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Estado de Minas

'Antitrabalho': o movimento que ganhou for�a na pandemia e se espalha por comunidades online

As pessoas que acreditam no antitrabalho n�o s�o necessariamente contra todas as formas de trabalho.


07/02/2022 11:16

A pandemia aumentou a insatisfação dos trabalhadores em muitas partes do mundo, levando ao crescimento do movimento antitrabalho
A pandemia aumentou a insatisfa��o dos trabalhadores em muitas partes do mundo, levando ao crescimento do movimento antitrabalho (foto: Getty Images)

Muitos trabalhadores est�o frustrados com a natureza da rela��o de emprego. Mas alguns, j� saturados, est�o se fazendo uma pergunta maior: qual � o objetivo do trabalho?

Chris, profissional da �rea de tecnologia da informa��o residente nos Estados Unidos, afirma que sofreu terr�veis condi��es de trabalho nos seus �ltimos empregos.

Ele conta que dois empregadores diferentes - um que n�o pagava licen�as m�dicas e o outro que cobria apenas uma semana de aus�ncia - for�aram-no a voltar ao trabalho mesmo estando doente. Em outros empregos com forte sobrecarga de trabalho, ele afirma que acabou precisando cuidar das pr�prias feridas.

Mas um emprego em assist�ncia ao cliente foi al�m da conta. Seu trabalho, que pagava menos de US$ 13 (R$ 70) por hora, exigia que ele verificasse se os dependentes das pessoas tinham direito a seguro-sa�de. E ele conta que seria demitido se fornecesse aos clientes certas informa��es �teis que ele n�o estava autorizado a revelar, como o prazo em que eles deveriam enviar a documenta��o.

"Havia pessoas literalmente implorando por suas vidas ao telefone e eu n�o podia fazer nada", ele conta. "Isso me perturbou tanto que percebi que absolutamente nada nesse sistema funciona... � pura falta de empatia e gentileza humana. N�o sei como isso aconteceu."

Ap�s dois anos de pandemia, os trabalhadores de todo o mundo est�o cansados. Problemas de sa�de mental e burnout s�o comuns, particularmente entre os trabalhadores essenciais e com sal�rios mais baixos. Esse per�odo prolongado de incertezas fez com que muitos deles repensassem a forma como seus empregadores tornavam as coisas piores - e o n�mero de trabalhadores deixando seus empregos em busca de melhores op��es vem batendo recordes em muitos pa�ses.

Mas algumas pessoas est�o indo al�m, perguntando-se se existe algum prop�sito para o seu trabalho, ou para o pr�prio sistema econ�mico. Essas pessoas s�o parte do movimento "antitrabalho", que busca romper com a ordem econ�mica que sustenta o ambiente de trabalho moderno.

O antitrabalho baseia-se nas cr�ticas econ�micas anarquistas e socialistas e argumenta que a maior parte dos empregos de hoje em dia n�o s�o necess�rios; ao contr�rio, eles imp�em a escravid�o do sal�rio e impedem os trabalhadores de receberem o total valor da sua produ��o.

Mas isso n�o significa que o trabalho deva deixar de existir. Os apoiadores do movimento antitrabalho acreditam que as pessoas deveriam organizar-se e trabalhar apenas o necess�rio, em vez de trabalhar por longas horas para gerar excesso de bens ou capital.

Alguns anos atr�s, o antitrabalho era uma ideia marginal, radical, mas a encarna��o pand�mica desse movimento cresceu rapidamente e tornou-se mais conhecida fora dos c�rculos pol�ticos.

Ela est� baseada na comunidade r/antiwork, em ingl�s, do agregador de conte�do e rede social Reddit. A comunidade ainda est� fundamentada na a��o direta, mas, � medida que sua popularidade foi crescendo, seu foco foi suavizado e ampliado para formar um di�logo mais amplo sobre as condi��es de trabalho.

Atualmente, a comunidade cont�m uma mescla de narrativas pessoais sobre pedidos de demiss�o, cria��o de mudan�as em locais de trabalho hostis, defesa de greves trabalhistas em andamento, organiza��o trabalhista e formas que as pessoas podem buscar para advogar em causa pr�pria.

A comunidade cresceu rapidamente. Em um momento em que a insatisfa��o dos trabalhadores e os direitos trabalhistas s�o intensamente analisados, qual o significado do crescente interesse por esse movimento? E ele poder� ter um papel a desempenhar na efetiva��o de mudan�as?

'Rejei��o visceral do trabalho'?

