
Pouco depois das primeiras not�cias de infec��es por um novo coronav�rus na China e muito antes que a doen�a chegasse aos Estados Unidos, onde mataria 540 mil pessoas em um ano, a cientista Akiko Iwasaki direcionou todos os recursos de um laborat�rio de pesquisa em imunologia e virologia na Universidade Yale para entender o Sars-CoV-2, o v�rus respons�vel pela covid-19.
De l� pra c�, a equipe de Iwasaki publicou mais de 20 artigos cient�ficos que respondiam algumas das quest�es centrais sobre a doen�a.
Por que homens s�o mais afetados pela covid-19? Quem j� teve, pode pegar de novo? O que explica a resposta autoimune do corpo que pode agravar a doen�a?
Agora, os olhos de Iwasaki se voltam para o Brasil.
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"A situa��o, de fato, � terr�vel no Brasil. Os hospitais est�o lotados, n�o h� leitos de UTI suficientes, alguns lugares at� est�o ficando sem oxig�nio. Esta � uma situa��o cr�tica", disse Iwasaki em entrevista � BBC News Brasil.
H� alguns dias, a cientista foi � sua conta no Twitter, na qual tem mais de 123 mil seguidores, para pedir aos laborat�rios Pfizer e Moderna que adequem suas vacinas para a nova variante brasileira de coronav�rus, a P1.

A preocupa��o de Iwasaki surgiu ao se debru�ar em dados dispon�veis sobre Manaus. Estimativas feitas ap�s uma forte primeira onda de infec��es em 2020 sugeriam que cerca de 75% da popula��o da capital do Amazonas teria anticorpos contra o SARS-CoV-2, o que poderia indicar que essas pessoas estariam relativamente protegidas de novas investidas do coronav�rus.
Meses mais tarde, no entanto, uma segunda onda ainda mais letal varreu Manaus. Em meio � falta de medidas de conten��o da circula��o do v�rus, uma nova variante aparentemente foi capaz de driblar a imunidade que tr�s em cada quatro manauaras talvez j� tivessem conquistado. Era a chamada P1.
Para Iwasaki, esse cen�rio acendeu dois alertas. Primeiro, refor�ou a hip�tese de que as pessoas poderiam ser reinfectadas pelo Sars-CoV-2, mesmo tendo anticorpos contra ele criados durante a primeira infec��o.
Segundo, algo parecido poderia acontecer com pessoas que receberam vacinas feitas com base em variantes mais "antigas" do v�rus. Mas ela ressalta que os ind�cios apontam que as vacinas conferem prote��o contra as novas variantes, e que essa n�o � sua principal preocupa��o.

"� prov�vel que as vacinas existentes ofere�am prote��o significativa. Minha �nica raz�o para sugerir a vacina feita com o spike da P1 � porque a P1 parece ser capaz de reinfectar pessoas que j� tiveram a infec��o original de SARS-CoV-2. Isso implica que a resposta imune induzida pela prote�na spike original (e todas as outras prote�nas virais) pode ser ineficaz na prote��o contra P1", diz a especialista.
"Uma das vantagens do uso da vacina de RNA mensageiro (produzida pela Pfizer e pela Moderna) � sua versatilidade. O RNA mensageiro da P1 (ou de qualquer outra variante)pode ser usado para fazer uma vacina que seja perfeita contra ela e ofere�a uma prote��o mais forte", explica Iwasaki.
Para ela, no entanto, o Brasil precisa do m�ximo de doses das vacinas dispon�veis, mesmo sem que elas sejam perfeitamente adequadas � P1. At� agora, o pa�s aplicou ao menos uma dose de vacina em apenas 6% da popula��o.
"N�o quero que minha sugest�o crie uma situa��o do tipo "o �timo que � inimigo do bom". A quest�o mais importante e urgente � distribuir as vacinas existentes para as pessoas no Brasil, o mais r�pido poss�vel", argumenta Iwasaki.
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H� uma escassez de vacinas e insumos no pa�s. Em 2020, o governo Bolsonaro apostou todas as suas fichas em apenas uma vacina, a AstraZeneca-Oxford, que seria produzida pela Fiocruz no Brasil. O imunizante, no entanto, apresentou problemas nos estudos, o que atrasou em meses sua libera��o e produ��o.
Al�m disso, o governo federal tamb�m boicotou publicamente a Coronavac, do Instituto Butantan em parceria com a China, e rejeitou ofertas de dezenas de milh�es de vacinas de doses de fabricantes como a Pfizer.
Nos �ltimos meses, com o agravamento da pandemia no pa�s, passou a tentar comprar vacinas de diversos fabricantes, mas esbarra na escassez de doses dispon�veis para entrega em curto prazo. Isso explica a lentid�o na imuniza��o dos brasileiros.

