — quanto mais �rida a vida, dizem, maior � a sede pela divers�o. � maior ainda depois de um ano como 2020. Mas para quem vive do carnaval, o luto ainda est� em elabora��o e alcan�a outras dimens�es.

"Estou oscilando. Minha ficha caiu quando marcaram uma grava��o para o dia 4 de fevereiro, que, se tudo estivesse normal, seria o �ltimo ensaio na quadra da Beija-Flor antes do carnaval. A� pensei: � real, n�o vai ter", relembra Selminha.

"Se agora fosse carnaval, eu estaria naquele desespero para cumprir a agenda. Nesse per�odo, sou celebridade. Mestre-sala e porta-bandeira s�o a cara da escola, como o mestre de bateria, a rainha. S�o dias em que eu saio com v�rias bolsas no carro, com 2, 3 vestidos para trocar, sempre olhando se a bandeira est� limpa, e tamb�m sempre aprimorando a coreografia", diz Selminha, que mora na Vila Valqueire, sub�rbio da zona oeste, com o filho, de 20 anos.

A aguardada comemora��o de seus 50 anos de idade, dos 25 de Beija-Flor, dos 30 com o parceiro de dan�a Claudinho, todas as marcas de 2020, que encheriam de admiradores a quadra de Nil�polis, na Baixada Fluminense, foram abortadas pela urg�ncia do distanciamento social (o anivers�rio n�o foi cancelado, acabou sendo uma festa on-line). Otimista, Selminha, porta-bandeira desde 1989, cultivou por meses a v� esperan�a de que 2021 seria diferente.

"No meio de 2020, eu achava que agora ia ter carnaval, que ia dar tempo, que tudo iria andar, que o Brasil ia conseguir vacinar", rememora a 1º sargento do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio, alocada no Pal�cio Guanabara, sede do governo fluminense. "Eu fiquei chocada quando isso mudou. Mas entendi que era o melhor. � a consci�ncia do sambista. De quem ama essa manifesta��o, que � nossa prova de resist�ncia, mas compreende que o momento � de cuidar das vidas. Cuidar dos nossos e mesmo de quem n�o conhecemos. � preciso acreditar que 2022 vai chegar. S� que depende muito da gente".

Elemento fundamental numa escola de samba, e um dos nove quesitos avaliados na competi��o anual do Samb�dromo, o casal de mestre-sala e porta-bandeira tem como miss�o apresentar o estandarte ao p�blico e aos julgadores, vindo logo no in�cio. Vestidos como nobres, eles guardam o s�mbolo maior de cada agremia��o, um tecido de 1,20 m por 90 cm sacralizado pelo carnaval.

A figura masculina � a de prote��o e rever�ncia; a feminina, de graciosidade e leveza - ainda que o traje e o pavilh�o possam chegar a somar at� metade do que pesa a pr�pria porta-bandeira. Cada gesto � meticulosamente escrutinado pelo j�ri de bailarinos e core�grafos. Dentre os cerca de 3 mil componentes que evoluem na passarela, eles fazem parte de uma minoria que, pelas regras, r�gidas, n�o podem sambar.

Viver do Carnaval

Ano ap�s ano, a performance de Selminha e Claudinho, que come�aram a trabalhar juntos no hoje long�nquo 1992, na tradicional Est�cio de S�, campe� daquele ano, segue nota 10. N�o basta n�o errar (n�o escorregar, n�o deixar elemento c�nico cair, n�o dar as costas um ao outro), � preciso demonstrar total sintonia, encantar quem os assiste. E, para tal, eles t�m apenas 1 minuto e meio diante das cabines onde ficam os jurados.

S�o parcos 800 metros de passarela, pouco mais de uma hora de desfile, que passa como um transe. � um jogo que se reinicia a cada carnaval, e o preparo de Selminha para a noite mais importante do ano inclu�a, antes da pandemia, nove modalidades esportivas, como crossfit, muay thai, nata��o e futev�lei, al�m de jazz. As restri��es na academia por conta da covid-19 n�o a deixaram parada. As fotos da malha��o compartilhadas no Instagram est�o de prova.

