(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CRIME

Caso Jo�o Pedro: Quando o Estado mata nossos filhos a Justi�a n�o acontece, diz m�e do adolescente morto em opera��o policial

Um ano ap�s crime, investiga��es est�o paradas e policiais investigados seguem na ativa. "A impunidade est� descarada", afirma Rafaela


17/05/2021 19:11 - atualizado 17/05/2021 20:08

João Pedro, 14, morto em 18 de maio de 2020; bala que o matou tinha mesmo calibre da usada pelos policiais que invadiram a casa em que ele brincava com os amigos(foto: Reprodução/Facebook)
Jo�o Pedro, 14, morto em 18 de maio de 2020; bala que o matou tinha mesmo calibre da usada pelos policiais que invadiram a casa em que ele brincava com os amigos (foto: Reprodu��o/Facebook)

J� faz um ano desde que a professora de educa��o infantil Rafaela Coutinho Matos viveu os piores dias de sua vida. Jo�o Pedro, seu filho de 14 anos de idade, foi morto com uma bala de fuzil durante uma opera��o policial no Complexo do Salgueiro, em S�o Gon�alo, enquanto brincava com amigos na casa dos tios.

O crime ocorreu no mesmo m�s do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, cujo v�deo do policial branco com os joelhos sobre o pesco�o do homem negro gerou protestos em todo o mundo.

No Brasil, a como��o em torno do assassinato de Jo�o Pedro foi t�o grande que, no m�s seguinte ao crime, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu em decis�o liminar (provis�ria) a realiza��o de opera��es policiais em comunidades do Rio durante a pandemia do novo coronav�rus, exceto em "hip�teses absolutamente excepcionais", com anu�ncia do Minist�rio P�blico.

As cenas do pesadelo real de Rafaela voltaram com ainda mais for�a na semana passada, quando uma opera��o policial no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, terminou com a morte de 28 pessoas, e o t�tulo de mais letal opera��o da hist�ria.

Pela TV, as imagens do notici�rio lembravam muito das cenas vistas por Rafaela no dia em que Jo�o Pedro morreu: o helic�ptero da pol�cia sobrevoando a comunidade, as manchas de sangue e os buracos de bala pelas paredes.

"Eu fiquei observando porque � a mesma pol�cia, a mesma pol�cia que tirou a vida do Jo�o", disse ela em entrevista � BBC News Brasil.


Em janeiro de 2021, a hist�ria de Rafaela e Jo�o Pedro foi contada em document�rio exibido pela BBC News Brasile pela BBC News. De l� para c�, a espera de Rafaela por Justi�a apenas se prolongou, j� que, desde ent�o, nenhuma nova prova ou etapa da investiga��o avan�ou.


Se nos Estados Unidos o caso de George Floyd j� foi solucionado - o ex-policial Derek Chauvin foi condenado pela Justi�a americana e aguarda senten�a a ser anunciada em junho - a morte de Jo�o Pedro continua sem puni��o. Rafaela conta que nada avan�ou desde outubro do ano passado.


Embora a bala encontrada no abdome de Jo�o Pedro tenha o mesmo calibre da usada pelos policiais que participavam a opera��o, de acordo com o laudo cadav�rico, os tr�s policiais investigados pelo crime continuam trabalhando normalmente n�o s� em atividades de escrit�rio, como � praxe em policiais investigados, mas na na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), unidade de elite da Pol�cia Civil.

"Para n�s m�es que o Estado vem e mata nossos filhos, essa Justi�a n�o acontece. Essa justi�a � demorada, a impunidade est�, sim, descarada", diz. "Porque a gente v� outros casos como o do Henry [Henry Borel Medeiros, de 4 anos, assassinado em mar�o], em que n�o foi a pol�cia que cometeu o crime, e � um caso que j� foi at� solucionado em menos de um ano. A gente v� tamb�m o caso do George Floyd l� nos Estados Unidos, que foi tamb�m no mesmo m�s do de Jo�o, teve toda essa compara��o e � um caso que est� se resolvendo tamb�m. Essa impunidade aqui no Brasil � muito dif�cil. A gente v� outros casos sendo solucionados e quando envolve a pol�cia � sempre muito dif�cil ser solucionado."


