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Estado de Minas

Vacinas contra a covid-19: por que Brasil poderia ter reservado doses antes mesmo da aprova��o da Anvisa, segundo especialistas

Argumento usado por senadores durante a CPI da Pandemia para justificar a demora na negocia��o com a Pfizer n�o faz sentido e vai contra as a��es do pr�prio Governo Federal ao longo dos �ltimos meses.


14/05/2021 22:07

A segunda semana de depoimentos na CPI da Covid ficou marcada por diversos esclarecimentos sobre a demora das autoridades brasileiras na compra das vacinas contra a doen�a.

Num depoimento realizado na quinta-feira (13/05), o gerente-geral da farmac�utica Pfizer na Am�rica Latina, Carlos Murillo, confirmou que o governo de Jair Bolsonaro rejeitou tr�s ofertas de 70 milh�es de doses, realizadas pelo laborat�rio em agosto de 2020.

Ainda de acordo com o representante da empresa, as primeiras remessas do imunizante poderiam ter sido entregues ao pa�s ainda em dezembro do ano passado, o que permitiria iniciar a campanha de vacina��o com cerca de um m�s de anteced�ncia (as primeiras doses come�aram a ser aplicadas no pa�s em 17 de janeiro de 2021).

Ainda durante a comiss�o parlamentar, alguns senadores governistas tentaram justificar essa falta de respostas do governo brasileiro na negocia��o com a Pfizer.

Eles disseram que o Minist�rio da Sa�de n�o poderia realizar qualquer aquisi��o de doses que n�o tivessem sido aprovadas pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria, a Anvisa.

Vers�o governista

O senador Jorginho Mello (PL-SC), por exemplo, afirmou que "o Brasil teve toda boa vontade para comprar" o imunizante, mas que o pa�s n�o poderia fechar o neg�cio antes da autoriza��o da ag�ncia regulat�ria ou at� que fossem sanados os impedimentos jur�dicos.

Para entender melhor o que Mello quis dizer, a reportagem da BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa dele, que orientou a olhar os conte�dos que o senador havia postado em suas redes sociais logo ap�s a sess�o de ontem da CPI.

Na legenda de um v�deo postado no Facebook, o representante de Santa Catarina no Senado Federal escreveu:

"No seu depoimento hoje na CPI da Pandemia, o executivo da Pfizer, Carlos Murillo, foi categ�rico ao afirmar que o governo brasileiro comprou as vacinas assim que a Anvisa deu a autoriza��o, ou seja, quando a vacina j� era algo consolidado e n�o apenas um projeto de vacina."

Vale dizer que essa discuss�o come�ou a entrar na pauta e tomar forma no dia anterior: na quarta-feira (12/05), o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunica��o Social (Secom) do Governo Federal, Fabio Wajngarten, j� havia confirmado que as tratativas da Pfizer com o Brasil ficaram sem respostas por dois meses.

Num trecho de seu depoimento, Wajngarten relatou ter se encontrado com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ap�s uma liga��o telef�nica que ele havia feito com Murillo, � �poca presidente da farmac�utica no Brasil.

Ao atualiz�-los sobre o assunto, o ex-chefe da Secom disse que Bolsonaro escreveu num papel a palavra "Anvisa", indicando que a compra estaria condicionada a uma futura libera��o da ag�ncia regulat�ria brasileira.

A��es contradit�rias

Uma fala do pr�prio presidente da Rep�blica, inclusive, tem sido utilizada para explicar a demora nas negocia��es de compra com a Pfizer.

No dia 9 de novembro de 2020, durante uma transmiss�o ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro disse que, "passando pelo Minist�rio da Sa�de e sendo certificada pela Anvisa, o Governo Federal vai comprar e disponibilizar [as vacinas]".

Apoiadores do governo t�m usado essa eventual necessidade de certifica��o da Anvisa como uma barreira para a negocia��o pr�via com as farmac�uticas, em especial com a Pfizer.

Mas h� um ponto fundamental nessa hist�ria: a compra ou a reserva de doses de vacinas n�o est� vinculada necessariamente � aprova��o de seu uso em larga escala, na popula��o em geral.

"Esse argumento � totalmente furado. A aprova��o da Anvisa n�o tem nada a ver com as quest�es contratuais e comerciais", avalia o m�dico e advogado sanitarista Daniel Dourado, do Centro de Pesquisa em Direito Sanit�rio da Universidade de S�o Paulo.

Governos do mundo inteiro incluindo o do Brasil assinaram contratos e fizeram aquisi��es ainda em 2020, muito antes de os imunizantes conclu�rem os estudos cl�nicos e estarem dispon�veis.

