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Estado de Minas

De Gusttavo Lima a Anitta: entenda a brecha que permite contratar famosos com dinheiro p�blico

Lei criada em 1993 permite que artistas reconhecidos pela cr�tica ou p�blico possam ser contratados sem licita��o.


31/05/2022 17:38 - atualizado 31/05/2022 19:21


Gusttavo Lima durante show em 2022
Lei criada em 1993 permite que artistas reconhecidos pela cr�tica ou p�blico possam ser contratados sem licita��o (foto: Divulga��o)

Na �ltima semana, artistas do mundo sertanejo se tornaram alvo de cr�ticas por receberem cach�s pagos por prefeituras do interior do pa�s.

A pol�mica come�ou depois que o cantor Z� Neto, que faz dupla com Cristiano, deu uma declara��o durante um show que foi vista como uma cr�tica velada � cantora Anitta e � lei federal de incentivo � cultura.

Popularmente conhecida como Lei Rouanet, o dispositivo � constantemente atacado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"N�o somos artistas que dependemos da Lei Rouanet. Nosso cach� quem paga � o povo. A gente n�o precisa fazer tatuagem no toba para mostrar se a gente est� bem ou mal", disse Z� Neto.

A men��o � tatuagem foi interpretada como uma indireta � cantora Anitta, conhecida por ser cr�tica a Bolsonaro.

A declara��o gerou pol�mica nas redes sociais e Z� Neto chegou a se desculpar pela fala. Logo ap�s afirma��o de Z� Neto no show, por�m, veio � tona a informa��o de que a apresenta��o da dupla na cidade mato-grossense custou R$ 400 mil e foi paga pela prefeitura da cidade.

Nos �ltimos dias, foram os shows de Gusttavo Lima que ficaram sob escrut�nio. Diversos ve�culos de imprensa noticiaram que o cantor, que j� se manifestou a favor de Bolsonaro, foi contratado pela Prefeitura de S�o Luiz, no interior de Roraima, por R$ 800 mil.

A cidade tem pouco mais de 8 mil habitantes. Na semana passada, a prefeitura de Concei��o do Mato Dentro, em Minas Gerais, cancelou o show que o cantor faria na cidade e que foi contratado por R$ 1,2 milh�o.

Em v�deo, o prefeito da cidade, Jos� Fernando Aparecido (MDB), diz ter cancelado o show ap�s se ver envolvido no que chamou de "guerra pol�tica".


Anitta durante premiação nos EUA
Anitta foi contratada por R$ 500 mil pela Prefeitura de Parintins, no Amazonas, em 2019 (foto: EPA)

Os minist�rios p�blicos de Minas Gerais, Roraima e Rio de Janeiro abriram investiga��es preliminares para apurar se houve algo ilegal na contrata��o dos shows. Ontem, em uma transmiss�o em suas redes sociais, o cantor negou envolvimento em irregularidades.

"Nunca me beneficiei sobre dinheiro p�blico, empr�stimo, ou algo do tipo. Minha vida foi sempre trabalhar", disse o cantor.

O fato � que n�o s�o apenas artistas do sertanejo que j� receberam por shows pagos por prefeituras.

No meio art�stico, � considerado relativamente comum que cantores se apresentem em eventos financiados por prefeituras ou governos estaduais. Anitta, por exemplo, foi contratada por R$ 500 mil pela Prefeitura de Parintins, no Amazonas, em 2019.

Mas o que as contrata��es desses artistas famosos t�m em comum? A resposta �: todas foram feitas aproveitando uma brecha na legisla��o: a inexigibilidade de licita��o.

A BBC News Brasil conversou com especialistas em Direito Administrativo que explicaram como esse mecanismo funciona e por que ele permite que prefeituras possam gastar dinheiro p�blico sem licita��o para contratar artistas, alguns com cach�s milion�rios.