Embora tenha conseguido se preservar da covid-19, o que, num cen�rio sanit�rio ca�tico j� � raz�o para ostentar seu sorriso, o ano de 2020 foi tudo menos f�cil para Selma; A quadra de Nil�polis (como as demais) fechou, e demorou para reabrir. As viagens internacionais para divulgar sua arte foram canceladas. O sal�rio ("ajuda de custo") que recebe da Beija-Flor, um privil�gio de que gozam apenas as figuras centrais da estrutura das escolas, teve de ser reduzido pela dire��o. A renda com as apresenta��es que faz por fora despencou.


Lucinha Nobre e Marlon Lamar são passistas da Portela(foto: Arquivo Pessoal )
Lucinha Nobre e Marlon Lamar s�o passistas da Portela (foto: Arquivo Pessoal )

"Sou bastante solicitada, e gosto muito de atender. Sou f�cil de lidar. A renda aumenta no carnaval, meu cach� � legal. Fa�o apresenta��es, presen�a vip em eventos, dou workshops em outros estados e no exterior. Em 2019, fui para Portugal e Cabo Verde. Falamos sobre a dan�a do mestre-sala e da porta-bandeira, damos aulas pr�ticas... � um extra que voc� n�o conseguiria s� com o sal�rio", enumera.

"A escola ajuda quem n�o tem alternativa para sobreviver. Mas � complicado, � muita gente. Como pagar os profissionais se n�o entra R$ 1?", pondera. "As escolas n�o tiveram de onde tirar, n�o houve apoio do poder p�blico por 4 anos, e a iniciativa privada recuou. Somos profissionais da festa. Mas pelo menos conseguimos nos reinventar nas lives. Chamei mestre-salas e porta-bandeiras que n�o atuam mais para falar para os meus seguidores, jornalistas, escritores. Est� sendo um grande aprendizado, para mim e para todo mundo".

Hoje com 45 anos, outra estrela das mais brilhantes do carnaval, de uma linhagem que vem das lend�rias Vilma, da Portela, de ep�teto autoexplicativo Cisne da Passarela, Neide, da Mangueira, e Maria Helena, da Imperatriz Leopoldinense, Lucinha Nobre estreou como porta-bandeira mirim em 1984, aos 8, na Alegria da Passarela. Era o simb�lico ano da inaugura��o do Samb�dromo, uma conquista sem par dos sambistas ap�s d�cadas de espa�os improvisados para os desfiles.

Com 16 anos, Lucinha j� era a primeira porta-bandeira da Mocidade Independente de Padre Miguel, o que � muita, muita coisa. Mais tarde, carregaria tamb�m os pavilh�es da Unidos da Tijuca, Porto da Pedra e Inocentes de Belford Roxo. H� tr�s anos, a irm� do compositor e cantor Dudu Nobre est� de volta � Portela, onde j� desfilara entre 2010 e 2012. Ao contr�rio da esperan�osa Selminha, Lucinha, que � hostess de um dos melhores restaurantes de Ipanema, o Zaz� Bistr� Tropical, j� esperava por este fevereiro adverso.

Est� resignada, embora preocupada com quem n�o tem de onde tirar recursos para o b�sico. "Eu passei 2020 tentando n�o pensar em carnaval. � muito triste saber que n�o vai ter, que muita gente ficou sem renda. Tem fam�lia que a m�e tem uma barraca, o pai trabalha com carnaval, um est� no barrac�o, outro, na quadra. O cancelamento impacta diretamente", lamenta.

"Conhe�o pessoas que moravam no Rio e tiveram que voltar para as suas cidades natais, por exemplo, porque n�o conseguiram se manter. Felizmente, a gente conseguiu fazer algumas a��es solid�rias para ajudar. � uma pena que n�o haja uma organiza��o para que a gente pudesse estar mais amparado", comenta Lucinha, que conseguiu segurar as contas em 2020 porque tinha poupado para ir � Disney numa viagem familiar.

