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Estado de Minas INTERNACIONAL

Por que primeira 'fazenda' de polvos do mundo est� gerando pol�mica

Iniciativa de multinacional da Espanha vem enfrentando resist�ncia de cientistas e conservacionistas


21/12/2021 20:18 - atualizado 21/12/2021 20:18

polvo
Polvos t�m c�rebros maiores e mais complexos que qualquer invertebrado (foto: Getty Images)
A not�cia de que a primeira fazenda comercial de polvos do mundo est� mais perto de se tornar realidade na Espanha foi recebida com consterna��o por cientistas e conservacionistas que t�m defendido que os animais n�o devem ser criados em cativeiro.

 

Especialistas argumentam que, al�m de inteligentes, esses invertebrados s�o criaturas "sencientes" - ou seja, consideradas capazes de sentir dor e emo��es.

 

Assim, como o polvo nunca chegou a ser domesticado, com as informa��es dispon�veis hoje n�o seria poss�vel garantir seu bem-estar em um criadouro.

 

Em Bristol, no Reino Unido, a aquarista Stacey Tonkin trabalha diariamente com esses animais. Ela faz parte de uma equipe de cinco profissionais do aqu�rio da cidade que se revezam para cuidar de Davy Jones, DJ, um polvo gigante do Pac�fico - e diz que ele reage de maneira diferente a cada um deles.

 

Quando ela levanta a tampa do tanque para alimentar DJ, ele frequentemente sai de sua caverna para v�-la e coloca os bra�os no vidro.

Isso se estiver de bom humor.

 

Os polvos vivem cerca de quatro anos - ent�o, com um ano, segundo ela, DJ � o equivalente a um adolescente.

 

"Ele definitivamente mostra o que voc� esperaria de um adolescente - alguns dias est� bem mal-humorado e dorme o dia inteiro. Em outros, � muito brincalh�o, ativo, quer ficar dando voltas no tanque e se exibir."

 

Os cuidadores alimentam o polvo com mexilh�es e camar�es e peda�os de peixe e caranguejo. �s vezes, colocam a comida em um brinquedo de cachorro para que o animal possa brincar com seus tent�culos e praticar suas habilidades de ca�a.

 

A cor do polvo, conta Stacey, muda conforme seu humor.

 

"Quando est� marrom-alaranjado, � mais como um tipo de sentimento ativo ou l�dico. J� com manchinhas � mais curioso e interessado. �s vezes ele est� nadando em tons de laranja e marrom, vem pra perto de voc� e fica cheio de manchinhas, s� observando. � incr�vel."

 

Para ela, o animal mostra sua intelig�ncia atrav�s dos olhos.

 

"Quando voc� olha para ele e ele olha para voc�, voc� pode sentir que h� algo ali."

 

O Reino Unido se prepara para incluir em sua legisla��o uma emenda ao Projeto de Lei do Bem-Estar Animal que reconhece o polvo como animal "senciente".

 

A mudan�a vem depois que uma equipe de especialistas examinou mais de 300 estudos cient�ficos e concluiu que havia "fortes evid�ncias cient�ficas" de que esses invertebrados podiam sentir prazer, excita��o e alegria, al�m de dor e ang�stia.

 

Os autores disseram estar "convencidos de que a cria��o de polvos em condi��o de alto bem-estar era imposs�vel" e que o governo "poderia considerar a proibi��o da importa��o de polvos cultivados em criadouros" no futuro.

 

O consumo desses animais, contudo, segue numa crescente - da �sia ao Mediterr�neo e, cada vez mais, nos Estados Unidos. Na Coreia do Sul, as criaturas �s vezes s�o comidas vivas.

 

O n�mero de polvos na natureza est� diminuindo e os pre�os, subindo. Estima-se que 350 mil toneladas s�o capturadas a cada ano - mais de 10 vezes o volume de 1950.

 

Nesse contexto, a corrida para descobrir o segredo para se criar polvos em cativeiro se arrasta h� d�cadas. Isso porque n�o � simples "domestic�-los", j� que comem apenas alimentos vivos e precisam de um ambiente cuidadosamente controlado.