A epidemiologista Carla Domingues, que foi coordenadora do Programa Nacional de Imuniza��es (PNI) do Minist�rio da Sa�de entre 2011 e 2019, entende que essa justificativa n�o para em p�.

"O governo assinou o acordo com a AstraZeneca ainda no segundo semestre de 2020 e ia fechar o contrato com o Instituto Butantan para a compra da Coronavac em outubro, se o presidente n�o tivesse intervindo e desautorizado o ent�o ministro da Sa�de, Eduardo Pazuello. Por que s� com a Pfizer teria que aguardar?", questiona.

O tamb�m epidemiologista Jos� C�ssio de Moraes, professor da Faculdade de Ci�ncias M�dicas da Santa Casa de S�o Paulo, concorda e vai al�m: num momento de alta demanda por um produto escasso, a reserva de uma potencial vacina era uma quest�o estrat�gica.

"O governo dos Estados Unidos n�o consultou seu �rg�o regulador, o FDA [Food and Drug Administration], antes de fazer as compras. Eles fizeram os acordos antes de saber se a vacina seria eficaz ou n�o", analisa.

Movimenta��o internacional

Uma iniciativa mantida pelo Instituto de Inova��o em Sa�de Global da Universidade Duke, nos Estados Unidos, nos ajuda a entender melhor o hist�rico das negocia��es de pa�ses para a compra de doses de vacinas contra a covid-19.

Segundo o registro, a primeira assinatura de contrato do tipo aconteceu em maio de 2020, quando os Estados Unidos reservaram 300 milh�es de doses do imunizante AZD1222, desenvolvido por AstraZeneca e Universidade de Oxford.

No mesmo per�odo, o Reino Unido tamb�m fechou uma reserva de 90 milh�es de doses deste produto.

Detalhe importante: naquele momento, essa e outras vacinas ainda estavam na fase de testes cl�nicos e demorariam mais alguns meses para ter seus resultados preliminares divulgados.

Outro aspecto relevante � que a aprova��o da AZD1222 pelas ag�ncias regulat�rias nem passava pela cabe�a dos governantes ingleses e americanos: ela s� foi liberada em car�ter emergencial no Reino Unido no dia 30 de dezembro, mais de sete meses ap�s a compra das doses.

E at� hoje (14/05), essa vacina ainda n�o recebeu o sinal verde do FDA para ser usada na popula��o dos Estados Unidos, que utilizaram outros fornecedores (como Pfizer/BioNtech e Moderna) em sua campanha de imuniza��o.

Carlos Murillo confirmou que Pfizer não recebeu nenhuma resposta oficial às três ofertas de vacinas feitas em agosto de 2020(foto: Reprodução\Tv Senado)
Carlos Murillo confirmou que Pfizer n�o recebeu nenhuma resposta oficial �s tr�s ofertas de vacinas feitas em agosto de 2020 (foto: Reprodu��o\Tv Senado)

Vale mencionar que esses acordos feitos pelos pa�ses traziam uma s�rie de cl�usulas e condi��es.

"Os contratos sempre vinculavam a entrega das doses � aprova��o pelas autoridades sanit�rias", explica Dourado, que tamb�m integra o Institut Droit et Sant� da Universidade de Paris, na Fran�a.

Ou seja: a compra s� seria efetivada mesmo se os candidatos � imunizantes se sa�ssem bem nos testes cl�nicos e fossem liberados por Anvisa, FDA e as ag�ncias de cada local.

Desigualdade global

Essa corrida para garantir uma fatia da produ��o vacinal ganhou f�lego durante o segundo semestre de 2020: em julho, os Estados Unidos j� tinham firmado acordo com outras tr�s farmac�uticas e, ao menos em tese, j� possu�am doses suficientes para cobrir 93% de sua popula��o.

Em agosto, Canad�, Uni�o Europeia, Vietn� e Brasil entraram na jogada e garantiram suas primeiras reservas.

No caso brasileiro, o an�ncio envolvia 90 milh�es de doses da AZD1222 e a transfer�ncia de tecnologia para a produ��o da vacina no Instituto BioManguinhos, vinculado � Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz), no Rio de Janeiro.

Nesse mesmo m�s de agosto, os Estados Unidos j� tinham uma quantidade de imunizantes suficiente para proteger 139% dos americanos j� sobravam vacinas por l�.

Em 20 de outubro de 2020, o Minist�rio da Sa�de anunciou que tinha negocia��es avan�adas para garantir 46 milh�es de doses da Coronavac, que seriam fabricadas no Instituto Butantan.