Rafaela diz que ficou sem saber o que dizer quando Rebeca, a filha caçula de 5 anos de idade, perguntou porque a polícia matou o irmão dela(foto: BBC)
Rafaela diz que ficou sem saber o que dizer quando Rebeca, a filha ca�ula de 5 anos de idade, perguntou porque a pol�cia matou o irm�o dela (foto: BBC)


A BBC News Brasil fez contato, por telefone e por e-mail, com as assessorias das pol�cias Civil e Militar, bem como do governo do estado do Rio de Janeiro, mas n�o obteve resposta sobre as perspectivas de solu��o do caso ou sobre em quais opera��es os policiais suspeitos do crime j� participaram este ano.


Al�m disso, a investiga��o sofreu alguns revezes: o principal deles foi a extin��o, neste ano, do Grupo de Atua��o Especializada em Seguran�a P�blica (Gaesp), que tem tem como principais atribui��es atuar em "investiga��es penais relacionadas a crimes cometidos por policiais civis, policiais militares e agentes penitenci�rios".


Depois da publica��o da reportagem, a assessoria de imprensa da Pol�cia Militar entrou em contato com a reportagem e informou que quem responde sobre o caso � a Pol�cia Civil, j� que a ocorr�ncia do caso Jo�o Pedro n�o teve participa��o da PM.


H� cerca de um m�s, Rafaela diz que ficou sem saber o que dizer quando Rebeca, a filha ca�ula de 5 anos de idade, perguntou porque a pol�cia matou o irm�o dela. "Foi at� uma resposta dif�cil para eu dar, porque como voc� vai dizer que a pol�cia, que tem que proteger, tira a vida do irm�o dela?"


Procurado pela reportagem, o Minist�rio P�blico Federal no Rio de Janeiro informou nesta segunda-feira (17) que, no caso de Jo�o Pedro, existem duas investiga��es do MPF-RJ em andamento: em um inqu�rito civil do N�cleo de Controle Externo da Atividade Policial, do procurador Eduardo Benones, que apura improbidade administrativa; e outro criminal, aberto pelo MPF em S�o Gon�alo.


Havia d�vidas sobre de quem seria a compet�ncia para atuar no caso, MP Federal ou MP Estadual; Mas no dia 12 de abril, a PGR decidiu que o MPF deve atuar no caso e as investiga��es seguem seu curso. "Os dois procedimentos est�o abertos e seguem independentes", afirmou a assessoria de imprensa.


J� o Minist�rio P�blico do Estado do Rio de Janeiro, questionado sobre quais as pr�ximas etapas da investiga��o que est� parada, disse por meio da 1ª Promotoria de Investiga��o Penal Especializada dos N�cleos Niter�i e S�o Gon�alo que aguarda o Relat�rio Final do Inqu�rito da Delegacia de Homic�dios e trabalha para a conclus�o do laudo independente da reconstitui��o.


Questionada sobre qual a perspectiva de que o caso Jo�o Pedro seja conclu�do, respondeu apenas que "a perspectiva � que as investiga��es permitam a apura��o de todo o ocorrido e conduzam � justi�a para todos os envolvidos".

Leia os principais trechos da entrevista, realizada por teleconfer�ncia em v�deo:


BBC News Brasil - O que voc� sabe da investiga��o sobre a morte de Jo�o Pedro?

Rafaela Coutinho Matos - As investiga��es est�o paradas desde o dia em que houve a reconstitui��o [do crime], no dia 29 de outubro. De l� para c� estamos � espera do laudo da reprodu��o simulada, que at� hoje n�o nos deram essa resposta. Conviver com essa espera, al�m de conviver com a dor da perda, � muito mais dif�cil. Voc� n�o consegue nem viver o seu luto, porque voc� tem que ir em busca por essa Justi�a. N�o consegue nem ter paz.

