Bras�lia e Mirav�nia (MG) — Jornada pesada de trabalho, cuidado com os filhos, falta de dinheiro para o transporte ou um certo constrangimento de ocupar o banco escolar depois de crescidos s�o algumas das raz�es que impedem adultos analfabetos de aprender como letras se juntam e formam palavras. Vencer essas barreiras, por�m, n�o significa garantia de conhecer o mundo letrado. Embora o Programa Brasil Alfabetizado, lan�ado em 2003 pelo ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, tenha estabelecido a abertura de turmas de educa��o para jovens e adultos, tamb�m conhecida pela sigla EJA, em todos os munic�pios onde 25% ou mais da popula��o ignoram o alfabeto, h� hoje 32 cidades nessa situa��o, sem qualquer classe funcionando. Nesses locais, mesmo com muita for�a de vontade, os habitantes dificilmente aprender�o a ler e escrever.
Mirav�nia, munic�pio de 4,7 mil habitantes a 711 quil�metros de Belo Horizonte, faz parte da por��o brasileira fadada ao analfabetismo. Enquanto a oferta de turmas n�o chega, a lavradora Maria da Concei��o Leite, conhecida como dona Bia, lamenta ter deixado a escola quando crian�a. “O meu pai era muito pobre e eu tinha que cuidar dos irm�os mais novos. Por isso, n�o pude estudar”, diz a senhora de 53 anos. Moradora da localidade de Panelinha II, distante nove quil�metros da �rea urbana de Mirav�nia, Maria da Concei��o lembra que chegou a frequentar, depois de adulta, uma classe de alfabetiza��o no munic�pio, mas por pouco tempo. “Fui �s aulas por uns tr�s meses. Mal aprendi a assinar o nome. Mas, se fico apavorada, n�o consigo escrever", diz a lavradora, integrante de uma fam�lia de 12 irm�os e m�e de oito filhos.
Mesmo achando que “a esta altura da vida” � dif�cil se alfabetizar, a mulher ainda sonha em decifrar letras. “Eu queria ler a B�blia”, diz Maria da Concei��o. Edwirges Ferreira de Faria, de 48 anos e m�e de 10 filhos, compartilha desse desejo. Evang�lica, ela conta que tem vontade de poder orar acompanhando o livro sagrado de sua religi�o, mas mostra um des�nimo caracter�stico dos adultos analfabetos. “Para a pessoa que j� � velha, acho que n�o d� para estudar mais”, afirma.
“Os adultos analfabetos precisam de um incentivo a mais para estudar. Mas, nos lugares mais carentes, muitos projetos s�o travados por quest�es pol�ticas. Para alguns pol�ticos, � mais interessante que as pessoas continuem analfabetas para n�o haver liberdade da reivindica��o do exerc�cio da cidadania e dos seus direitos”, critica Ivanir Barbosa de Oliva Silva, que desenvolve trabalho de articula��o com associa��es comunit�rias de Mirav�nia. Ela destaca que uma turma chegou a ser iniciada no munic�pio, mas n�o seguiu em diante. A alega��o da prefeitura, segundo a professora, foi o custo elevado. A secret�ria municipal de Educa��o de Mirav�nia, Irene Vilas Boas, e o prefeito, Elpidio Mota Dourado (PTB), n�o retornaram o contato da reportagem para comentar o assunto.
Falta de interesse pol�tico, sem d�vida, � um problema generalizado, afirma Roberto Catelli, coordenador do programa de EJA da A��o Educativa, entidade que promove cursos. Ele destaca que, aliada ao pouco interesse de gestores p�blicos, est� a dificuldade em localizar a demanda por alfabetiza��o. “Ela n�o � expl�cita como no caso de crian�as fora da escola. Voc� precisa mobilizar o adulto para que ele queira estudar. Ent�o, o Censo 2010 vem em boa hora, at� para romper com o argumento de muitos prefeitos de que n�o h� demanda para esse tipo de programa”, diz o especialista.
Evas�o T�o dif�cil quanto mobilizar analfabetos que j� passaram da idade escolar � mant�-los nas classes ao longo dos meses. N�o por acaso, a m�dia de evas�o na educa��o de jovens e adultos, segundo o Minist�rio da Educa��o, � de 40%. “Esse aluno se sente constrangido em voltar aos estudos ap�s anos de aus�ncia. Por isso, o conte�do deve ser adequado”, explica Ophelis Fran�oso J�nior, editor executivo de EJA de uma editora que desenvolve material did�tico para as turmas de adultos. Para manter o adulto no banco escolar, completa Catelli, al�m de livros e abordagens adequadas, � preciso investimentos em �reas n�o necessariamente ligadas ao tema da educa��o. “Um transporte eficiente, por exemplo, e creches para os filhos dos alunos.”
Quest�es culturais, sociais e econ�micas de cada munic�pio, segundo o Minist�rio da Educa��o (MEC), influenciam na alfabetiza��o de adultos e idosos no Brasil. A pasta enfatiza que a abertura de turmas do Programa Brasil Alfabetizado se d� por meio de ades�o de governos estaduais e prefeituras, que recebem recursos federais. “� uma a��o de corresponsabilidade entre governos em que cada um tem seu foco de atua��o e atribui��es”, diz o MEC, em nota. Em 2010, segundo a pasta, o Brasil Alfabetizado atendeu 1.814.522 pessoas com 15 anos ou mais. Em 2011, 26 estados e 1.336 munic�pios se incorporaram ao programa, dos quais 329 j� t�m a ades�o conclu�da e os demais em an�lise. A meta prevista � atender aproximadamente 2,5 milh�es de pessoas. No Brasil, s�o quase 14 milh�es de analfabetos com 15 anos ou mais.
Ensino inexistente
A Bahia tem presen�a maci�a na rela��o das 32 cidades brasileiras sem oferta de EJA, embora essas localidades apresentem �ndice de analfabetos igual ou maior que um quarto da popula��o adulta. O pior indicador, entretanto, est� no Rio Grande do Norte: na cidade de Jo�o Dias, 38,9% dos moradores com 15 anos ou mais n�o sabem ler ou escrever. Da Regi�o Norte, h� tr�s munic�pios situados no Tocantins. No Sudeste, cinco cidades de Minas Gerais figuram na lista. A maior parte, entretanto, � do Nordeste.