Chris ajuda a moderar a comunidade r/antiwork, que re�ne atualmente 1,7 milh�o de assinantes (eram apenas 100 mil at� mar�o de 2020). "Temos um aumento constante do n�mero de membros, entre 20 mil e 60 mil seguidores por semana. Temos enorme crescimento e muitos membros engajados. Recebemos centenas de postagens e milhares de coment�rios todos os dias", acrescenta Doreen Ford, que tamb�m atua com moderadora da comunidade.

O nome e a filosofia da comunidade v�m de diversas fontes. Ford afirma que uma delas � Bob Black, fil�sofo anarquista cujo ensaio de 1985 The Abolition of Work ("A aboli��o do trabalho", em tradu��o livre) foi baseado em pensamentos anteriores sobre o trabalho - uma hist�ria que Black afirma vir desde os fil�sofos Plat�o e Xenofonte, na Gr�cia antiga.

"Muitos trabalhadores est�o saturados com o trabalho... Pode haver algum movimento rumo a uma rejei��o consciente do trabalho, n�o apenas visceral", escreve Black, sugerindo que as pessoas fa�am apenas o trabalho necess�rio e dediquem o restante do seu tempo para a fam�lia e as paix�es pessoais.

As pessoas que acreditam no antitrabalho n�o s�o necessariamente contra todas as formas de trabalho. Seu sentimento global � de hostilidade contra "trabalhos que sejam estruturados com base no capitalismo e no Estado", segundo a se��o de perguntas frequentes (FAQ, na sigla em ingl�s) da comunidade: "o objetivo de r/antiwork � come�ar a conversar sobre a problematiza��o do trabalho como o conhecemos hoje".

Alguns usuários da comunidade r/antiwork compartilham ideias sobre como apoiar movimentos grevistas, como a disputa trabalhista da Kelloggs no final do ano passado, nos Estados Unidos
Alguns usu�rios da comunidade r/antiwork compartilham ideias sobre como apoiar movimentos grevistas, como a disputa trabalhista da Kelloggs no final do ano passado, nos Estados Unidos (foto: Getty Images)

Embora esses ideais sigam sendo fundamentais para o movimento, o foco da comunidade se ampliou para englobar direitos trabalhistas mais gen�ricos. Os usu�rios compartilham hist�rias de abuso por parte dos empregadores, pedem conselhos sobre como negociar melhores sal�rios, contribuem com memes ou postam not�cias sobre greves trabalhistas em andamento.

Os participantes tamb�m fornecem dicas aos usu�rios sobre como apoiar movimentos grevistas. Em dezembro de 2021, os membros da comunidade apoiaram os esfor�os para inundar o portal de vagas da Kellogg's quando a companhia rompeu as negocia��es com trabalhadores sindicalizados em greve e afirmou que contrataria novos funcion�rios n�o sindicalizados. Embora n�o esteja clara a import�ncia da influ�ncia direta dos membros da comunidade r/antiwork sobre as a��es da empresa, a Kellogg's e o sindicato chegaram a um acordo no final daquele m�s.

A comunidade tamb�m fornece links para leituras e podcasts sobre o movimento antitrabalho fora do Reddit. A maior parte das postagens vem de trabalhadores norte-americanos de todos os g�neros e profiss�es, mas h� tamb�m participantes internacionais.

'Interrup��o do trabalho como o conhecemos'

O movimento antitrabalho n�o � novo, mas recentemente voltou a chamar a aten��o.

"Com a covid, houve uma interrup��o do trabalho como o conhecemos", afirma Tom Juravich, professor de estudos trabalhistas da Universidade de Massachusetts em Amherst, nos Estados Unidos. "Em momentos como esse, as pessoas t�m tempo para refletir. O trabalho se degradou para muitas pessoas. Nossas estruturas de autoridade tornaram-se mais draconianas e controladoras do que nunca. As pessoas realmente sentiram isso de uma nova maneira."

Para os trabalhadores bra�ais, a covid-19 exp�s brutalmente as profundas desigualdades existentes: baixos sal�rios, falta de licen�a m�dica paga em alguns pa�ses e necessidade de frequentar ambientes de atendimento a clientes com medidas inadequadas de seguran�a, que deixam as pessoas vulner�veis para contrair covid no local de trabalho.

Enquanto isso, trabalhadores de todos os n�veis salariais v�m lutando para conciliar as press�es do trabalho com as responsabilidades familiares causadas pelo fechamento das escolas, gerando maior burnout e problemas de sa�de mental - e, para alguns, at� quest�es existenciais.

Mas Kate Bronfenbrenner, diretora de pesquisas sobre educa��o trabalhista e professora s�nior da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, observa que, embora a covid-19 tenha sido um catalisador importante, o movimento antitrabalho atual possui ra�zes mais profundas que v�m de antes dos �ltimos dois anos.

