Mais de 36 mil pessoas aguardam hoje no Pa�s a t�o esperada not�cia de que um �rg�o ou tecido que tanto precisam est� dispon�vel para transplante. Este � o caso de Reginaldo Padilha, que se enche de esperan�a toda vez que um helic�ptero pousa no terra�o do Instituto do Cora��o (InCor), onde est� internado h� quatro meses, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por conta de seu delicado estado de sa�de, Padilha est� entre os pacientes priorit�rios na lista de espera nacional, mas o �nico cora��o que apareceu at� o momento n�o era compat�vel com o seu organismo.
Uma das principais raz�es da dificuldade enfrentada por Padilha e pelas milhares de pessoas que aguardam um transplante, na avalia��o de especialistas, � a falta de informa��o a respeito do assunto. Em raz�o de cren�as infundadas, aliadas � diminui��o das campanhas na m�dia, muitas fam�lias se negam a autorizar a doa��o dos �rg�os dos parentes que faleceram e, dessa forma, deixam de transformar um momento de dor em esperan�a de vida para outras pessoas.
O cirurgi�o cardiovascular Fernando Platania, m�dico de Padilha, aponta as falsas cren�as como uma das principais raz�es que prejudicam o aumento do n�mero de doadores no Pa�s. "Vejo esse problema sim, sobretudo entre a popula��o mais humilde, por conta da falta de entendimento e da desconfian�a no sistema p�blico."
O m�dico, que tamb�m � coordenador do Departamento de Cardiologia do Hospital Ana Costa, em Santos (SP), destaca que um dos temores mais citados � com rela��o � morte cerebral. Para algumas fam�lias, o fato de o cora��o ainda bater ap�s a declara��o de �bito pode significar que a v�tima ainda est� viva e pode ter salva��o. O que n�o � verdade.
Para o presidente da Associa��o Brasileira de Transplante de �rg�os (ABTO), Ben-Hur Ferraz Neto, esse temor se deve � falta de informa��o clara �s fam�lias. "� diferente para um leigo ter essa compreens�o, porque o cora��o ainda bate, mas �s custas de aparelhos e com o �nico objetivo de manter os outros �rg�os vi�veis para transplante", explica.
A morte cerebral s� � dada como certa depois de exames cl�nicos mostrarem que o paciente n�o tem mais reflexos cerebrais e que est� incapacitado de respirar por si pr�prio. Tamb�m s�o realizados testes para confirmar aus�ncia de fluxo sangu�neo e de atividade cerebral. "A legisla��o brasileira � extremamente rigorosa a respeito da morte cerebral", diz Ferraz Neto.
Al�m do receio quanto � morte cerebral, h� outros temores que levam as fam�lias a negar as doa��es, como o medo da deforma��o do cad�ver, o temor de que os �rg�os ser�o vendidos no mercado negro e a desconfian�a de direcionamento e privil�gio dentro do Sistema Nacional de Transplantes. Ferraz Neto relata at� mesmo a negativa de autorizar a doa��o pelo temor de que o morto precise do cora��o "para uma outra vida". "Acabam doando at� os outros �rg�os, mas n�o o cora��o", conta.
Em caso de morte cerebral, aparelhos mant�m o cora��o pulsando para que os �rg�os sejam preservados para a doa��o. No entanto, esse estado n�o pode ser mantido por muito tempo, e se o cora��o parar, ele e os outros �rg�os ficam impossibilitados para o transplante, porque perdem oxigena��o. Se isso acontece, a esperan�a de vida daqueles que aguardam um �rg�o na fila diminui drasticamente. Ent�o, apenas tecidos - pele, c�rneas e medula �ssea, entre outros - ainda podem ser doados.
Apesar da longa batalha, Padilha, que est� com 47 anos, n�o perde a esperan�a e faz planos concretos para o futuro. "O que eu mais quero � voltar � minha vida normal. Quero voltar �s minhas caminhadas na praia em Santos, voltar a trabalhar. E mais ir ao supermercado sem sentir falta de ar".
Desejos simples para um caso t�o complexo. Ele sofre de miocardiopatia dilatada idiop�tica, que faz com que seu cora��o cres�a exageradamente. Para executar os seus planos futuros, Padilha depende da solidariedade das fam�lias que podem optar pela doa��o de �rg�os.
Humaniza��o
O coordenador do Sistema Nacional de Transplantes do Minist�rio da Sa�de, Heder Murari Borba, reconhece a "grande influencia que o pequeno esclarecimento da popula��o" tem sobre a decis�o das fam�lias. Mas alega, tamb�m, que outro fator importante de inibi��o da doa��o de �rg�os � o mau atendimento que muitos pacientes enfrentam nos hospitais. "Se a pessoa for atendida de maneira humanizada � muito mais f�cil a abordagem dos agentes para solicitar o �rg�o", afirma.
As a��es, segundo Borba, devem se concentrar em campanhas que esclare�am as fam�lias sobre o assunto. "As campanhas devem mostrar a seguran�a que o processo de transplante envolve e que impossibilita o com�rcio de �rg�os, j� que envolve muitas pessoas e exames gen�ticos", diz. E continua: "Al�m disso, � preciso frisar o aspecto emocional nas campanhas, mostrando que aquele momento de dor das fam�lias pode se transformar em alegria para outras pessoas."
As campanhas, ali�s, t�m rela��o direta com o crescimento do n�mero de doadores de �rg�os no Pa�s. O presidente da Alian�a Brasileira pela Doa��o de �rg�os e Tecidos (Adote), Francisco Neto de Assis, cita o caso da jovem Elo� Cristina Pimentel, de 15 anos, assassinada pelo ex-namorado em outubro de 2008, ap�s ser mantida ref�m, em Santo Andr� (SP). Cora��o, pulm�o, rins, p�ncreas, f�gado e c�rneas ajudaram a salvar vidas. Coincidentemente, a m�dia mensal de transplantes no Estado de S�o Paulo aumentou 30% naquele m�s. "Quando h� campanha, ou quando o assunto est� na m�dia, d� para notar o aumento de doadores", diz.