
Al�m de projetos, da revista de arquitetura de que se orgulha, Niemeyer anda satisfeito com o samba composto em parceria com um de seus enfermeiros, Caio Almeida. Tranquilo com a vida, foi criado na UTI, quando ele se recuperava de duas cirurgias no ano passado. Vera L�cia, a mulher do arquiteto, conta que um dia chegou ao hospital e o tumulto estava formado em volta do marido. Eram m�dicos e enfermeiros curiosos para ouvir a m�sica. Um Niemeyer que continua a encantar e a surpreender. Em entrevista ao Estado de Minas, ele fala com lucidez sobre arquitetura, pol�tica e conta hist�rias. Jura que voltar� a Bras�lia, mas com uma ressalva: "Quando for preciso".
O que a vida tem de melhor?
Voc� sabe que uma vez um amigo meu me perguntou: Oscar, e a vida? Eu disse: mulher do lado e seja o que Deus quiser.
O resto pouco importa?
O resto, paci�ncia...
O senhor mant�m isso?
L�gico. Olha a� a minha mulher. Amizade, respeito, amor, entusiasmo. Hoje ganhei uns livros (audiobook). Ontem eu coloquei Plat�o. Mas hoje ouvimos Machado de Assis, Mem�rias P�stumas de Br�s Cubas. Era uma choradeira, o sujeito est� morrendo, mas descrevia t�o bem. � formid�vel. � muito bom esse aparelho para ouvir. O livro � bom e tem uma entona��o... � uma nova paix�o, um caminho interessante de revisitar as coisas e ir tocando a vida.
E pela arquitetura, o senhor ainda tem paix�o?
Desde que nasci, gostava de desenhar. Meu pai n�o fazia muita f� de eu ser arquiteto, n�o. Mas eu quis ir. Fui para a escola, fui trabalhar com o L�cio (arquiteto Lucio Costa) durante um tempo. Depois veio a Pampulha (conjunto arquitet�nico em Belo Horizonte). Depois que fiz a Pampulha, o mundo clareou. Come�ou a aparecer muito trabalho. Defendo uma arquitetura diferente. Acho que a arquitetura n�o basta servir bem ao homem. Ela tem que ser bonita e, para ser bonita, tem que ser diferente, tem que criar surpresa. De modo que adotei um trabalho que � uma inven��o.
Como tem sido a sua rotina? O senhor vem ao escrit�rio todo dia?
A pessoa tem que se ocupar. Ficar parado n�o d�. O mundo n�o � t�o amigo. � tanta complica��o. Quando n�o � com a gente � com os amigos. O trabalho alivia a dureza da vida.
Al�m de projetos, como ocupa sua cabe�a?
Voc� viu a nossa revista? (revista Nosso caminho, publica��o idealizada pelo arquiteto). A revista � o que queremos fazer da vida. Levar o conhecimento aos outros, ser �til aos mais jovens, fazer eles compreenderem e despertar para ler muito. Sen�o o sujeito fica fora da jogada, n�o sabe o que est� se passando. De modo que � muito bom trabalhar olhando para o futuro.
E os jovens? Que conselho daria?
Leiam muito. Leiam sempre. Ler para conhecer, para descobrir, se encantar. A revista de arquitetura � um pretexto para levar ao mais jovem o conhecimento. A gente procura dar o exemplo. Temos um professor que nos d� aula de filosofia e sobre o cosmo h� cinco anos. Toda ter�a-feira aqui. A gente precisa se distrair, conhecer as coisas, saber por que estamos aqui neste mundo, por que aparecemos, saber a vida como �. Gosto tanto de ouvir o professor falar sobre o cosmo, sobre o universo, vendo que somos um pigmeuzinho em cima da Terra. Somos insignificantes diante da grandeza do mundo.
O senhor tem arrependimentos?
Olhando para tr�s, vejo coisas que poderia ter evitado. Todo mundo tem um lado bom e um ruim. Mas pelo menos tem predominado essa ideia. Na minha casa, na sala de visitas tinha cinco janelas, eu me lembro que a minha av� fez de uma das janelas o orat�rio e tinha missa em casa, ent�o eu lidava com aquele pessoal, a fam�lia toda religiosa, os amigos religiosos, e eu, aos 17 anos, gostava daquela gente, eram bons. Marcou para mim, que sou ateu, uma tend�ncia de aceitar a religi�o. Conheci diversos padres que frequentavam a minha casa...
Mas agora o senhor tem se aproximado mais da religi�o e tem desenhado igrejas.