EUA afirmam estar 'cientes' do pedido
Segundo Iwasaki, tanto os Estados Unidos quanto os pa�ses europeus deveriam liberar "imediatamente" para o Brasil doses de imunizantes estocadas e sem uso nesses pa�ses no momento.
H� algumas semanas, integrantes do governo Biden e do fabricante da vacina AstraZeneca-Oxford, que ainda n�o recebeu autoriza��o de uso emergencial pela ag�ncia reguladora de medicamentos nos EUA, a FDA, discutem a possibilidade de que os EUA liberem ao menos parte de seus estoques desse imunizante para o Brasil.
O governo afirma ter cerca de sete milh�es de vacinas paradas, enquanto ve�culos de imprensa americano, como o jornal The New York Times, dizem que o n�mero estaria em torno de 30 milh�es, j� que os americanos contam com f�brica pr�pria da AstraZeneca, em Baltimore, Maryland.
O pa�s tem dispon�veis estoques de Pfizer, Moderna e Janssen em quantidade suficiente para n�o depender das doses da AstraZeneca na imuniza��o de sua popula��o. A Casa Branca, no entanto, resiste � possibilidade de vender ou doar as vacinas de que disp�e, mesmo que n�o possam ser usadas em territ�rio americano, j� que atualmente menos de 15% da popula��o americana recebeu duas doses de imunizantes contra a covid-19.
De acordo com Iwasaki, esse seria um erro estrat�gico no combate � pandemia.
"O v�rus n�o respeita fronteiras. O que acontece no Brasil pode acontecer em qualquer outro pa�s. Na verdade, a variante P1 j� est� presente em 25 pa�ses ao redor do mundo. Esta � uma pandemia global. N�s, como cidad�os do mundo, precisamos nos concentrar em fornecer ajuda onde ela � mais necess�ria. No momento, o Brasil precisa de ajuda", argumenta a cientista de Yale.
A press�o sobre os americanos aumentou ainda mais depois que, diante do que a Fiocruz classificou como o "maior colapso hospitalar da hist�ria do pa�s", a Casa Branca anunciou o envio de 4 milh�es de doses ao Canad� e ao M�xico, em acordos bilaterais.
No �ltimo s�bado (20/3), o Itamaraty afirmou ter iniciado "tratativas" uma semana antes com os americanos para comprar doses de AstraZeneca e, no dia 19, o Senado brasileiro enviou um apelo � vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, para que as vacinas fossem colocadas � disposi��o do Brasil.
O Departamento de Estado americano n�o confirma que existam negocia��es em curso para vender vacinas americanas ao Brasil. Em comunicado postado nesta ter�a-feira (23/3) na p�gina da embaixada americana em Bras�lia, a gest�o Biden afirma que "os Estados Unidos est�o comprometidos em coordenar os esfor�os de vacina��o da COVID-19 com os parceiros brasileiros, o governo e o setor privado".
O pa�s afirma ainda estar empenhado em investir no cons�rcio Covax, esfor�o global para distribui��o de imunizantes da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), do qual o Brasil optou por receber a cota m�nima de 42 milh�es de doses, sendo 9 milh�es previstas at� julho de 2021.
"Os EUA est�o cientes dos pedidos de outros pa�ses sobre as doses de vacinas do governo dos EUA, e quando determinarmos que podemos compartilhar mais vacinas, trabalharemos em estreita colabora��o com a Covax e outros parceiros internacionais. A Embaixada e os Consulados anunciar�o as decis�es relevantes quando tivermos mais informa��es para compartilhar sobre o pedido oficial do governo brasileiro", afirma a nota.
Nesta quarta (24/3), em coletiva de imprensa, o l�der da for�a-tarefa americana contra o coronav�rus, Anthony Fauci, afirmou ver com preocupa��o a situa��o brasileira, mas n�o entrou no tema de oferta de doses.
"Vamos conversar com autoridades brasileiras [...] Estamos muito preocupados com a dif�cil situa��o do Brasil e vamos discutir maneiras de sermos �teis para o Brasil. N�o posso dar detalhes, quero ver o que eles apresentam para podermos ver como ajud�-los no futuro", disse Fauci.
Lideran�a e medidas de controle
Segundo Iwasaki, embora o Brasil deva se esfor�ar para "aumentar a vacina��o o mais r�pido poss�vel", esse n�o � o �nico recurso para que o governo brasileiro possa conter o avan�o da pandemia, que j� custou mais de 300 mil mortes ao pa�s.
"H� muitas coisas que podem ser feitas para mitigar a situa��o, incluindo lockdown, uso de m�scara, e evitar aglomera��es", diz a cientista.
De acordo com Iwasaki, no entanto, o mais importante nesse momento � que o pa�s tenha uma lideran�a pol�tica consistente. Ela ecoa cr�ticas feitas ao presidente Jair Bolsonaro de ter boicotado medidas de distanciamento, lan�ado d�vidas sobre a vacina��o e propagandeado rem�dios sem efic�cia contra a covid-19, como a hidroxicloroquina.
"A lideran�a � crucial para controlar a pandemia. Na aus�ncia de um l�der que use dados e ci�ncia para se guiar, temo que o Brasil se encaminhe para uma expans�o ainda maior de infec��o, sofrimento e morte. As pessoas no Brasil precisam de ajuda internacional. Espero que o governo brasileiro n�o atrapalhe em tais esfor�os", conclui a cientista.
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