 

Empresas em pa�ses como M�xico, Jap�o e Austr�lia j� investiram nessa �rea, mas foi uma multinacional espanhola, a Nueva Pescanova (NP), a primeira a anunciar o in�cio de fato do cultivo, previsto para 2022. A carne do animal come�aria a ser comercializada em 2023.

 

A companhia desenvolveu seu m�todo com base em uma pesquisa do Instituto Oceanogr�fico Espanhol que aborda os h�bitos reprodutivos do polvo comum - Octopus vulgaris.

 

Conforme a PortSEurope, a fazenda comercial estar� localizada perto do porto de Las Palmas, nas Ilhas Can�rias, com produ��o prevista de de 3 mil toneladas de polvo por ano. Ainda de acordo com o portal, a iniciativa, segundo a empresa, ajudaria a reduzir a quantidade de animais selvagens retirados da natureza.


Polvos secando em um varal
Iniciativas no M�xico, Jap�o e Austr�lia j� estudaram criar polvos em cativeiro (foto: Getty Images)

Procurada diversas vezes pela reportagem da BBC, a Nueva Pescanova n�o respondeu aos pedidos de detalhamento sobre as condi��es em que os polvos ser�o mantidos. Informa��es como tamanho dos tanques, a comida com que os animais ser�o alimentados e como ser�o abatidos n�o foram reveladas.

 

Um grupo de pesquisadores dos EUA, Austr�lia e Inglaterra descreveu alguns anos atr�s a cria��o dos animais em cativeiro como "�tica e ecologicamente injustificada".

 

Em outubro deste ano, a organiza��o ativista Compassion in World Farming (CIWF) tentou contato com governos de v�rios pa�ses - incluindo a Espanha - instando-os a banir a iniciativa.

 

"Esses animais s�o incr�veis. S�o solit�rios e muito espertos. Coloc�-los em tanques est�reis sem estimula��o cognitiva � errado", diz Elena Lara, gerente de pesquisa da CIWF. Segundo ela, qualquer pessoa que assistiu ao document�rio vencedor do Oscar de 2021 - Professor Polvo (My Octopus Teacher) - entender� a quest�o.


Um polvo escondido em uma concha
Conservacionistas h� anos argumentam contra cria��o em cativeiro do animal (foto: Getty Images)

Os polvos t�m c�rebros grandes e complexos. Sua intelig�ncia foi comprovada em v�rios experimentos cient�ficos - em que foram, por exemplo, observados usando coco e conchas do mar para se esconder e se defender e em que mostraram que podem aprender tarefas rapidamente.

 

Tamb�m conseguiram escapar de aqu�rios e roubar armadilhas colocadas por pescadores.

 

Os animais n�o t�m esqueletos para proteg�-los e s�o altamente territoriais. Portanto, poderiam ser facilmente machucados em cativeiro. Se houvesse mais de um polvo em um tanque, os especialistas dizem que eles poderiam come�ar a comer uns aos outros.

 

Se a fazenda de polvos for instalada na Espanha, aparentemente as criaturas criadas l� receber�o pouca prote��o sob a lei europeia. Os polvos - e outros cefal�podes invertebrados - s�o considerados seres sencientes, mas a legisla��o da UE que cobre o bem-estar dos animais de cria��o s� se aplica aos vertebrados - criaturas que t�m espinha dorsal.

 

Al�m disso, de acordo com a CIWF, n�o existe atualmente nenhum m�todo cientificamente validado para seu abate humanit�rio.

Cultivo de animais aqu�ticos

- Aquicultura � o termo dado � cria��o de animais aqu�ticos para alimenta��o

 

- � o setor de produ��o de alimentos que mais cresce no mundo

 

- O mercado global de aquicultura est� crescendo cerca de 5% ao ano e a proje��o � que seu valor chegue a quase US$ 245 bilh�es at� 2027

 

- Cerca de 580 esp�cies aqu�ticas s�o cultivadas em todo o mundo

 

- � medida que a popula��o humana cresce, a aquicultura global pode fornecer uma fonte vital de alimentos

 

- Os peixes mantidos em cativeiro tendem a ser mais agressivos e a contrair mais doen�as

 

- A Uni�o Europeia publicou recentemente diretrizes reconhecendo a "falta de boas pr�ticas de manejo" e "lacunas de pesquisa" no impacto da aquicultura na sa�de animal e p�blica

 

Humanos e polvos tiveram um ancestral comum 560 milh�es de anos atr�s. Esse � um dos fatos citados pelo bi�logo evolucion�rio Jakob Vinther, da Universidade de Bristol (Reino Unido), ao falar de suas preocupa��es em rela��o ao tema da cria��o em cativeiro.