Bastante. � curioso esse reencontro com a minha juventude, com a religi�o. Sabe, tenho lembrado muito da Pampulha. Minha vida de arquiteto come�ou l�. Juscelino me chamou, me entusiasmou. Depois, fiz outros projetos para ele. Engra�ado, eu fui sempre cercado pelos mineiros, no meio dessa coisa o Rodrigo Melo Franco era o amigo quase predileto. Era uma pessoa t�o boa, t�o correta. Ele me chamou para o Patrim�nio. Eu ia com ele ver as obras antigas, ia a Ouro Preto. Ele foi formid�vel. Defendeu esse passado de arte do Brasil e arquitetura. Minas foi marcante na minha vida.
Qual � a melhor forma de envelhecer?
Envelhecer? � esquecer a velhice e fazendo o que � poss�vel.
E vivendo feliz?
Ah... Temos coisas que s�o exemplo de felicidade, mas o mundo � terr�vel. Os que v�o embora e a gente tem que participar do drama. � complicado. Mas a vida � assim. N�o acho que o mundo seja muito generoso com alguns... A vida � dura. � dif�cil. Tem que se arrumar, se organizar, para poder atravessar o caminho sem se chatear muito.
O trabalho ajuda a envelhecer?
Ajuda tamb�m. A fam�lia, a minha mulher que est� me olhando. Isso tudo ajuda a aguentar a parada com mais tranquilidade. A vida � assim: nasce � um sopro. Nasce e morre num sopro. Hoje estava lendo esse livro de Machado de Assis, ele contando da vida dele. Ele teve sorte. Tinha talento. De modo que sempre fez o que gostaria de ter feito. Fazer o que se gosta � fundamental. O sujeito viver contrariado � um horror.
O senhor fez o que gostaria de ter feito?
Fiz uma parte. Fiz um pouquinho.
Daqui a 200 anos alguns brasileiros ser�o lembrados. O senhor e Pel� ser�o os dois nomes mais citados. Isso o deixa feliz?
Cumpro meu trabalho tranquilamente. Estou de bra�os dados com os amigos. Isso tudo � importante, �, mas a vida � muito mais que isso. E a vida est� correndo.
S�o muitos os amigos?
Tenho muitos amigos. Sempre tive muitos amigos. � bom marchar junto. Ter bons amigos � extraordin�rio. Um apoiar no outro, mesmo quando entrei no partido, as tarefas que surgiram, os contatos que tive, conheci sujeitos mais dignos, os intelectuais que lidavam com a gente e o povo entusiasmado com as pequenas coisas que consegu�amos melhorar. Mas a reforma, a mudan�a final ainda est� de p�.
O senhor se mant�m otimista em rela��o � vida?
Eu acho. Eu me proponho a igualdade, a solidariedade. � importante demais para desaparecer porque a maioria � pobre, a maioria � miser�vel, tem fome.
Mas os pol�ticos s� pensam em si mesmos e em enriquecer...
Ah bom, mas a burguesia � assim mesmo.
O senhor est� satisfeito com o governo Dilma?
At� agora, sim. Ela � inteligente, preparada e firme nas posi��es. Uma pessoa muito capaz e dedicada. Tem tudo para fazer um bom governo. Acho que Dilma far� o povo brasileiro feliz.
Chegou o momento de o povo brasileiro sorrir um pouco mais?
Pois �. Chegou a oportunidade. Foram tantos desafios, tantos sofrimentos... � ineg�vel que hoje a popula�ao est� mais feliz e satisfeita. Mas a vida � t�o complicada. T�o inesperada... Sorrir certamente ajuda a enfrentar a dureza do cotidiano. Dilma precisar aprender isso.
Mas a sua paix�o mesmo � o ex-presidente Lula. N�o sente falta dele?
O Lula foi �timo. Ele compreendeu bem o problema da Am�rica Latina. Compreendeu o trabalho de Fidel, de Ch�vez, dessa turma... Sabe o que interessa ao Brasil.
Em que �reas precisamos avan�ar para melhorar?
Em muitas, mas Lula tem que ter tempo para agir.
Mas ele n�o vai mais agir. Est� fora do governo.
Mas ele tem for�a popular. � estimado. Foi uma pessoa muito importante para o Brasil. Por tr�s ele tem influ�ncia. Deve ser ouvido. Ele precisa ficar do lado dela nessas horas, nesses momentos delicados. Lula o povo entende mais.
E ele voltar� � presid�ncia?
L�gico. Acho que, se ele quiser, ele volta. Ele � muito estimado.
O senhor gosta de m�sica?
Gosto muito. Tocava um pouco de viol�o e at� toquei com o Jobim. Gosto do Wando, do Arag�o. Outro dia fiz um samba. Querem ouvir o samba? Fiz no hospital. Fiz de brincadeira. A letra � pol�tica. A vida � um samba enredo , n�?