Mas, um dia depois, Bolsonaro desautorizou o acordo em um post nas redes sociais:

"A vacina chinesa de Jo�o Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada � popula��o, deve ser comprovada cientificamente pelo Minist�rio da Sa�de e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro n�o ser� cobaia de ningu�m. Minha decis�o � a de n�o adquirir a referida vacina", escreveu o presidente.

Esse contrato s� seria assinado quase dois meses depois, em 30 de dezembro de 2021.

Diversificar os investimentos

Voltando para a situa��o global, no final de 2020 a disparidade na corrida por imunizantes s� aumentou: em dezembro, os contratos assinados pelo governo do Canad� garantiam cerca de 6 doses de vacinas para cada habitante (vale mencionar que a maioria dos produtos requer duas doses para oferecer um bom n�vel de prote��o).

Em outros locais, como Reino Unido e Austr�lia, esse excedente tamb�m era not�vel, com praticamente quatro vacinas para cada pessoa.

Outro movimento interessante de v�rios pa�ses foi o de firmar acordos com diversos fornecedores diferentes.

Em dezembro de 2020, por exemplo, os Estados Unidos j� haviam assinado contratos com AstraZeneca/Oxford, Novavax, Sanofi/GSK, Janssen, Moderna e Pfizer/BioNTech.

O Canad� tinha acertado compras com todas essas empresas e algumas outras, como o laborat�rio Medicago.

A mesma coisa aconteceu no Reino Unido, na Uni�o Europeia, na Austr�lia, no Jap�o...

Em 8 de dezembro de 2020, a idosa Margaret Keenan se tornou a primeira vacinada no Reino Unido(foto: PA Media)
Em 8 de dezembro de 2020, a idosa Margaret Keenan se tornou a primeira vacinada no Reino Unido (foto: PA Media)

O que essas na��es mais ricas fizeram foi a famosa t�tica de colocar os ovos em mais de uma cesta: afinal, sem saber quais candidatas � vacina seriam realmente efetivas nos testes cl�nicos de fase 3, a diversifica��o das apostas evitaria surpresas desagrad�veis.

Assim, caso um imunizante n�o alcan�asse uma boa taxa de efic�cia ou tivesse algum atraso nos testes cl�nicos, seria poss�vel contar com outros.

Pode reparar: na lista de contratos americanos, as vacinas de AstraZeneca/Oxford, Novavax e Sanofi/GSK sequer foram utilizadas por l�.

At� o fim de 2020, o Brasil tinha anunciado v�nculos com dois fornecedores: AstraZeneca/Oxford/FioCruz (AZD1222) e Sinovac/Instituto Butantan (CoronaVac).

Portanto, caso alguma dessas duas candidatas tivesse ido mal nos testes cl�nicos e n�o fosse aprovada pela Anvisa, � poss�vel que a situa��o de nossa campanha de imuniza��o estivesse ainda mais fragilizada e sem alternativas.

Mais para a frente, j� em 2021, o Minist�rio da Sa�de estabeleceu acordos com outras empresas, algumas cujos produtos ainda n�o receberam o aval da Anvisa, como � o caso da Sputnik V (Instituto Gamaleya) e a Covaxin (Bharat Biotech).

Cl�usulas 'draconianas'?

Um segundo argumento usado por governistas para justificar uma demora nas tratativas com a Pfizer seriam alguns detalhes do contrato oferecido pela farmac�utica.

De acordo com o ponto de vista do Governo Federal, algumas cl�usulas, classificadas como "draconianas" poderiam isentar o laborat�rio de qualquer culpa caso acontecessem efeitos colaterais ap�s a vacina��o.

O epis�dio ficou marcado por uma frase de Bolsonaro no dia 18 de dezembro, durante um evento realizado na Bahia:

"L� no contrato da Pfizer, est� bem claro: n�s (a Pfizer) n�o nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se voc� virar um jacar�, � problema seu. Se voc� virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher a�, ou algum homem come�ar a falar fino, eles (Pfizer) n�o t�m nada a ver com isso. E, o que � pior, mexer no sistema imunol�gico das pessoas", disse o presidente.

Na avalia��o de Dourado, esse medo n�o faz sentido algum e denota uma certa inexperi�ncia dos gestores p�blicos com contratos desse tipo.

"N�o sabemos detalhes do contrato, at� porque isso nunca foi divulgado oficialmente. Mas as cl�usulas consideradas abusivas n�o parecem ter nada de diferente", pontua.