Eles afirmam tamb�m que, ao contr�rio do que alguns cr�ticos afirmam, a Lei Rouanet � muito mais eficiente e transparente para promover a cultura do que as contrata��es diretas feitas pelas prefeituras.

A regra e a exce��o

A lei nº 8.666, tamb�m conhecida como Lei das Licita��es, foi criada em 1993. Naquele momento, o Estado brasileiro vivia um processo de reorganiza��o administrativa poucos anos depois da redemocratiza��o do pa�s, ocorrida em 1985.

O objetivo da lei era padronizar e modernizar a forma como os �rg�os p�blicos de todo o pa�s compravam produtos ou servi�os

Pela lei, a maior parte dos contratos p�blicos precisa ser feito ap�s uma licita��o, que nada mais � do que uma esp�cie de competi��o em que diferentes fornecedores do mesmo produto ou servi�o disputam quem ter� o direito de vender para o governo.

H� diversas formas de definir o "vencedor" de uma licita��o. Normalmente, � escolhido o fornecedor que cobrar o menor pre�o desde que o produto atenda �s especifica��es feitas pelo �rg�o p�blico.

"A ideia da licita��o � que a administra��o p�blica s� vai contratar servi�os ou comprar produtos se for poss�vel avaliar diferentes propostas e fornecedores. O problema � que nem sempre isso � poss�vel", diz o professor da Funda��o Getulio Vargas (FGV) e doutor em Direito P�blico Wallace Corbo.


Gusttavo Lima aponta dedo para plateia durante apresentação
'Para uma prefeitura contratar um show de grande porte ela precisa estar com suas finan�as absolutamente equilibradas porque um show � algo sup�rfluo', diz especialista (foto: Divulga��o)

� nesses casos em que uma competi��o � "imposs�vel" que as prefeituras podem usar a brecha que vem permitindo a contrata��o de artistas. Essa brecha � a inexigibilidade de licita��o.

Ela pode ser usada tanto para a contrata��o de produtos ou servi�os para os quais n�o h� concorrentes (caso de uma vacina fabricada por um �nico fornecedor) ou para pagar por shows art�sticos.

"A lei prev� que a contrata��o de artistas consagrados pela cr�tica ou pela opini�o p�blica pode ser feita sem a realiza��o de uma licita��o. Isso acontece porque � virtualmente imposs�vel comparar um artista com outro, logo, a disputa fica invi�vel. Como � que voc� vai comparar Gusttavo Lima com a Anitta?", explica o advogado especialista em Direito Administrativo Arthur Rollo.

Rollo afirma que por se tratar de uma exce��o e de um "produto" muito espec�fico, a escolha dos artistas que uma prefeitura quer ter em seus eventos acaba sendo discricion�ria.

"No final, como n�o tem como avaliar qual artista � melhor ou pior, essa escolha � subjetiva e fica nas m�os de quem comanda o �rg�o p�blico. Pode acontecer de um prefeito escolher um cantor em particular porque ele ou a sua mulher s�o f�s. � dif�cil mensurar isso", avalia o advogado.

Como impedir abusos

Arthur Rollo diz, no entanto que, ainda que as contrata��es de artistas possam ser respaldadas tecnicamente pela lei, � preciso avaliar se elas atendem a princ�pios como a moralidade, efici�ncia e economicidade.

"� preciso analisar o contexto no qual uma prefeitura faz um contrato milion�rio com um artista. N�o � defens�vel uma prefeitura com graves problemas em �reas como sa�de ou educa��o gastar grandes somas de dinheiro na contrata��o de artistas famosos", diz.

"Para uma prefeitura contratar um show de grande porte ela precisa estar com suas finan�as absolutamente equilibradas porque um show � algo sup�rfluo, por mais importante que a cultura e o lazer sejam. Tem que ver se a prefeitura est� gastando o que deve na sa�de, na educa��o", diz Arthur Rollo.