A gente aguarda uma resposta da Justi�a, uma resposta do Estado, e at� hoje n�o temos essa resposta. O que n�s sabemos � que houve a extin��o do Gaesp [Grupo de Atua��o Especializada em Seguran�a P�blica, do Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro], foi retirada essa for�a do Gaesp que investigava os policiais, e isso tudo dificulta muito as investiga��es tamb�m.


BBC News Brasil - Como tem sido a rela��o com a pol�cia? Voc�s receberam alguma informa��o sobre as investiga��es?

Rafaela - A pol�cia em momento nenhum procurou a gente para falar nada. Os defensores que est�o nos apoiando sempre mant�m a gente informado, eles falam que tamb�m est�o cobrando do Minist�rio P�blico e da Pol�cia Civil essa resposta.


BBC News Brasil - Na primeira semana de maio o notici�rio foi tomado novamente pelo tema das opera��es policiais, com a opera��o na comunidade de Jacarezinho que acabou com 28 mortos. E justamente em um per�odo em que as opera��es estavam restritas pelo STF desde a morte do Jo�o Pedro, no ano passado. Como foi para voc� acompanhar esse notici�rio um ano depois da morte do Jo�o?

Rafaela - Na grande verdade as opera��es continuaram, mesmo com essa proposta de n�o haver as opera��es durante a pandemia, s� em casos que tenha que ter mesmo. Em momento nenhum parou. Mas lidar com mais essa chacina, porque foi uma chacina; eu fiquei observando porque � a mesma pol�cia, a mesma pol�cia que tirou a vida do Jo�o.

� a mesma pol�cia que vai l� e limpa a cena do crime, que forja tudo. Fiquei pensando: � a Core [Coordenadoria de Recursos Especiais, unidade especial da Pol�cia Civil] que estava nessa opera��o, e at� mesmo os policiais que tiraram a vida do Jo�o Pedro eles poderiam estar nessa opera��o, tirando outras vidas. [Nota da reda��o: questionada, a assessoria de imprensa da Pol�cia Civil n�o respondeu de quais opera��es os policiais participaram desde a morte de Jo�o Pedro]

Ent�o quando n�o h� uma puni��o da Justi�a, esses policiais ficam a� nas ruas soltos, n�o s�o punidos, e tirando outras vidas. Isso � muito triste.


Intervenções policiais no Rio de Janeiro deixaram um total de 1.245 vítimas em 2020(foto: Reuters)
Interven��es policiais no Rio de Janeiro deixaram um total de 1.245 v�timas em 2020 (foto: Reuters)


BBC News Brasil - Os policiais investigados que participaram da a��o que resultou na morte do Jo�o Pedro est�o trabalhando normalmente?

Rafaela - Continuam trabalhando normalmente. N�o foram afastados em momento nenhum.


BBC News Brasil - N�s conversamos em agosto para um document�rio da BBC, e na ocasi�o voc� falava sobre como a Justi�a prioriza alguns casos em detrimento de outros, sobre a lentid�o da Justi�a. Hoje, um ano depois da morte do Jo�o, como voc� avalia essa falta de respostas at� hoje sobre o crime?

Rafaela - Eu avalio que a Justi�a para n�s m�es que o Estado vem e mata nossos filhos, essa Justi�a n�o acontece. Essa justi�a � demorada, a impunidade est�, sim, descarada. Porque a gente v� outros casos , como o do Henry, que s�o pessoas que n�o foi a pol�cia que cometeu o crime, e � um caso que j� foi at� solucionado em menos de um ano.

A gente v� tamb�m o caso do George Floyd l� nos Estados Unidos, que foi tamb�m no mesmo m�s do de Jo�o, teve toda essa compara��o e � um caso que est� se resolvendo tamb�m. Essa impunidade aqui no Brasil � muito dif�cil. A gente v� outros casos sendo solucionados e quando envolve a pol�cia � sempre muito dif�cil ser solucionado.


BBC News Brasil - Na �poca o caso do Jo�o causou muita como��o, justamente quando come�aram tamb�m os protestos em torno da morte do George Floyd no mundo tudo. Essa rea��o das pessoas mudou de l� para c�?