"Fica parecendo que o Pazuello e a equipe do Minist�rio da Sa�de n�o eram do ramo e n�o tinham no��o com o que estavam lidando", acrescenta.

Brasil já tinha acordo para compra de doses da AZD1222 em agosto de 2020, cinco meses antes de a vacina ser aprovada pela Anvisa(foto: Getty Images)
Brasil j� tinha acordo para compra de doses da AZD1222 em agosto de 2020, cinco meses antes de a vacina ser aprovada pela Anvisa (foto: Getty Images)

Outro fator relevante dessa hist�ria: a mesma Pfizer fechou contratos com dezenas de outros pa�ses, e � dif�cil imaginar que as cl�usulas tenham sido assim t�o diferentes a ponto de causar essa celeuma no Brasil.

O advogado sanitarista lembra que o acordo com a Pfizer s� andou quando o Congresso aprovou uma emenda que dividia a responsabilidade civil por eventos adversos entre Uni�o, estados e munic�pios.

"Na verdade, nem existia a necessidade dessa mudan�a na legisla��o. Quando o Estado compra uma vacina, ela passa a fazer parte das pol�ticas p�blicas e o governo naturalmente responde por isso", raciocina.

Na interpreta��o dele e de outros especialistas, mesmo com a possibilidade de um efeito colateral acontecer ap�s a vacina��o, o processo jur�dico envolvido num caso desses levaria muitos anos e, ainda que envolvesse uma compensa��o financeira para as v�timas, o valor seria infinitamente menor do que o preju�zo financeiro e social causado pela pandemia e pelo atraso na campanha de imuniza��o contra a covid-19.

"Me parece que o governo n�o queria comprar vacinas porque achavam que n�o iriam precisar. Eles acreditaram naquela conversa de imunidade coletiva por cont�gio e agora est�o usando essas justificativas furadas", completa o especialista.

Conjecturas e suposi��es

Uma poss�vel disponibilidade da vacina da Pfizer j� em dezembro de 2020 significaria um in�cio antecipado da campanha de vacina��o contra a covid-19 no Brasil.

De acordo com as declara��es de Murillo, a farmac�utica poderia entregar ainda no final do ano passado um total de 1,5 milh�o de doses ao pa�s.

Isso j� permitiria proteger 750 mil brasileiros, uma vez que esse imunizante exige duas aplica��es para ter uma boa efic�cia.

A t�tulo de compara��o, esse quantitativo seria suficiente para resguardar, com folgas, os tr�s primeiros grupos priorit�rios descritos no Plano Nacional de Operacionaliza��o da Vacina��o contra a Covid-19, do Minist�rio da Sa�de: pessoas com mais de 60 anos institucionalizadas (156.878 indiv�duos), pessoas com defici�ncia institucionalizadas (6.472), povos ind�genas vivendo em terras ind�genas (413.739).

Enfermeira Monica Calazans foi primeira pessoa a ser vacinada com a CoronaVac fora dos testes clínicos, no dia 17 de janeiro(foto: Reuters)
Enfermeira Monica Calazans foi primeira pessoa a ser vacinada com a CoronaVac fora dos testes cl�nicos, no dia 17 de janeiro (foto: Reuters)

Vale ressaltar que a vacina��o n�o significa apenas um ganho individual: esses 750 mil contemplados ficariam protegidos do coronav�rus, mas tamb�m ajudariam a resguardar toda a comunidade ao redor deles.

Com menor risco de serem infectados, eles potencialmente deixariam de levar o v�rus para outras pessoas com quem t�m contato, quebrando as cadeias de transmiss�o.

Em outras palavras, mais gente fica protegida por tabela e com menor risco de pegar a covid-19 ou desenvolver as formas graves da doen�a.

Uma barreira importante, no entanto, s�o as necessidades de refrigera��o do imunizante desenvolvido por Pfizer e BioNTech: ele precisa ser mantido a temperaturas baix�ssimas, que exigem equipamentos sofisticados.

"Mas j� no ano passado a Pfizer distribuiu cont�ineres em que as doses podiam ser mantidas por duas semanas", diz Moraes.

"N�o digo que essas vacinas pudessem ser usadas em munic�pios pequenos e afastados, mas elas j� poderiam ser aproveitadas em cidades maiores, em hospitais com grande circula��o, para j� come�ar a proteger as pessoas", aponta.

O m�dico acredita que houve uma falta de preparo e de vis�o estrat�gica do governo brasileiro.

"E isso fez com que cheg�ssemos � situa��o de hoje, em que n�o � f�cil conseguir comprar as vacinas", completa.


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