Gusttavo Lima durante show em 2022.
'� muito mais f�cil voc� pesquisar os dados de projetos da Lei Rouanet do que ter que procurar nos di�rios oficiais de mais de cinco mil munic�pios', diz advogado (foto: Divulga��o)

Para o advogado Wallace Corbo, toda a pol�mica em torno dos shows de artistas como Gusttavo Lima, Anitta e Z� Neto e Cristiano lan�ou luz sobre como as contrata��es feitas por prefeituras via inexigibilidade de licita��o s�o menos transparentes que a t�o criticada Lei Rouanet.

A Lei Rouanet foi criada em 1991 e � um dos principais instrumentos de fomento � cultura do pa�s. Os autores precisam submeter seus projetos ao crivo do governo. Se ele for aprovado, os autores ficam autorizados a captarem os recursos junto a empresas e pessoas f�sicas.

As empresas ou pessoas f�sicas que desejam financiar um projeto pode fazer isso destinando os recursos do imposto de renda que deviam � Uni�o para essas iniciativas culturais.

Todas as informa��es sobre os respons�veis pelos projetos e seus patrocinadores s�o publicadas no Di�rio Oficial da Uni�o (DOU) e centralizadas em um site do governo federal.

"� muito mais f�cil voc� pesquisar os dados de projetos da Lei Rouanet do que ter que procurar nos di�rios oficiais de mais de cinco mil munic�pios para saber se um artista foi ou n�o contratado com dinheiro p�blico. A Lei Rouanet � muito mais transparente", avalia o advogado Wallace Corbo.

Corbo diz ainda que a Lei Rouanet � mais eficiente que as contrata��es feitas por prefeituras ou governos estaduais porque elas permitem que artistas menos conhecidos tenham acesso a recursos e n�o fiquem inteiramente dependentes da boa vontade dos mandat�rios.

"A Lei Rouanet faz com que o artista tamb�m possa captar recursos e o leque de op��es � muito mais amplo do que correr atr�s de prefeituras ou governos do estado. Para o artista que n�o t�m a express�o dos mais famosos, isso � muito �til", diz Wallace Corbo.

Na avalia��o de Arthur Rollo, n�o seria preciso fazer ajustes na Lei das Licita��es para impedir que prefeituras utilizem seus recursos para contrata��o de artistas famosos.

"N�o precisa mudar a lei. Basta que os �rg�os de controle, internos e externos como as controladorias e os tribunais de conta se mantenham vigilantes. Tamb�m � importante que a sociedade civil organizada fa�a isso. Se a pessoa mora em uma cidade e o prefeito ou prefeita vai contratar um artista por um cach� astron�mico, ela pode questionar isso junto ao Minist�rio P�blico", explica.

Por e-mail, a assessoria de imprensa respons�vel pela dupla Z� Neto e Cristiano disse que a dupla n�o iria se manifestar sobre o tema. A BBC News Brasil procurou as produtoras respons�veis pelas carreiras de Anitta e Gusttavo Lima, mas elas n�o responderam �s quest�es enviadas.

A Prefeitura de Parintins, que contratou Anitta por R$ 500 mil em 2019, disse que o valor foi cobrado pela produtora da artista em fun��o de fatores como a dificuldade log�stica para sua equipe chegar � cidade que fica em uma ilha no rio Amazonas.

Em nota, a assessoria de Gusttavo Lima diz que ele n�o pactua com ilegalidades.

"O valor do cach� do artista � fixado obedecendo crit�rios internos, baseados no cen�rio nacional, tais como: log�stica (transporte a�reo, transporte rodovi�rio etc.), tipo do evento (show privado ou p�blico), bem como os custos e despesas operacionais da empresa para realiza��o do show art�stico, dentre outros fatores. N�o pactuamos com ilegalidades cometidas por representantes do poder p�blico, seja em qualquer esfera", diz um trecho da nota.

*Este texto foi originalmente publicado na BBC News Brasil.

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