Foi tudo muito r�pido. Passado o desfile de fevereiro, ela embarcou com seu mestre-sala Marlon Lamar para o carnaval da cidade ga�cha de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, cujas escolas h� muitos anos absorvem profissionais cariocas (Selminha e Claudinho tamb�m desfilam por l�). Na volta, perdeu o emprego no restaurante, que fechou, passou por uma renova��o e s� reabriu m�s passado.


Porta-bandeira da Portela em 2020, neste ano Lucinha Nobre está em isolamento com a mãe e o filho(foto: Leo Cordeiro)
Porta-bandeira da Portela em 2020, neste ano Lucinha Nobre est� em isolamento com a m�e e o filho (foto: Leo Cordeiro)

"Foi chocante. Passei por um turbilh�o emocional. Imagina uma pessoa que vinha superocupada, me dividindo entre o carnaval e o restaurante, e, de repente, n�o tinha nada. Eu precisei de uma grande base emocional para passar por isso. Cheguei de Uruguaiana j� no meio da pandemia, no mesmo dia em que o restaurante fechou. Assinei a demiss�o e fui para o isolamento com minha m�e e meu filho", conta Lucinha, que mora em Vargem Grande, bairro da zona oeste carioca.

A apresenta��o de lives, o trabalho como produtora do irm�o e eventuais aulas de dan�a on-line tomaram o lugar das viagens de trabalho desmarcadas pela pandemia. Eram cinco, para o Jap�o, Su��a, Alemanha, Cabo Verde e Estados Unidos. Este m�s, outra receita que se foi � a de comentarista dos desfiles da S�rie A (o segundo grupo das escolas de samba) pela TV Globo.

"Felizmente eu tinha esse dinheiro guardado para ir para a Disney; por isso eu consegui viver. Agora, n�o tenho mais nada, tendo que recome�ar do zero", diz Lucinha, que ainda vive um drama familiar: um tio querido, que morava em Curitiba, acaba de morrer de c�ncer. Durante o segundo semestre de 2020, ela se deslocou at� a cidade para assisti-lo.

"De certa forma, me senti grata por poder estar com ele. Mesmo triste por n�o ter carnaval, sei que Deus foi generoso comigo porque se tiv�ssemos carnaval eu n�o poderia estar com minha fam�lia em Curitiba para essa despedida", reconhece. "Todos os meus trabalhos t�m rela��o com p�blico, ent�o, na pandemia, fiquei praticamente todo o tempo guardada, cuidando da minha m�e. Nunca tenho tempo para a fam�lia."

Os desfiles das escolas de samba do Rio foram adiados em definitivo somente no m�s passado pelo prefeito Eduardo Paes (DEM), um entusiasta da festa, foli�o portelense que volta e meia se remete � escola em falas p�blicas. At� ent�o, cogitava-se realizar as apresenta��es na Sapuca� em julho. Diante da �bvia impossibilidade de se vacinar toda a popula��o em poucos meses e de as escolas e o pr�prio poder p�blico se prepararem a contento, Paes declarou que n�o via sentido em cogitar a transfer�ncia para o inverno.

N�o foi surpresa para Lucinha. "Eu estava ciente de que n�o ia ter carnaval em fevereiro desde sempre. Nem eu iria. Isso nunca foi a minha quest�o. Eu estava defendendo o carnaval de julho. Mas quando a gente viu como estava a vacina��o, ficou claro que n�o ia dar. O mais importante � ter seguran�a", defende.

Cat�rtica. � como ela imagina a festa em 2022. "Vai ser um �xtase completo", torce. "Eu me preparei emocionalmente para n�o chegar a fevereiro nesse vazio, nessa depress�o, como v�rios amigos est�o. A gente tem que ter resili�ncia, esperar o momento em que tudo vai voltar. � preciso estar conformado."


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