
Imagine a situa��o: voc� est� na fila, em uma padaria. Olha para tr�s e v� uma jiboia. Com 1,80m e 4,2kg, ela est� pendurada no ombro de um homem tranquilo. O susto � imediato, para boa parte das pessoas. Afinal, a cena � inusitada. Para o psic�logo Genillson de Pulcinely, 57 anos, morador da Asa Norte, a presen�a da cobra n�o tem nada de assustador. Aos olhos dele, o animal � um inofensivo bicho de estima��o, uma serpente do tipo boa constrictor do rabo vermelho. Os dois v�o juntos a todo lugar.
H� dois anos, Genillson � o dono da jiboia macho, que ganhou o nome de Volupto. O r�ptil passa boa parte do tempo em um amplo cercado, feito de tela de nylon, onde h� uma l�mpada espec�fica para aumentar o calor. Como precisa de 20 minutos di�rios de sol para se manter saud�vel, Volupto � levado para passear com frequ�ncia pelo dono. Vai � padaria, ao bar e at� para o trabalho de Genillson, que passa as tardes na Casa da M�e Joana, consult�rio oracular na Asa Norte.
A presen�a da cobra j� gerou problemas para o dono. Em um bar, o gar�om se recusou a servir a mesa na qual Genillson estava, por conta do animal. “Pessoas em outras mesas me convidaram para me sentar com elas, disseram que n�o tinha problema nenhum com a cobra”, lembrou. As rea��es s�o diversas. A dona de uma cervejaria pr�xima ao consult�rio do psic�logo adora Volupto. “Ele � lindo demais. O contato com ele � como uma massagem. � uma del�cia. Se voc� perder o medo e permitir que ele se enrole em voc�, percebe o quanto � bom”, disse a empres�ria e bi�loga Paula Figueiredo, 29 anos.
Frequentadores de um bar vizinho ao trabalho de Genillson tamb�m n�o se incomodam com a presen�a de Volupto. “A gente conhece a cobra desde que ela era pequenininha. J� se acostumou. Mas para quem a v� pela primeira vez, deve ser um susto e tanto. A coisa complica”, admite o corretor de im�veis Cl�udio Estrela, 55 anos.
Rotina
Mas o que n�o falta � quem tenha pavor a cobras. “Um rapaz ficou catat�nico uma vez. N�o conseguia se mexer de tanto medo. Em outra ocasi�o, uma senhora correu muito, assustada com o Volupto. Mas, em geral, a recep��o � boa. As pessoas querem v�-lo de perto, toc�-lo”, afirmou o psic�logo. Recentemente, uma emissora de televis�o que tamb�m mant�m um site publicou sem autoriza��o de Genillson fotos dele e da cobra durante um passeio.
“Eles (a equipe de reportagem) ouviram um especialista que me achou exibicionista. O cara errou o peso da serpente, n�o sabia explicar muita coisa. N�o me deram direito de resposta. Mostraram a foto na televis�o e na internet.” O incidente alterou a rotina de passeios. “Agora, sa�mos menos de casa. Estou com um processo na Justi�a contra a emissora. Depois desse dia, passaram a me gritar na rua, chamar de homem da cobra. Ficamos meio deprimidos, eu e Volupto, e estamos mais reclusos.”
Volupto foi comprado por Genillson de um criador autorizado, em Pernambuco. Em 2008, o bicho veio para Bras�lia, com seis meses de vida, pois seria �til em trabalhos espirituais. “Na minha cren�a, serpentes s�o sagradas, capazes de identificar males do corpo e ajudar no processo de cura”, explicou. Volupto deixou de participar das sess�es e passou a ser uma companhia preciosa para o dono. Genillson joga tar�, � adepto da numerologia e da astrologia. Com a ajuda dos n�meros, chegou ao nome e sobrenomes ideais para a serpente de estima��o: Samael Volupto. “Samael quer dizer anjo ca�do. Na mitologia grega, Volupto � filho de Eros e Psiqu�, representa o er�tico”, explicou.
Mansid�o
Segundo o dono, Volupto nunca atacou ningu�m. “Ele � muito tranquilo, nunca me picou. S� vai reagir caso se sinta amea�ado”, disse Genillson. Durante a entrevista, Volupto se esparramou sobre o corpo do dono, entrela�ou-se em frestas da cadeira de madeira, passeou no ch�o e quis entrar debaixo da estante. Depois de tudo, dormiu com a cabe�a em cima da mesa e o corpo no colo de Genillson. “T� vendo como ele � calmo?”, ressaltou o psic�logo, que abra�a e beija Volupto constantemente. “Eu tinha medo de cobra at� ganhar duas em um pote de formol, bem antes do Volupto. Passei a encar�-las e isso desapareceu.”
A cobra tem suas prefer�ncias gastron�micas. A cada 15 dias, alimenta-se de um coelho inteiro. A refei��o � servida viva. A cobra “abra�a” o outro bicho at� mat�-lo. Depois, engole-o por inteiro. S�o necess�rios dias at� que a digest�o se complete. Nesse per�odo, Volupto fica quieto, recluso. Genillson discorda da afirma��o de bi�logos sobre a falta de capacidade das cobras de interagir com humanos. “Volupto reage diferentemente com cada pessoa. Ele abra�a quando est� contente e mostra quando n�o quer ser pego”, garantiu o psic�logo.
Ressalvas
Entre especialistas, h� d�vidas e controv�rsias sobre o h�bito de passear com uma serpente de estima��o pelas ruas. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama), a autoriza��o dada a criadores � para o ambiente dom�stico e n�o para exibi��o. “H� uma sequ�ncia de normas que nos fazem chegar a essa conclus�o. Temos v�rios problemas com a cria��o de serpentes, como fuga e abandono. Uma jiboia de tamanho m�dio � capaz de comer um beb�. � quest�o de bem-estar”, afirmou o coordenador de Fiscaliza��o e Opera��es do Ibama, Roberto Cabral.
O Ibama, a pedido do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), deve lan�ar em breve uma lista com os animais considerados dom�sticos. Cobras n�o estar�o entre eles. Genillson rebate a afirma��o. “A lei n�o � clara. Diz somente que n�o pode haver maus-tratos, e isso, com certeza, n�o h� com Volupto. A legisla��o n�o especifica o que � mau-trato. Tenho autoriza��o para criar. Mesmo assim, ficaremos em casa, para evitar problemas.”