Rafaela - Eu n�o vi tantas mudan�as, mas eu vi que quando o STF suspendeu as opera��es durante a pandemia eu percebi que outras vidas foram poupadas quando estava se cumprindo. Mas de uns meses para c� eu tenho visto que realmente t�m ocorrido outras mortes, n�.

N�o vi muita mudan�a mas acredito que com a morte do Jo�o, por ter causado toda essa como��o, essa sensibilidade, as pessoas est�o vendo realmente como � que a pol�cia faz quando entra nas favelas, quando entra nas comunidades. Eles n�o querem saber se a pessoa � trabalhador, se a pessoa n�o � envolvida com nada, eles querem mesmo � tirar a vida, eles querem mesmo � ceifar vidas. Onde o Estado teria que proteger e zelar pelas vidas, e n�o � isso o que tem acontecido.


BBC News Brasil - Na �poca do document�rio da BBC, no ano passado, voc� contava muito sobre a rotina de reconstru��o da sua fam�lia, em continuar a vida, em como isso afetou a sua sa�de mental, do seu marido, da sua filha. Como tem sido esse ano?

Rafaela - Tem sido bem dif�cil, n�. Que a gente pensa 'ah, t� muito recente, t� muito dif�cil'. Mas parece que quanto mais o tempo vai passando, mais dif�cil fica. Porque a saudade aumenta, a aus�ncia acaba sendo maior. Por que com esta quest�o de se aproximar um ano tamb�m, s�o 365 dias, n�.

Eu n�o me imaginava nem um dia conseguir sobreviver sem o Jo�o. Ent�o a gente tem tentado recome�ar. Eu voltei a trabalhar, tem sido dif�cil, mas � um momento tamb�m em que voc� acaba ocupando sua mente um pouco. Mas na volta para casa a realidade volta. A gente tem tentado seguir, mas tem sido dif�cil. At� mesmo com a nossa filha Rebeca, mudan�a de comportamento. Ficam alguns traumas, tanto com a Rebeca, quanto comigo, quanto com o meu esposo.


Os protestos contra a morte de Floyd repercutiram muito além dos Estados Unidos(foto: Reuters)
Os protestos contra a morte de Floyd repercutiram muito al�m dos Estados Unidos (foto: Reuters)


BBC News Brasil - A Rebeca tem hoje 5 anos, certo? Voc� conversa sobre o assunto com ela?

Rafaela - Olha, eu percebo que ela foge �s vezes do assunto, se a gente quiser conversar com ela. Mas se ela ouve o nome do Jo�o Pedro, seja na televis�o, ela logo para, ela quer ver, quer assistir. Mas �s vezes ela me pergunta. Um m�s atr�s ela me perguntou por que a pol�cia matou o irm�o dela. Foi at� uma resposta dif�cil para eu dar, porque como voc� vai dizer que a pol�cia que tem que proteger tira a vida do irm�o dela?

Da� o que veio a minha mente para falar no momento � que foi um erro que eles cometeram, eles erraram e eles n�o assumiram o erro que eles cometeram. Ent�o �s vezes quando eu vou falar '� filha, t� t�o dif�cil', e ela fala 'por causa de Jo�o, n�, m�e?' Mas ela procura o n�o conversar a respeito, mas fala algumas coisas de vez em quando.


BBC News Brasil - Atualmente, o que voc� espera da Justi�a?

Rafaela - Eu espero que realmente a Justi�a seja feita, que os culpados sejam punidos. Porque � isso que a gente espera, que eles v�o a j�ri popular, que sejam presos, que sejam expulsos. Porque se eles cometeram o erro eles t�m que ser condenados pelo erro que eles cometeram. Eles tiraram a vida de uma crian�a.

Quantas crian�as mais v�o ter que morrer e continuar essa impunidade? Eles fazem isso porque eles sabem que � a prote��o de proteger esses policiais que cometem esses erros. Ent�o esperamos sim a justi�a, que eles sejam punidos.

  • J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)