 

"Temos um exemplo de organismo que evoluiu para ter uma intelig�ncia extremamente compar�vel � nossa."

 

Suas habilidades de resolu��o de problemas, para brincadeir e desenvolver a curiosidade s�o muito semelhantes �s dos humanos, diz Vinther - e ainda assim s�o "de outro mundo".

 

"Isso � potencialmente como seria se f�ssemos encontrar um alien�gena inteligente de um planeta diferente."

 

A Nueva Pescanova afirma em seu site que est� "firmemente comprometida com a aquicultura como um m�todo para reduzir a press�o sobre os pesqueiros e garantir recursos sustent�veis, seguros, saud�veis %u200B%u200Be controlados, complementando a pesca."

 

Lara, da CIWF, argumenta, no entanto, que as a��es da NP s�o puramente comerciais e o argumento ambiental da empresa n�o � l�gico. "Isso n�o significa que os pescadores v�o parar de pescar (polvos)."

 

Ela afirma que a cria��o de polvos pode aumentar a press�o crescente sobre os estoques de peixes selvagens.

 

Os polvos s�o carn�voros e precisam comer de duas a tr�s vezes o seu pr�prio peso em alimentos para viver. Atualmente, cerca de um ter�o dos peixes capturados ao redor do planeta � transformado em ra��o para outros animais - e cerca de metade dessa quantidade vai para a aquicultura.

 

Assim, o polvo de cria��o poderia ser alimentado com produtos de peixe provenientes de unidades populacionais j� superexploradas.

 

A ativista est� preocupada com os consumidores que desejam fazer a coisa certa e podem pensar que comer polvo de cria��o � melhor do que polvo capturado na natureza.

"N�o � nada mais �tico - o animal vai sofrer a vida inteira", diz ela.

 

Um relat�rio de 2019 liderado pela professora associada de estudos ambientais da New York University, Jennifer Jacquet pontua que proibir a cria��o de polvos n�o deixaria os humanos sem comida suficiente.

 

Isso significar� "apenas que os consumidores ricos pagar�o mais por polvos selvagens cada vez mais escassos", afirma.


mesa com 'Pulpo a la Gallega'
'Pulpo a la Gallega' � um prato espanhol comum (foto: Getty Images)

 

Todo o debate est� repleto de complexidades culturais.

 

A agricultura industrial em terra evoluiu de forma diferente em todo o mundo. Os porcos, por exemplo, demonstraram ser inteligentes - ent�o qual � a diferen�a entre um porco de cria��o industrial produzindo um sandu�che de bacon e um polvo de cria��o industrial sendo colocado no prato espanhol Pulpo a la Gallega?

 

Os conservacionistas argumentam que a sensibilidade de muitos animais de cria��o n�o era conhecida quando os sistemas intensivos foram configurados e os erros do passado n�o deveriam ser repetidos.

 

Como os porcos foram domesticados h� muitos anos, temos conhecimento suficiente sobre suas necessidades e sabemos como melhorar suas vidas, diz Lara.

 

"O problema com os polvos � que eles s�o completamente selvagens, ent�o n�o sabemos exatamente do que eles precisam, ou como podemos proporcionar uma vida melhor para eles."

 

Dado tudo o que sabemos sobre a intelig�ncia dos polvos, e o fato de eles n�o serem essenciais para a seguran�a alimentar, uma criatura inteligente e complexa deveria come�ar a ser produzida em massa para alimenta��o?

"Eles s�o seres extremamente complexos", afirma Vinther.

 

"Acho que, como humanos, precisamos respeitar isso se quisermos cultiv�-los ou com�-los."

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