"Os trabalhadores vinham mantendo um limite espantoso de toler�ncia a abusos praticados pelos empregadores contra eles", afirma Bronfenbrenner. "Mas, quando esse abuso avan�ou ao ponto de arriscar suas vidas, esse limite foi ultrapassado; no contexto da covid-19, os empregadores solicitavam a eles que trabalhassem mais do que nunca enquanto tinham lucros enormes."

� claro que nem todos os trabalhadores desiludidos adotar�o o antitrabalho. Muitos est�o claramente procurando novos empregos, em busca de garantir melhores condi��es. Outros est�o se demitindo e decidiram trabalhar por conta pr�pria. Mas alguns est�o tentando defender mudan�as.

"Nem todas as pessoas est�o se demitindo", afirma Bronfenbrenner. "Alguns est�o dizendo que v�o consertar as coisas se organizando, promovendo greves ou resistindo."

'Parece um grande momento para n�s'

Ainda � muito cedo para dizer se essa comunidade online poder� causar impactos mensur�veis sobre os direitos trabalhistas, seja com discuss�es mais acaloradas e apaixonadas ou com outras rupturas. Mudan�as fundamentais no trabalho da noite para o dia s�o improv�veis, mas estamos vivenciando uma reorganiza��o sem precedentes, em termos de como os trabalhadores fazem seu trabalho e o tipo de condi��es que eles esperam receber dos empregadores.

Muitos trabalhadores claramente estão no seu limite - e já existem sinais de que os empregadores, temendo atritos generalizados com seus funcionários, estão começando a reagir com melhorias crescentes
Muitos trabalhadores claramente est�o no seu limite - e j� existem sinais de que os empregadores, temendo atritos generalizados com seus funcion�rios, est�o come�ando a reagir com melhorias crescentes (foto: Getty Images)

Muitos trabalhadores claramente est�o no seu limite - e j� existem sinais de que os empregadores, temendo atritos generalizados com seus funcion�rios, est�o come�ando a reagir com melhorias crescentes. Se o antitrabalho e seus primos ideol�gicos continuarem a ganhar simpatizantes, isso pode fazer com que os empregadores - e talvez at� os pol�ticos - parem um pouco mais para pensar.

Ao mesmo tempo, � importante observar como o movimento antitrabalho se desenvolveu no passado. Um paralelo s�o os "longos anos 70" - o per�odo entre meados da d�cada de 1960 e o in�cio dos anos 1980 -, um per�odo de infla��o e recess�o econ�mica nos Estados Unidos, que levou muitos l�deres trabalhistas (que, em muitos casos, haviam entrado em greve sem aviso pr�vio) a abandonar seus empregos e reivindicar mais do que apenas aumentos salariais dos empregadores. Suas exig�ncias tamb�m inclu�am melhores condi��es de trabalho e mudan�as na lideran�a dos sindicatos.

Mas esse movimento n�o reuniu a for�a necess�ria. Falta de energia e aumento do desemprego enfraqueceram os esfor�os para alterar radicalmente as condi��es de trabalho, especialmente quando os empregadores pediram maiores concess�es aos sindicatos para compensar a perda de lucros em meio a uma enorme recess�o.

O poder do trabalho desvaneceu-se enquanto "o medo de perder a seguran�a no trabalho" prejudicava o movimento na �poca, afirma Leon Fink, professor de hist�ria da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos.

Fink acrescenta que mudan�as econ�micas e o decl�nio da economia acabaram por destruir a influ�ncia dos trabalhadores para sustentar mudan�as de longo prazo. De forma similar, condi��es econ�micas futuras e a evolu��o das rela��es de poder no ambiente de trabalho acabar�o por afetar o direcionamento do movimento antitrabalho atual.

Mas os movimentos trabalhistas do passado indicam que momentos de oportunidade podem gerar alguma mudan�a, mesmo que seja gradual ou por curto per�odo. "Acho que existe uma possibilidade real de alguma movimenta��o" com o movimento antitrabalho atual, segundo Juravich. Ele relembra as implica��es do movimento Occupy Wall Street em 2011, que "continua a reverberar em todos os outros movimentos populares".

Ford � otimista: "eles est�o iniciando muitas discuss�es. Parece um grande momento para n�s." J� Chris considera o movimento antitrabalho como uma pequena parte do que ele espera que venha a se tornar um esfor�o maior para destruir totalmente a estrutura do trabalho - ainda que ele n�o espere ver isso acontecer.

"Espero poder facilitar [esse processo] para as gera��es futuras", afirma ele.

Nota: pouco depois da publica��o desta reportagem em 26 de janeiro de 2022, a comunidade r/antiwork tornou-se um grupo privado, devido a coment�rios publicados no Reddit. O texto da reportagem foi preparado antes dessa mudan�a.

Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.


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